Rebecca
DIAS DE HOJE - 8 anos depois
É realmente muito difícil lembrar do pior dia da minha vida, mas pior mesmo é falar sobre ele. Já faz 8 anos. Oito longos anos desde que eu perdi uma parte de mim.
Nós crescemos juntos. Brincávamos juntos, aprendíamos coisas juntos. Ele me ajudava com matemática e eu o ajudava com história. Ele tocava violão enquanto eu dançava. Ele ficou comigo quando perdemos minha avó Dina, eu fiquei com ele depois do inferno que virou sua casa com o divórcio dos seus pais. Estávamos sempre juntos, e quando eu fiz 18 anos assumimos que éramos mais que amigos e começamos a namorar.
Perder Miguel, ainda mais daquela maneira, é algo que ainda estou aprendendo a lidar apesar de todo esse tempo. Ele era meu namorado sim, mas era primeiro meu melhor amigo e eu sinto uma falta enorme dele.
― E os dias seguintes ao acidente? Do que você lembra? ― Carla me pergunta
Eu estou em terapia há 2 anos com a Dra Carla. Ela é uma ótima psicóloga e temos uma sintonia que me deixa confortável, diferente de conversar com as outras pessoas.
― Era como... se tudo estivesse em câmera lenta. Como se eu estivesse vivendo aquele momento, aquele dia repetidas vezes e nunca terminava. Os dias passaram, mas eu... me sentia entorpecida, como se.. se estivesse fora do meu corpo. Eu ficava deitada na cama, sem conseguir reagir. Não dormia direito, não comia.
― Pelo que você me falou você passou do luto para um episódio depressivo.
― Sim... fiquei por alguns meses assim.
Foi um período tenso da minha vida. Eu literalmente não saia do quarto. Só tomava banho quando me enfiavam debaixo do chuveiro, só comia obrigada. Acabei emagrecendo quase 6 kg e não conversava com mais ninguém. Nada de amigos, família, muito menos... dança. Fiquei assim por 4 meses até que meus pais e minha irmã não aguentaram mais a minha recusa e me arrastaram para um psiquiatra.
Ele me diagnosticou com depressão, prescreveu antidepressivos e ansiolíticos associados a duas sessões de terapia semanais. Depois de 8 anos posso dizer que estou bem, quer dizer, tenho alguns momentos ainda de tristeza, ansiedade e insônia, mas medicamento controlado não tomo mais, a não ser uns fitoterápicos e mantenho as sessões de terapia uma vez por semana.
― Rebecca, você está tem falado sobre Miguel com outras pessoas?
― Desde que nós o perdemos, meus amigos inventaram de se encontrar uma vez por mês, sempre no dia 10.
― Porque dia 10?
― Porque ele morreu no dia 10 de abril. E hoje por sinal, fazem 8 anos... Eles vão ao Midnight.
― E como você está se sentindo? ― Carla me pergunta com aquele olhar analítico.
― Hoje é um dia que eu deveria ficar em casa. Nunca acontece nada de bom nesse dia.
― Por que você diz isso?
― É um fato. Hoje acontecem coisas ruins. Sejam bobas como queimar um chuveiro ou grandes como... ― Sinto a garganta apertada ― Perder alguém. Mas como caiu em uma sexta-feira, o meu chefe precisa de ajuda no Pub então não posso deixar ele na mão.
― E como você age nesses encontros?
― Eu... fico um pouco, as vezes me afasto. Vou no meu limite mas tento participar, por eles. Mas... não gosto... desses encontros.
― Você ainda está com dificuldade para dormir?
Volto meu olhar para aquela mulher séria, com óculos um pouco para baixo no nariz e cabeleira curtinha ruiva em um corte moderno e uma orelha cheia de brincos
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A Dança da vida
ChickLitRebecca Fernandes, uma ex-dançarina, mesmo que ainda jovem vive a vida dia após dia apenas sobrevivendo depois de perder uma pessoa muito querida. Seus amigos e familiares tentam se aproximar, e apesar de saber que ainda está escondida ali dentro...