Já sentiu o vazio? Não estou dizendo do vazio do mundo sensível, afinal até o que está vazio está cheio de algo. Estou falando do vazio que só se alcança no mundo das ideias. Calma, não vá embora! Não é um texto de filosofia, embora eu curta pensar que sou culta e talvez erudita. Quem eu quero enganar?
Bom, onde eu estava mesmo? Ah!
O vazio!
Sabe quando você está sozinho e coloca aquela música no fone de ouvido e tudo para? A batida da música sincroniza com a do seu coração, a brisa que entra pela fresta da janela mesmo pequena mexe seus cabelos de tão leve que você fica, de tão (des)preenchido que você está. Seus órgãos internos derretem e misturam em si, como uma gelatina, pois seus ossos não existem mais. Esse é o vazio.
Por muito tempo eu achei que o vazio fosse um problema, que eu precisava preenchê-lo.
Era a minha meta de vida, falando agora eu percebi que a minha vontade de preencher o vazio me preenchia. Mas esse não é o ponto.
Eu achava que precisava ser o que eu não era pra preencher o vazio que meu rastro deixava nas coisas. Eu era sem face, meu rosto também era vazio. Eu olhava no espelho, e nada. Eu não via nada.
Por muito tempo eu me colocava dentro da caixa tentando sair da caixa, achava que se eu fosse diferente as pessoas gostariam de mim. Mas elas também não me veem. Não é que eu não me via sem face, eu não tinha face. Eu era um borrão, um vulto. Que passava e as pessoas sentiam a brisa congelante que o vazio deixa.
Por muito tempo achava que deveria mudar isso,
Eu coloquei uma máscara em meu rosto para que assim talvez as pessoas me vissem, mas ninguém liga. Aquela máscara de um tamanho menor que o meu, apertava meu rosto e o moldava ao formato dela, mas eu não reclamava, pois assim eu poderia ser vista.
Mas nada mudou.
Por muito tempo eu enfiava violentamente tudo goela abaixo, pensando que um dia aquilo iria me preencher.
Por muito tempo eu tentava com todas as células vazias do meu corpo, oferecer algo para que as pessoas me vissem, e então, eu as engolia também. Calma, eu não sou canibal ou algo do tipo! Eu apenas as sugava como um buraco negro, tentando absorver algo que me preenchesse. Mas as pessoas não são boas, eu só absorvia o ódio, a ganância, hipocrisia e dor. Eu não era a única que sofria nesse mundo. Algumas pessoas eu sugava e eram vazias, igual a mim. Uma casca, uma tabula rasa, vivendo no piloto automático e esperando uma gota de esperança para que as preenchesse.
Absorver todo o ódio que as pessoas sentiam me consumiu, mais e mais, e então meus órgãos gelatinosos derretiam em si. Eu não era mais nada além de uma sombra.
Minha voz, não existia, tentava me comunicar mas só saiam grunhidos e gemidos que manifestavam minha dor,
eu gritava, gritava, COMO EU GRITAVA.
Mas ninguém me ouvia
Ninguém me via
O resto do mundo estava cego e surdo.
Acho que com a perda da minha voz, outros sentidos se aguçaram.
Agora eu sentia tudo.
Os fios que formam meu casado e que estão se entrelaçando, tão minimamente separados que parecem um só.
A madeira da minha mesa tão rígida e forte como meus ossos costumavam ser, uma lasca que não foi bem serrada entra por entre minha unha e carne, mas não dói.
Eu sentia tudo, sabe?
Até o que não da pra sentir com o simples tato
E mesmo assim eu não sentia a dor de uma lasca de madeira fincada em minha pele.
Antigamente eu gritaria, tentaria tirar aquilo, mas eu simplesmente não me incomodava mais, simplesmente não ligava.
Por muito tempo eu achava que sendo outra pessoa e outra coisa eu seria vista
Mas foi sendo eu mesma que eu me achei.
Eu não sabia quem eu era
Não há como alguém me ver se eu mesma não me via.
Não existe rosto para alguém que não acredita que tem rosto.
Então eu forcei, até que vomitei todas as coisas que tinha absorvido, todo ódio, ganancia, tudo o que eu achei que me preencheria mas só me fez mal.
Tudo que acontece fica dentro de nós, mesmo que não lembremos.
Eu era alguém
Um dia eu fui
Mas eu não lembrava
Eu não sabia meu nome.
Eu fui tão cercada do medo do vazio que me tornei um e me esqueci de quem eu era.
A minha nova jornada era saber meu nome
Saber quem eu sou
E não olhar pra traz.
Se eu consegui?
Bom, se você consegue me ouvir agora, talvez tenha funcionado.
Mas eu não me importo mais
Hoje eu desfruto o vazio.
Cada parte dele
O vazio inexprimível ao ouvir uma música nos fones de ouvido
O vazio de um banho silencioso e quente em que o vapor cria uma neblina que preenche todo o ambiente e só sobre o vazio.
O vazio entre uma palma e a outra.
Simplesmente sinto
Não sou mais ele.
~ seja você, diga-me seu nome