A família de Edward

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Saí um pouco mais cedo que o de costume. Andei um pouco mais devagar para aproveitar melhor a caminhada. O dia estava nublado como sempre, mas possuía um ar mais agradável. Quando cheguei ao lugar do nosso encontro, eu me sentei sobre o tronco que sempre usávamos como banco e fiquei olhando a paisagem enquanto esperava.
Ela era uma garota estranha, mas eu também não era uma pessoa exatamente normal. Desde que me tornei quem sou, nunca tive alguém com quem conversar descontraidamente. Claro, minha família estava lá para mim, mas nunca senti que era algo real. Somos apenas um bando de vampiros que não aceitam o que são e ficam brincando de casinha enquanto tentam fugir de seus instintos.
Olhei para o lado, para seu rosto, e senti como se meu coração voltasse a bater depois de tantas décadas parado. Ela era linda, maravilhosa. Nunca pensei que poderia gostar alguém depois que me transformei, mas lá estava ela, sorrindo para mim.
- Quando vou poder conhecer sua família? – Ela perguntou.
Na hora, meus devaneios se desfizeram.
- Logo – Falei, mas não queria que fosse logo.
- Vai ficar me enrolando por quanto tempo?
- Tanto quanto eu puder.
- Sabe que eu posso seguir você até a sua casa, não sabe?
- Eu corro mais que você.
- E vai me deixar sozinha na floresta? Duvido.
Sorri, desarmado. Ela estava certa.
- Prometo que um dia levo você até lá, mas eles precisam de um tempo para se acostumarem com a ideia.
- A ideia de que você está namorando uma humana?
- Oh, e estamos namorando? Eu não sabia disso.
- Só porque você não pediu formalmente não quer dizer que não estejamos. Pelo menos foi o que pensei, mas parece que eu estava enganada e você não gosta tanto assim de mim.
Golpe baixo. Ela se levantou, simulou uma expressão de tristeza e fez menção de ir embora. Suspirei, levantei e a abracei.
- Quer namorar comigo? – Indaguei em um sorriso ofuscado pelo constrangimento.
Ela riu, virou e me abraçou.
- Depende. O que você sente por mim, Edward?
- Estou apaixonado por você.
- Você me ama?
- É claro que amo.
- Se você me ama, então por quê?
Algo invadiu meus ouvidos naquele momento. A voz dela passou de doce para grave e distante.
- Se me ama mesmo, por que não me salvou? Por que me deixou morrer? Por que eu estou morta enquanto você continua vivo?
Dei alguns passos para trás, e lágrimas despencariam de meus olhos, se eu as tivesse.
- Eu queria salvá-la... Fiz tudo o que podia – Falei, tentando convencer a mim mesmo disso, mas mesmo falando mil vezes, nunca seria verdade.
- Não fez o bastante. Você me deixou morrer, Edward. Você poderia ter me salvado.
- Não...
- Estou morta porque você me abandonou.
- Não... Não, não, não...
Levei as mãos até o rosto, sentindo como se meu estômago se revirasse. Meu mundo desabou, minha vida perdeu o sentido. Sem ela, eu não era nada, e quanto mais meus olhos a buscavam, mais distante ela parecia estar. Um segundo depois, eu estava sozinho, e sequer sua voz eu ouvia. Solidão era a única coisa no meu mundo, e sombras eram os únicos adornos nesse vazio que eu habitava.
- Edward? – Ouvi a voz de Bella. – Está tudo bem?
Levantei a cabeça e recobrei a consciência.
- Estou.
- Se não fosse feito de neve, diria que parece pálido.
Ela riu, depois voltou a dar atenção para uma marmita que abriu e pegou uma maçã. Bella mordeu a fruta, depois voltou a me olhar como se nada estivesse estranho.
- Eu só estava sonhando acordado – Confessei, desviando o olhar.
- Achei que vampiros não sonhassem.
- Nós não dormimos, é diferente.
- Então estava sonhando com o quê?
- Palitos de chocolate.
- É sério?
- Sim. Não tinha sido criado quando eu era humano, e agora não posso comer. Faz décadas que só posso olhar essa porcaria, mas nunca vou saber como é o sabor.
Ela tirou uma barra de chocolate de dentro da marmita, abriu a embalagem e comeu.
- Essa é a coisa mais triste que já ouvi na vida.
- Estou vendo como você está tocada pela minha dor.
Bella deu de ombros, comendo o resto do chocolate com gosto.
Conversamos durante o almoço dela, e, por Deus, para uma garota tão magra, como comia. Devorou tudo dentro da marmita em instante, e quando estava satisfeita, abriu uma garrafa de café e começou a beber.
- Você come demais – Comentei casualmente, tentando me distrair um pouco das memórias que revivi um instante atrás.
- Está me chamando de gorda? – Ela deu um gole no café.
- Estou falando que você come muito.
- Indelicado. Achei que um senhor de idade como você seria mais delicado com uma dama.
- Quando eu encontrar uma dama, prometo ser mais cavalheiro.
Ela riu com humor, mas eu não consegui sequer fingir um sorriso.
- Minha família quer que eu leve você até eles – Confessei, mas não consegui olhar em seus olhos ao falar.
Ela engoliu em seco, depois respirou fundo para manter a calma.
- E o que eles querem comigo?
- Querem conhecer você e ter certeza que não vai nos entregar.
- A essa altura ainda acham que sou cagueta?
- Se sua família dependesse do sigilo para sobreviver e alguém descobrisse sobre vocês, você confiaria em alguém assim de cara?
- Justo, mas... O que exatamente eles pretendem fazer?
- Alguns de nós são melhores em seus dons que outros. Carlisle é tão velho que viu a lâmpada ser inventada. Ele é experiente o bastante para ver dentro dos olhos de alguém e saber se a pessoa está mentindo.
- Então seu pai é o drácula e quer me testar.
- Quase isso.
- E se ele não gostar de mim?
Ri algo, apesar de estar nervoso. Só mesmo ela para me arrancar um sorriso nessas horas.
- Ele é o vampiro mais gentil que você vai conhecer na vida – Falei.
- Mais que você?
- E eu sou gentil?
- Bom, você é meio atrevido e me espirou enquanto eu trocava de roupa, mas não posso esquecer que você poupou minha vida.
- Tive meus motivos para não conseguir fazer isso.
- E que motivos seriam esses?
Minha mente me atormentou com a memória.
- Um dia você vai saber.

* * *
Dois dias se passaram e finalmente chegou a hora de conhecer a família dele. Eu disse para o Charlie que iria sair com uma amiga e que voltaria tarde, e ele fez questão de que eu levasse o spray de pimenta. Que consolador.
Era quase noite, o que não era nada reconfortante. Sei que ele podia ter me carregado até lá, mas fomos andando, e agradeci por isso. Acho que tanto eu quanto ele queríamos adiar esse momento o máximo possível.
Quando, por fim, chegamos a casa dele, passei a odiar filmes de vampiros clássicos. O estereótipo do vampiro vivendo em um castelo de pedra cercado por um fosso era uma mentira. Ele morava em uma casa normal, mas não o normal, normal, era um normal mansão de ricos. Tudo bem, posso estar exagerando, não era uma mansão, mas toda a arquitetura era linda, com direito a varanda, três andares, garagem para vários carros, tudo de uma pintura madeira-marrom ou um preto bem escuro. Era a casa mais linda que eu já tinha visto na vida.
- No que seu pai trabalha mesmo?
- Ele é médico.
- Um vampiro médico? Está falando sério?
- Como eu disse, Carlisle é bem velho e consegue controlar bem a si mesmo.
Fiquei olhando a casa por mais um tempo antes de perceber que me sentia minúscula. Eu estava prestes a adentrar a toca de um bando de vampiros. Olhei para Edward e lhe ofereci uma expressão de “mamãe, não quero entrar no trem fantasma, vamos em outro brinquedo”.
- Está com medo? – Perguntou, e diferente do que eu imaginava, não soou como sarcasmo.
- Você me deve uma calcinha limpa.
- Vou providenciar.
- Eu vou morrer aqui, não vou?
- Provavelmente.
- Seu babaca.
Ele riu sem humor e deu um passo à frente, indicando para que eu o seguisse. Entramos a casa e nos deparamos com um grupo de pessoas de pele pálida. Duas garotas, dois garotos e um casal adulto. Eram as pessoas mais lindas que já vi na vida, eu ficaria com todos eles.
- Você deve ser a Bella – Disse o homem adulto de cabelo claro e olhos castanhos tão lindos quanto o nascer-do-sol. – Sou Carlisle, pai adotivo do Edward.
- Isabella Swan... – Tentei não parecer muito acanhada, mas sei que falhei miseravelmente.
Estendi a mão para ele por reflexo, e, um segundo depois, eu me arrependi. Ainda assim, ele olhou para meus dedos, sorriu e apertou minha mão.
- Achei que estaria mais assustada – Ele comentou.
- Não se deixe enganar com a minha tranquilidade, por dentro estou berrando de medo.
Ele riu e gesticulou para os outros atrás dele.
- Esta é a nossa família – Ele prosseguiu.
A mulher que parecia mais velha deu um passo à frente e me cumprimentou com um sorriso.
- Eu me chamo Esme Cullen. É um prazer conhecê-la, Bella – Disse ela, mas não se aproximou o bastante para que eu oferecesse um aperto de mão, o que foi o bastante para perceber que o contato físico não era uma boa ideia.
- Para todos os efeitos, ela é minha mãe – Disse Edward, como se quisesse me lembrar de que ele estava ali.
Esme olhou para Edward com aquele tipo de olhar que dizia algo que só eles deviam saber. Pelo que Edward me disse, ela era só alguns anos mais velha que ele, e quando se tem mais de 100 anos, acho que seis ou sete anos não faz tanta diferença. Era uma família de fachada, uma brincadeira para matar o tempo.
- Eu me chamo Alice – Disse uma garota de cabelo curto e olhar alegre, e estendeu a mão para mim.
Por algum motivo que nunca vou entender, a pessoa mais receptiva foi a que me deixou mais nervosa. Eu segurei a mão dela, mas fiquei sem jeito ao falar.
- É um prazer... – Comentei, mas soei tão baixo que não sei nem se ela me ouviu.
- Alice costuma ser assim mesmo – Disse Edward. – Ela ficou animada com a ideia de receber alguém aqui em casa, já que deve estar enjoada de olhar para os mesmos rostos todo dia.
Tentei oferecer um sorriso acolhedor para ela, mas... sabe?
- Tenho certeza que seremos grandes amigas – Prosseguiu Alice.
- Bom, eu espero que sim – Respondi, mas meu pensamento foi o de “se eu for amiga, ela não vai me comer, não é?”.
- Ela costuma ter boa intuição – Disse Edward, dando um passo à frente e olhando para os três outros atrás de Alice. – Se ela diz que nos daremos bem, então vamos nos dar bem.
- Oh, isso foi para mim? Desculpe se não acho uma boa ideia trazer um pedaço de bife para a jaula dos leões – Disse uma loira no fim do grupo.
- Rosalie, já basta – Disse Carlisle, depois me olhou. – Pedimos desculpas por isso, Bella.
- Eu não – Retrucou a loira mal encarada.
- Está tudo bem, eu entendo a situação de vocês – Falei tentando parecer sensata, mas isso não cabia muito em mim, então voltei a ser eu mesma e a encarei com o máximo de coragem que conseguir acumular. – Eu sei que eu não deveria saber sobre vocês, então entendo um Cullen não ir com a minha cara.
- Hale – Ela rebateu.
- O quê?
- Rosalie Hale. Não sou uma Cullen.
- Achei que todos fossem irmãos...
- Pois é, seria estranho ficarmos nos pegando com nossos próprios irmãos.
Olhei para Edward como se pedisse socorro, e ele se colocou entre nós duas e suspirou.
- Formamos casais para que não fiquemos “sozinhos”. É mais fácil viver assim. Rosalie é esposa de Emmet, e Jasper é marido de Alice. Jasper e Rosalie tem sobrenome Hale para ser menos... incestuoso.
Um dos rapazes deu um passo até Rosalie.
- Sou Emmet.
O outro foi até Alice, mas hesitou.
- Jasper.
Edward o olhou com certo cuidado e se aproximou mais de mim.
- Jasper é o mais velho depois de Carlisle, mas é o mais novo membro da família. Ele ainda está aprendendo a controlar seu desejo por... Bem, você sabe.
Sorri pateticamente e assenti com a cabeça, e, um segundo depois, houve um silêncio absurdamente constrangedor no ar. Edward olhou para cada um de seus parentes como se tivesse um elo mental com eles e pudessem conversar por pensamentos, e me senti tão deslocada que quis sair correndo antes de descobrir o que aqueles olhares significavam.
- Bem, acho que podemos ser diretos – Disse Carlisle. – Venha, sente-se.
Ele estendeu a mão em direção a uma poltrona. Eu me sentei e os vi irem para cadeiras e para o sofá mais distante, provavelmente colocados longe para manter distância durante a conversa. Apenas Edward se sentou perto de mim.
Eu me senti em um tribunal, e os juris iriam decidir se eu iria ou não ser executada.
- Carlisle – Disse Edward, e soou como se implorasse por algo.
- Primeiro quero deixar bem claro uma coisa – Disse ele, e seu tom foi autoritário, mas ao mesmo tempo suave. – Se você estiver protegendo-a pelos motivos que estou pensando, melhor desistir.
- Você sabe o motivo, e não tem nada a ver com ela – Retrucou meu advogado.
- Não podemos confiar nela – Disse Rosalie.
- Ainda assim temos que ter cuidado com nossas ações – Retrucou Emmet.
Rosalie o olhou como se falasse “você deveria estar do meu lado”, mas não nada disse em voz alta.
- Ela é uma moça bonita e parece ser uma boa pessoa. Talvez pudéssemos... – Disse Esme, mas foi interrompida.
- Não, sabe que é impossível, mesmo se ela consentisse – Soou Carlisle.
- Ela está com medo agora, mas está se segurando – Disse Jasper. – Ou ela realmente está sendo sincera quando diz que não quer nos entregar, ou está nos espionando – E então se virou para Edward. – Você esteve vigiando ela. E então?
- Os Black tentaram mantê-la longe, mas não disseram nada a ela. Parecem não ter certeza se ela sabe ou não, e, nas últimas semanas, ela não tem falado com ninguém. É bem improvável que ela esteja tramando algo.
- Improvável não é impossível – Soou Rosalie.
- Eu apoio o Edward, ela não é uma ameaça – Alice comentou e foi até Edward, como se quisesse ilustrar que estava do nosso lado.
- Desculpe, Alice, mas não vou ficar do seu lado desta vez – Disse Jasper.
- Eu respeito isso, mas também não vou ceder.
Jasper foi para o lado de Rosalie, e pelo que pude ver, era uma votação.
- Concordo com Jasper – Disse Emmet, se juntando ao grupinho “morte à Bella”. - Não temos motivos para confiar nela, e aquele cara não vai poder nos culpar, é legítima defesa. Ele consentiu com essa regra;
3x2.
- Me desculpem, mas eu quero manter as coisas o mais pacíficas possível – Comentou Esme, vindo até nós. – Fazer qualquer coisa contra ela só iria piorar a situação.
3x3.
Era hora do desempate, e Carlisle era o último a votar.
- Temos o direito, mas não sei se devemos – Comentou ele. – Poderíamos começar uma guerra, mas, por outro lado, poderíamos simplesmente fugir. Eles não nos revelariam apenas para nos caçar, ou então poderiam perder o apoio do Black, a maior arma que eles têm contra nós.
Ele juntou as mãos à altura do queixo e apoiou os cotovelos sobre as pernas. Era a pose clássica de um pensador, mas eu temia não gostar muito da decisão dele.
- Eu posso falar uma coisa? – Indaguei.
- Fale, não é nossa prisioneira, está livre para se defender – Senti caridade na voz de Carlisle.
- Eu não vou contar a ninguém – Comentei, e Rosalie riu alto.
- Então tudo está resolvido – Caçoou ela. – Achei que ia ser difícil tomar esta decisão, mas foi bem fácil. Ela não vai contar a ninguém, simples assim.
Respirei fundo, levantei e tentei soar o mais séria possível.
- Sabe, loirinha, eu realmente estou cagando para o que você acha. Se eu quisesse revelar vocês, já teria revelado. Se eu fosse uma espiã, teria deixado informações e arquivos prontos para serem divulgados se eu morresse aqui hoje. Não entendo metade do que vocês estão falando, não sei o que diabos os Black tem a ver, não sei quem são “eles” e que regras são essas. Para começo de conversa, a culpa de tudo isso é de vocês. Eu jamais saberia de nada se vocês não tivessem mandado o Edward me vigiar. Vocês que ficaram se borrando de medo e se aproximaram de mim, eu queria mesmo era manter distância, mas quando se tem um maluco psicopata me vigiando no meu próprio quarto toda noite, realmente fico querendo saber o que diabos está acontecendo. Vocês que me trouxeram aqui, eu não queria vir. Vocês que estão falando dessas coisas na minha frente, e depois vão decidir me matar com a desculpa de que “ela sabe demais”. Eu só sei porque vocês estão falando.
Rosalie me encarou, Carlisle me encarou, Esme me encarou, Emmet me encarou, Alice me encarou, Jasper me encarou, Edward me encarou. Devo ter falado demais
- Culpa nossa, hein? – Soou Carlisle. – Então o que acha que devemos fazer agora?
- Se eu pudesse escolher, acho que me pouparia.
Ele se levantou e andou até mim enquanto ria sem humor. Cada passo que dava em minha direção era como se ouvisse o badalar de um sino, e quando a última badalada soasse, meu caixão seria fechado e jogado dentro de um buraco sem fundo. Carlisle parou bem na minha frente, olhando no fundo dos meus olhos, e todos ao redor pareceram nervosos, mesmo os que estavam contra mim.
- Está com fome? É hora do jantar – Disse ele.
Meu coração disparou.
- Depois desse discurso que dei, eu ainda vou morrer assim? – Tentei parecer bem humorada, mas por dentro estava segurando as lágrimas.
Carlisle riu alta, desta vez realmente com simpatia. Ele deu as costas e gesticulou para que eu o seguisse.
- Você nos deu motivo para usar a cozinha pela primeira vez. Fizemos comida italiana, seria uma pena se você não comesse nada.
Meu corpo relaxou tanto que achei que minha bexiga fosse despejar tudo e que eu me mijasse ali mesmo. Um segundo depois, Rosalie bufou e saiu em direção ao que parecia se a cozinha. Emmet a seguiu, Jasper foi logo atrás, mas Esme e Alice vieram até mim.
- É, parece que realmente teremos tempo para nos conhecermos – Disse Alice, e seu olhar parecia realmente contente.
- Deus... Que saudade da minha vida chata e sem graça - Confessei.
Alice sorriu e seguiu para a cozinha.
- É melhor vir antes de a comida esfriar – Disse Esme, antes de sair.
- Parabéns, Bella, tem a aprovação do Carlisle para continuar viva – Disse Edward, e esse escroto do caralho falou em tom de piada.
- Sorte a minha.
Andei até a cozinha ao lado de Edward e encontrei todos sentados. Havia um verdadeiro banquete lá, mas só um prato à mesa. Vampiros não comiam, então imaginei que eles não cozinhassem, também.
Eu me sentei em uma das extremidades da mesa e fiquei tão encolhida quanto uma tartaruga assustada, mas fui obrigada a ser mais extrovertida quando reparei que eles me olharam esperando que eu comesse.
- Deixe-me servi-la – Disse Esme.
- Ah, obrigada.
Ela me serviu uma porção de meu-Deus-eu-não-faço-a-menor-ideia-do-que-é-isso com macarrão ao molho e uma taça de vinho branco. Acho que por “Bella” ser um nome italiano, eles achavam que eu tinha alguma ligação com comida italiana. Bom, acho que eles não se lembraram que “Bella” era diminutivo para Isabella, um nome muito mais popular na Espanha, Portugal, França e Inglaterra, principalmente por ter sido bastante usado na realeza antigamente, mas achei melhor não comentar nada.
- É muito gentileza vocês cozinharem para mim – Comentei, tomando coragem para provar a comida.
- Temos bastante tempo livre e uma cozinha que nós nunca usamos, foi divertido procurar tutoriais de cozinha pela primeira vez. Nos fez sentir mais normais – Disse Alice.
- Bom, me avisem da próxima vez para que eu possa ajudar também – Falei e tentei rir, mas minha boca ficou meio torta.
- Mamãe, a visita está falando mal da sua comida – Caçoou Rosalie, com a mão apoiada ao queixo como uma criança entediada.
- Eu não quis dizer isso...
- Bom, já basta de provocações – Declarou Carlisle. – Bella, por favor, apenas ignore-a.
- Com todo prazer.
Respondi por reflexo e só um segundo depois percebi o que havia dito. Olhei para Rosalie, que me assassinou com os olhos, mas o restante dos que estavam na mesa riam. Eu me permiti soltar um sorriso de desconforto por um segundo e provei daquela coisa que eles fizeram para mim.
Foi a coisa mais deliciosa que provei em anos.
- Isso está ótimo... – Comentei, provando mais uma garfada.
Esme e Carlisle sorriram com orgulho, Alice e Jasper me ofereceram uma expressão de satisfação e Rosalie quis arrancar meus olhos com os dentes.
- Ficamos felizes por ter gostado – Comentou Esme, e senti nela uma ternura e um carinho que só uma mãe teria.
- Passamos um dia inteiro treinando a receita e ficamos a tarde toda preparando. Se você não gostasse, eu mesma te chutaria daqui – Praguejou Rosalie, e sempre que ela abria a boca, eu sentia mais vontade de testar a lenda de que água benta queimava a pele dos vampiros.
- Bom, acho que tempo você tem de sonha, senhora – Caçoei, provando mais uma garfada.
Ela puxou uma metralhadora das pupilas e me fuzilou com o olhar. Esme escondeu uma risada. Acho que pisei em um calo. Quem diria que vampiros ficariam inseguros com sua idade?
- É bem humorada, Bella – Comentou Esme. – Confesso que achei que iria ser bem mais fechada que isso.
- Ah, não se engane, estou apenas me escondendo atrás do humor porque me sinto impotente e assustada.
Emmet riu, e acho que Rosalie chutou a canela dele por baixo da mesa.
- Mais um pouco? – Alice perguntou, estendendo uma tigela para mim.
- Sim, obrigada.
Eu me empanturrei o máximo que pude, pois cada prato que me serviram era melhor que o anterior. Conseguir trocar algumas palavras e um pouco depois eles estavam conversando normalmente entre si como se eu não estivesse ali. Foi menos dramático que eu esperava, mas confesso que fiquei desconfortável com tantos olhares. Ou eles ficavam de olho em mim por não poderem comer e apreciarem ver alguém comendo, ou então eu era realmente um pedaço de bife no meio de um bando de leões. Rezei para que fosse a primeira coisa.
Eu tinha engordado alguns quilos e ficado um pouco menos sóbria quando decidi soltar o garfo e a taça. Não me lembro de já ter comido tão bem, e tenho certeza que eu precisaria de muito exercício para continuar a ser a magricela de sempre.
- Eu acho que vou explodir – Comentei, e acho que a bebida estava me ajudando a me soltar. – Eu nunca comi tão bem na vida. Muito obrigado pela refeição, se estavam tentando me engordar para me comer depois, fizeram um ótimo trabalho.
Todos riram, até Rosalie, mas ela em especial virou o rosto e disfarçou.
- Já está satisfeita? – Edward indagou.
- Sim, pelo menos pelos próximos três dias.
Ele deu um sorriso torto. Olhei dele para os outros e fiquei sem entender.
- Eu disse alguma coisa errada? – Questionei.
- Ele está desapontado porque você não vai provar da sobremesa que ele insistiu tanto em fazer para você – Disse Rosalie, sem muito rodeio.
Olhei para Edward e vi seu rosto com uma expressão de desconforto.
- Acho que ainda tenho um espacinho... – Murmurei.
Ele sorriu de novo, mais sem jeito ainda.
- Não precisa se forçar assim, está tudo bem.
- Ah, mas eu realmente estou com apetite renovado depois de saber disso.
Ele desviou o olhar, suspirou e levantou a tampa da última bandeja sobre a mesa. Filho da puta.
- Bolo de frutas... – Comentei.
- Achei que fosse gostar.
Olhei para o bolo, depois para ele.
- Como sabe que é o meu preferido?
- Foi um chute. Você pede isso toda quinta no café da Cora – Ele nem tentou disfarçar.
- Rosalie – Chamei.
- Hum? – Ela murmurou.
- Você parece a irmã agressiva da família. Por favor, dê uma surra nesse stalker depois.
Ela riu, Emmet riu, Alice riu, Jasper riu, Esme riu, Carlisle riu. Todos riram, menos Edward, que ficou constrangido demais para levantar a cabeça.

* * *
- Agradeço muito por me receberem esta noite, e agradeço mais ainda pelo jantar. Estava ótimo – Comentei, sorridente.
- Está convidada para voltar sempre que quiser – Carlisle respondeu. – É o mínimo que podemos fazer por ter sido tão sincera e guardar nosso segredo.
- Que maneira melhor de manter as boas relações que com comida, não é mesmo? – Brinquei.
Alice me abraçou, o que me pegou de surpresa.
- Estou tão feliz que tudo acabou bem – Disse ela. – Espero que possa voltar mais vezes. Vai ser bom ter alguém novo para conversar.
- Espero que não se canse de mim, Alice.
Ela riu, e seu sorriso foi tão lindo que meu lado lésbico oculto quase tomou conta e me fez beijá-la.
- Você é tão desagradável quanto achei que seria, mas pelo menos tem senso de humor e não fica perguntando coisas idiotas estereotipadas sobre vampiros – Disse Rosalie. 
- Não preciso perguntar, Rosa, basta olhar para você para saber que o estereótipo do vampiro arrogante, frio e que empala qualquer um de quem você não gosta.
Ela riu com desgosto, mas no fundo achou graça.
- Vou preparar uma boa estaca para você, sua vaca – Retrucou, mas soou com mais humor que como uma ameaça.
No fim, não foi tão ruim quanto eu pensava. Eles eram gentis, ou pelo menos bem controlados. De qualquer jeito, eu não seria morta ali, então saí ganhando.
- Bella, como vai voltar para casa? – Esme perguntou.
- Deixei meu carro estacionado perto da estrada mais próxima.
- Está bem para dirigir? Você bebeu bastante.
Olhei para minha mão direita e vi 15 dedos nela.
- Estou perfeitamente sóbria, mas obrigada pela preocupação.
- Edward, é melhor você acompanhá-la até em casa. Ela não deveria dirigir nessas condições.
Assenti, pois realmente não tinha forças para discutir aquilo.

* * *
Devo ter cochilado no caminho, pois, quando percebi, eu já estava chegando em casa. Olhei para o lado e vi que Edward estava ao volante. Onde ele aprendeu a dirigir?
- Eu acho que comi demais... – Comentei.
- Desculpe o exagero, minha família queria muito te agradar. É melhor que você goste de nós que tenha medo.
- Aquele julgamento foi um teatrinho para me fazer sentir que não vão me matar?
- Bom, a Rosalie realmente queria sua cabeça em uma badeja.
- Eu também amo ela.
Ele riu e parou o carro.
- Chegamos.
- Obrigado por me trazer.
- Obrigado por confiar em mim.
- E eu tive outra escolha?
- É, tem razão.
Ele me ofereceu um último sorriso antes de sair do carro e desaparecer. Tirei a chave da ignição e guardei. Saí do carro, espreguicei-me e me arrastei até dentro de casa.
Meu pai estava limpando uma espingarda e voltou toda sua atenção para mim quando me viu.
- Bella, precisamos conversar.
- Agora não, pai, eu estou estufada de tanto comer. Eu só quero dormir. Amanhã conversamos sobre isso.
- Você estava com os Cullen, não estava?
E todo o sono desgrudou do meu corpo. Olhei para ele com olhos trêmulos. Como ele sabia? Ou melhor, ele conhecia os Cullen?

Karma Konserta: CrepúsculoOnde histórias criam vida. Descubra agora