PRÓLOGO

265 17 5
                                    


Ela estava correndo porque sua vida dependia disso. Seu coração batendo na garganta. Seus músculos protestando cada vez que seu pé descalço tocava a terra molhada. O vestido de Francesca já estava encharcado e destruído pela lama que espirrava toda vez que seus pés tocavam o solo. Seu corpo pedia um tempo, mas ela era incapaz de desistir agora. Não queria morrer. Não hoje. Ainda não. Não estava pronta.

Passou a vida toda na sarjeta. Como um rato no esgoto desta cidade pútrida. A cidade que nunca lhe acolheu, que lhe acusou de bruxaria por carregar uma marca na pele, com a qual já nascera e não tivera nenhum poder de escolha sobre. Foi amaldiçoada pelos deuses ou pelo deus daquela cidadela muito antes de ao menos saber falar. Em seu primeiro choro, sua própria família lhe deixou no relento, ainda bebê.

Amaldiçoada pelo deus da fortuna.

Marcada para morrer.

A floresta começou a se abrir mais, as árvores ficando mais espaçadas e o caminho mais largo. Ao longe, era possível escutar o rio Arno correr com força devido a tempestade que caía como se para lavar seu corpo para o momento final. Um trovão rugiu ao longe, mas Francesca poderia jurar senti-lo sob os pés. Uma celebração da vitória do deus que a marcou —sua sentença de morte.

De vez em quando a menina se permitia olhar para trás, mesmo consumida pelo medo, para se certificar de que ele ainda não a tinha alcançado. Prometeram protegê-la, mas a verdade era que ninguém era páreo para aquele homem. Por isso, agora estava sozinha, em meio a uma tempestade, buscando refúgio na floresta amaldiçoada de Florença. As árvores se movimentavam impetuosamente, as folhas pareciam sussurrar seu nome e todos os animais se esconderam para não verem o que aconteceria em seguida.

Se Francesca tivesse ouvido mais a Guardiã, saberia que este não era o melhor lugar para se esconder. Os espíritos do mal rondavam esta floresta desde quando perseguiram as primeiras bruxas e as queimaram para extinguir o mal que supostamente espalhavam. E Freya bem que tentou avisar que ele viria atrás dela. Ela falou que deveria fugir do convento que lhe acolheu e continuar fugindo pelo resto da vida. Se tivesse escutado a mulher de cabelos dourados e roupas pretas que parecia estar em um luto eterno, talvez as irmãs do convento que cuidaram dela estariam vivas.

E se Francesca soubesse melhor, não estaria correndo em direção ao rio, onde não haveria onde se esconder. Mas era jovem demais. Despreparada demais. Apenas uma criança. Era como se tudo à sua volta conspirasse a favor do homem que prometera caçá-la e matá-la.

A lama ficou mais espessa e logo a garota avistou as águas frias de outono do rio Arno. No fundo, sabia que ali restava seu fim. Com uma última olhada para trás, Francesca o viu. Glorioso. Intocado. Como se pudesse ser imune à chuva e à lama. Era como um deus, só que a trabalho do mal.

Lúcifer em pessoa.

A menina tropeçou nos próprios pés, assinando seu breve destino ao cair na terra cheia de pedrinhas que levava à margem do rio. As pedras cortaram suas mãos e pernas e ela grunhiu de dor.

Não importava se não estava pronta para morrer, porque era isto que o destino havia escrito para aquela noite.

—Por favor, Francesca, fique sobre seus pés. —a voz do homem era fria, contida e cheia de frivolidade. Ele era tão indiferente quanto alguém poderia ser, porque a vida de Francesca não significa absolutamente nada a ele. —Não quero precisar me curvar para cortar sua garganta.

A menina tremeu. Seu coração parecia querer sair pela boca, e ela se pegou implorando para que ele parasse de funcionar de vez e a poupasse de uma morte nas mãos do homem que, agora, estava parado à sua frente.

ESCOLHIDA PELO DESTINOOnde histórias criam vida. Descubra agora