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Jeon Jeongguk era um profissional – e um dos bons. A confiança em suas habilidades era resultado de anos desempenhando a mesma função no café e confeitaria que herdara do pai, em parte, quando este resolveu que iria pegar as reservas feitas ao longo da vida e aproveitar os anos que ainda lhe restavam.

Ao lado de Kim Seokjin, dono da outra parte, a qual foi herdada em condições similares às suas, ele dava continuidade à paixão por produzir e fornecer cafeína e sacarose para os mais diversos tipos de paladares da região de Hapjeong, sentimento que levou seus pais a se unirem com aquele único propósito anos antes, possuindo nada mais que um hobby em comum e a vontade de largar empregos estáveis, mas que não lhes garantiam nenhum senso de propósito.

Contudo nem mesmo toda a experiência adquirida ou a paixão herdada em um pacote completo juntamente com o maquinário poderia livrar Jeongguk dos limites que sua condição humana lhe impunha. Ele era um profissional, afinal de contas, não um robô.

Ainda que gostasse de desenhar e tivesse perdido a conta de quantos cadernos ele preenchera com rabiscos em vez de anotações importantes sobre o que era lecionado em sala, Jeongguk não podia dar forma a desenhos em uma velocidade rápida o suficiente para lidar com o fluxo de pedidos que eram repassados por Hoseok – ele, sim, deveria ser uma máquina para anotar pedidos e efetuar transações em uma velocidade chocante, muitas vezes com troco a ser repassado para o cliente à sua frente sem erros.

E, para completar, havia algo de estranhamente confuso acontecendo todas as quartas-feiras, desde que Jeongguk se entendia por barista. As pessoas costumavam reclamar das segundas-feiras e lamentar que o fim de semana havia acabado, mas era nas quartas-feiras que a falta de energia se espalhava por rostos cansados e passos arrastados. O café ficava abarrotado de pessoas, e os pedidos chegavam aos montes, com os mais diversos gostos, que variavam entre o doce repugnante e o amargo de causar arrepios nos mais fracos, abrangendo todos os espectros da escala.

Não era preciso ser um gênio para resolver aquela equação nada complicada, de modo que quartas-feiras e desenhos mais elaborados eram uma péssima combinação.

Por isso, quando ele viu Kim Taehyung parado do outro lado do balcão naquela quarta-feira, Jeongguk soube que precisaria de uma boa dose de esforço extra e de concentração se queria fazer aquilo direito.



Kim Taehyung tinha tudo para ser um cliente comum.

Ele chegava, cumprimentava quem quer que estivesse do lado de trás do balcão e fazia o mesmo pedido de sempre - um capuccino e uma torta de morango - e agradecia com um sorriso enorme ao receber a nota fiscal após efetuar o pagamento. Em seguida, ele se dirigia a uma das mesas mais afastadas enquanto esperava, onde retirava o notebook da bolsa carteiro e começava a trabalhar até ser interrompido pela entrega de seu pedido.

Tinha tudo para ser um cliente comum, mas também tinha algo que cliente comum nenhum poderia ter, e Jeongguk descobriu isso logo nos primeiros dias, ao notar como ele era um pouco mais gentil que a maioria das pessoas, um pouco mais sorridente, um pouco mais entusiasmado com os desenhos que ganhavam forma sobre a espuma de seu capuccino.

E ele seria um cliente comum, se não fosse o fato de Jeongguk ter criado um estranho e vergonhoso interesse por cada expressão que ele fazia ao encarar o notebook enquanto trabalhava, sentindo que seu coração caía cada vez mais naquela armadilha preparada para baristas incautos com um tombo por homens que sabiam como brincar com crianças que invadiam seu espaço pessoal, curiosas sobre o que ele estava fazendo, e que no momento seguinte atendiam a uma ligação com um timbre grave e baixo, que não deixava ouvidos curiosos entenderem as palavras que estavam sendo ditas.

— Você está bem? — Hoseok perguntou depois que Taehyung se afastou para a mesa de sempre. O próximo cliente esperava pacientemente para ser atendido, a fila atrás dele crescendo aos poucos a cada vez que a porta abria.

— Estou — respondeu, recompondo-se o que melhor que pôde. — Só precisava de uma pausa...

Hoseok não pareceu satisfeito com a resposta, mas era a melhor que ele obteria e não havia tempo para insistir até que a resposta certa saísse dos lábios de Jeongguk. Assim, ele voltou a colocar no rosto seu melhor sorriso, ouvindo pacientemente o próximo pedido da lista, enquanto Jeongguk observava todas as pequenas notas que levavam até o pedido de Kim Taehyung.

Desde o início, nunca houve um pedido específico de desenho, como algumas pessoas gostavam de fazer. Taehyung pedia apenas um capuccino e com um simples capuccino ele ficaria feliz. Mas Jeongguk sabia que um capuccino sem pedido de desenho específico era uma oportunidade, a qual ele ficou mais que feliz em aproveitar.

No início eram flores. Não havia nada demais em deixar que o leite formasse folhas e pétalas em contraste com o marrom do café, assim como não havia nada demais em deixar que o leite formasse olhos e orelhas e um focinho, formando o rosto de um urso. Do urso, ele passou para alguns desenhos mais abstratos, que não seguiam um conceito predefinido, e então Jeongguk ousou desenhar um coração.

Taehyung parecia sempre encantado com suas criações, tirando fotos de algumas e gerando um mágico senso de orgulho em seu criador, de modo que não deu maior importância ao coração que boiava na superfície do líquido da xícara e que o encarava ameaçadoramente como uma discreta prova de algo maior e mais embaraçoso que aquela vez em que Jeongguk, substituindo Hoseok atrás no caixa, perguntou por seu nome, como se fizesse parte do procedimento padrão - ou pelo menos do procedimento padrão do dia.

Mas isso foi antes, quando Jeongguk não tinha uma lista enorme de outros pedidos se acumulando e pedindo para serem preparados.

Pensando bem, talvez ele não devesse ter tentado desenhar um coração naquela tarde de quarta-feira, já que não era exatamente um desenho com que ele estivesse acostumado, mesmo que Jaemin estivesse ao seu lado, ajudando-o. A ideia, entretanto, não lhe passou pela cabeça no momento, tão preocupado em fazer certo e em fazer rápido, que outros desenhos ficaram esquecidos no fundo de sua mente. Todos eles, embora não fossem mais fáceis que um simples coração, com certeza estavam mais próximos de sua zona de conforto e teriam resultados que, mesmo desastrosos, passariam longe de formar a ofensiva figura que encarou Jeongguk tão logo ele terminou de despejar o leite na xícara.

— Merda! — Jeongguk sibilou, tentando não chamar a atenção de Hoseok, de Jaemin, ou de qualquer outro ser-humano para o fracasso em que havia se transformado aquele coração. — Eu não posso servir isso pra ele!

Seus olhos estavam arregalados em horror e choque, mas logo ele estava dando início à preparação de um segundo capuccino, um em que ele certamente não ousaria desenhar para evitar maiores desastres. Havia sido sua culpa ter sido tão desastrado ao despejar o leite, e ele precisava consertar aquilo.

Jeongguk se movimentou pelo espaço de que dispunha em movimentos ágeis e coreografados pela repetição diária, sem se preocupar em dar um fim à sua pequena vergonhosa falha, deixando-a de lado na esperança de que não fosse vista. Preparar um capuccino simples o mais rápido que podia era sua prioridade ali e, enquanto ele pudesse ser mais rápido que Jaemin, então tudo ficaria bem.

Exceto que esconder aquela atrocidade em forma de capuccino poderia evitar que ele fosse entregue por acidente, Jeongguk percebeu.

Tarde demais.

Seus movimentos rápidos não foram suficientes para superar a velocidade com que a inocência de Jaemin permitia que ele entregasse os pedidos de quem estava esperando, e, enquanto ainda ouvia a máquina de expresso zunindo atrás de si, Jeongguk viu a xícara sendo levada para longe por ninguém menos que Taehyung, com uma figura que lembrava um pênis boiando sobre o líquido quente em direção ao seu destino.

— Merda!

A pressa é inimiga do coração [ jjk + kth • taekook ]Onde histórias criam vida. Descubra agora