Casa Confusa

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Mirella voltava da escola em um dia qualquer, contudo, em sua rua havia uma casa muito estranha ao qual ela sempre passava na frente quando retornava. E todas as vezes o local parecia estar diferente. Ora aparentava novo em folha, ora velho e acabado. Ela sabia que aquele lugar tinha sido reformado recentemente, então o fato de vez ou outra a casa parecer escombros era um tanto assustador. E para piorar esse fato, todos os seus amigos e até mesmo sua mãe pareciam alheios a isso. Já que nunca demonstravam espanto ao ver tudo mudando de aparência.

Mas ela não se importava muito com as coisas a sua volta, tampouco prestava total atenção. Era distraída e gostava mesmo era de sair por aí brincando em seus patins, deslizando pelas ruas, dando risada com seus amigos e sentindo o vento fresco varrer seus cabelos na descida insana que havia próximo a sua casa.

Naquele dia, ela carregava sua mochila e usava seu costumeiro uniforme escolar. Nos ombros, vinha trazendo o patins para andar mais tarde. Havia sido o último dia de aula e Mirella estava empolgada para dar um início imediato às suas férias.

Passando pela frente da casa confusa - como ela mentalmente chamava o bizarro local - viu um de seus amigos atrás do muro. Dava para ver somente a cabeça.

Ela gritou por ele, mas ele pareceu não ouvi-la. E se abaixou logo em seguida, o que fez com que sua cabeça sumisse.

Geralmente ela não passava nessa calçada, atravessava para não ter que passar rente a casa confusa. Mas naquele dia a visão de seu amigo a fez um tanto curiosa.

O que ele estava fazendo lá dentro?

Pé ante pé Mirella se aproximou, infelizmente a casa estava no dia ruim e isso a fazia sentir arrepios na espinha e um leve tremor nas mãos, além de franzir o cenho para o péssimo cheiro que vinha dali.

"É bom eu avisar o Davi que essa casa não presta" – a solidária criança pensou.

Chamou o nome do garoto algumas vezes pelo portão da frente que ficava logo após o muro e nada aconteceu. Criando coragem arrastou uma parte da grade, fazendo com que o ranger do metal a assustasse um pouco.

— Davi! – gritou, já do lado de dentro.

— Oi.

Mirella deu um salto!

O garoto apareceu junto a ela como se tivesse surgido do nada. Ela praguejou palavras que não deveria usar naquela idade e levou uma das mãos ao coração.

— Que susto, menino!

— O que você está fazendo aqui? Como me viu?

— Ué, vi sua cabeça pelo muro quando passava lá fora. Até te chamei, mas você não ouviu – ela deu de ombros.

— É... – Davi olhou para o chão, desconcertado — é que daqui onde estou não consigo ouvir o que falam de lá. Só quando entram aqui e eu não quero que ninguém entre.

— Por que você não foi à escola esses dias? Nem viu suas notas finais e não se despediu de ninguém? Pensei que já estivesse de férias adiantadas.

— Estão procurando por mim? – ele pareceu tenso nessa hora, nervoso.

— Como assim? Eu não sei, não prestei muita atenção. Estava focada em terminar essa semana para entrar de férias. Mas agora que você falou... acho que vi sua mãe na escola algumas vezes... – Mirella tentava puxar da memória as cenas, mas era tão distraída...

— Você precisa voltar e avisar minha mãe que estou aqui. Estou preso aqui.

— Que isso, amigo, não está preso não – ela riu — O portão está aberto, vem.

Saiu puxando o garoto pelas mãos que assim que passou pelo portão, sumiu como vapor. Mirella olhou boquiaberta ao redor e entrou de novo na casa, encontrando-o ali. O rosto triste.

— Eu não posso sair.

— O que foi isso?! Como fez isso?! E... e por que não pode sair?

— Vem, eu vou te mostrar.

Davi pegou na mão de Mirella e a levou até a lateral da velha casa onde havia um canteiro de flores bem grande e robusto. Recheado de plantas.

— Olha, estou ali.

— Como assim ali? Você está bem na minha frente.

— Tem que olhar entre os arbustos – o garoto apontou para o canteiro.

Com um estalar de boca sem paciência Mirella foi até lá e se embrenhou no meio das folhagens. Foi quando viu o que o garoto queria lhe mostrar.

Havia pernas e à proporção que seus olhos seguiam mais adiante viu um corpo estendido. Era Davi, usando a mesma roupa que ela tinha acabado de vê-lo, apodrecido em meio às folhagens e terra escura. E o mau cheiro que havia sentido anteriormente vinha dele.

Ela saiu correndo sem ver mais nada a sua frente. Gritou e correu. Correu e gritou até chegar a sua casa. Contou em atropelos o que havia visto para sua mãe que a princípio não acreditou muito. Mas devido ao fato de que o menino Davi Silveira estava desaparecido e o estado de pânico em que sua filha se encontrava, achou por bem averiguar isso e avisar a mãe do garoto.

. . .

Ficou-se sabendo posteriormente que de fato o corpo do menino foi encontrado no exato local que Mirella relatou. E de acordo com as investigações, uma câmera na rua flagrou o momento em que ele caiu tentando pular o muro e possivelmente batendo a cabeça no chão. Além disso, o que ninguém entendeu, foi o porquê dele não ter saído de lá quando recobrou a consciência. Nem entendiam o motivo dele ter se arrastado de onde caíra até jazer debaixo dos arbustos, como se estivesse se escondendo de algo ou alguém. Descobriu-se que ele havia se arrastado devido ao rastro de sangue deixado - que distraída como sempre - Mirella sequer havia reparado.

Disseram ainda, que próximo a uma de suas mãos havia um saco cheio de doces. E talvez, esse tenha sido o motivo dele ter tido o ímpeto de pular o muro.

Pelo menos foi isso que Mirella viu na televisão. O que quer que tenha tirado a vida do menino era ainda uma incógnita.

A última vez que ela teve coragem de olhar na direção da casa, enquanto voltava de mais uma decida de patins, a notou novamente puída - o que Mirella já entendia não ser boa coisa - e na porta de entrada, na soleira da porta, um homem grande e horrível sorria-lhe, com doces na mão, como se lhe oferecesse. Ela então apertou o passo e nunca mais olhou na direção daquele lugar.

Mirella deixou de ser distraída depois daquele dia, passou a prestar atenção a sua volta. E depois da morte do amigo e do encontro com seu fantasma, a infância não parecia mais tão mágica. O Halloween também nunca mais foi o mesmo, pois ver as sacolas de doces na mão das pessoas lhe causava pânico. As historinhas de terror ganharam outro significado.

E para ela, até mesmo o Natal havia perdido sua magia.

A verdade era que a vida poderia ser muito, muito triste e assustadora, mesmo em tão tenra idade. Pobre criança.


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⏰ Última atualização: Oct 28, 2021 ⏰

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