Evil Like Me

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Evil Like Me

Evie

9/10 anos

As manhãs eram sempre silenciosas na Ilha dos Perdidos. Era a "noite" do lugar. Ninguém do lado de fora. Nada de comércio. Nada de brigas, torturas ou punições. Nada de gangues. Nada de grandes ou pequenos vilões amantes da noite e madrugada. Nada dos covardes que preferiam a claridade para sair. O período das 7h00min até por volta do meio-dia era de uma paz mórbida.

E era essa paz mórbida que preenchia por inteiro o quarto delicado e infantil da princesa má, como era chamada a filha da rainha-bruxa que enfeitiçara uma maçã. Todo em tons claros, com uma supremacia em branco, provavelmente para dar um ar infantil e angelical. As paredes eram revestidas por um papel de parede em tons suavíssimos de rosa em aquarela, o desenho meigo de galhos de macieiras em flor pintados à mão, e os móveis retrô todos num branco brilhante, envernizado com puxadores num metal dourado assim como a cabeceira e os pés da cama, contorcidos num desenho bonito.

Um ambiente em essência muito formoso, muito arrumado apesar de muitos materiais ali serem reciclados, readaptados para funcionarem num quarto infantil.

Ali, Evie dormia.

A cada dia que passava a criança estava mais e mais inserida na gangue, agora, seleta de Mal; mais e mais adepta à noite. Dormia cada vez mais tarde e se esgotava quando acordada. E ela gostava. Da noite, do grupo. Davam a ela a sensação de liberdade, a sensação de proteção.

Evie dormia pesadamente.

Não tinha sonhos. Era somente o esgotamento pesado do corpo e da mente que a levaram a apagar assim que caiu na cama. Um sono pesado o suficiente para não ouvir os passos indiscretos da rainha que se aproximava.

O despertar veio bruto tal qual o aperto em seu braço; as unhas adentrando na carne o suficiente para causar irritação na pele fina e delicada de criança. Sem tempo para se situar, Evie lutava para conseguir acompanhar a mãe que a arrastava, de costas, pela casa fazendo pouco caso dos esporádicos gemidos baixos da menina que escorregava pelo assoalho vez ou outra, ainda mole de sono, ainda confusa em sua realidade. Bateu o cotovelo numa parede, e dobrou o dedinho do pé numa posição esquisita antes da mãe atirá-la contra um espelho grande.

Evie atingiu a superfície gelada e, desprovida de preparo, de controle, derrubou-a sobre si mesma. O som da quebra do vidro sobre sua cabeça, do espalhar dos estilhaços pelo chão em nada abalou a postura da Rainha.

De joelhos no chão, a menina tinha os olhos bem fechados e ainda tentava se proteger com os braços sobre a cabeça, como se esperasse por mais. Aos poucos foi relaxando, notando o silêncio crescente; sabia que a mãe a aguardava, sabia que exigia atenção e todo segundo desperdiçado de olhos fechados seria usado contra ela.

Seus cílios tremularem com dificuldade por conta de inúmeras remelas, e ainda com o olhar voltado no chão achou facilmente a barra da longa camisola junto ao longo robe daquela que sempre seria a mais bela de todas entre as vilãs. Abaixou os bracinhos devagar e ergueu os olhos lentamente para a mãe.

-O que eu fiz de errado? – perguntou baixinho, sem conseguir se conter. Aparentemente, aquilo foi um erro. Mesmo cansada, a menina sentiu uma tensão crescente no ar sinalizando perigo.

A Rainha, com toda graça e majestade, abaixou-se devagar até estar na altura dos olhos da filha. Os olhos ainda embasados de sono, encheram-se de uma admiração beirando a inveja: a mãe era perfeita mesmo naquele mundo inóspito. Sua tez clara e suave, os traços marcantes como o nariz arrebitado, as maçãs do rosto bem definidas, os lábios tão bem desenhados, nem finos, nem grossos... Os olhos cheios de veneno emoldurados por arqueadas sobrancelhas foram o que trouxeram a menina a um estado de lucidez.

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