Bernardo
Realmente não imaginava que voltaria para o Brasil tão cedo, muito menos devido às seguintes circunstâncias: acompanhar a colocação de um marcapasso no médico mais foda que São Paulo já teve, meu pai, Doutor Antônio Campos Nogueira, neurologista premiado que só sabe cuidar dos outros e não de si mesmo.
Óbvio que eu não pude fazer o procedimento, por ser da família, mas como sou cardiologista também vim acompanhar, e como filho não pude ficar longe sabendo que meu pai não estava bem e eu poderia ajudá-lo mesmo que nos bastidores. Então cá estou eu, de volta a São Paulo.
Meu amigo da época da faculdade, Dr Thomas Camargo, é o responsável pelo paciente e me chamou assim que soube do diagnóstico de Insuficiência Cardíaca Congestiva.
A cirurgia foi tranquila e um sucesso. Estamos acompanhando as mudanças nos batimentos e os sintomas que ainda se mantêm desde a cirurgia. Ele teve descontroles sérios durante a madrugada e foi necessário entrar com medicações associadas em que eu juntamente com Thomas conseguimos controlar, mas meu pai ainda tem descompassos e falta de ar em alguns momentos do dia. Por isso mesmo que estou tão distraído indo ao hospital.
― Ei moça, você se machucou?
Mas que merda que eu quase fiz!
― Se eu me machuquei? Não, não, estou aqui rezando no meio da Avenida Paulista ― Eu desço da moto para tentar ajudá-la, mas ela é mais rápida.
Fico olhando para aquela moça pequenina com uma cabeleira castanha linda para todo lado. Se eu a tivesse pegado com a moto ia fazer um estrago ou pior.
Olho seus joelhos sangrando enquanto ela se levanta, deve estar doendo. Me aproximo um pouco e tento ver se ela realmente está bem. Mais que moça mais nervosinha!
― Ei, calma senhorita ― Tento acalmá-la, mas ela parece uma pimenta ardida, não parando de falar nem um momento, mexendo as mãos por todo lado e com o rosto inteiro vermelho de raiva. Me ofereço para levá-la ao hospital, só que ela insiste em continuar soltando fogo ao invés de decidir se quer ir ou não. Me canso dessa conversa, tenho mais o que fazer do que ouvir essa pimentinha, preciso ver meu pai.
― Senhorita... quer ajuda ou não? ― Olho bem para ela. Nossa! Ela é bonita pra caralho!
― Não precisa.
Bom, ela que sabe. Entrego meu cartão e subo na moto, preciso do vento no rosto, do ronco do motor da minha amada Harley, para me acalmar e seguir meu destino. Respiro fundo e falo para a pimentinha:
― Senhorita, lave bem seus joelhos com água e sabão. Se você precisar de qualquer coisa meu telefone está aí, não exite em ligar, que eu te socorro. Nem que seja para te comprar novas calças.
Não aguento. É bom demais irritar essa baixinha. Ela não consegue segurar nem sua irritação, nem sua língua afiada e muito menos as suas expressões. Pelo amor de Deus, eu sou médico, não posso dirigir tão distraído por aí. Quase atropelei uma pessoa!
Eu não me acho Deus, mas sei das minhas responsabilidades e luto pela vida das pessoas. Sou exigente comigo mesmo e distração não pode caminhar comigo.
Monto na moto e saio roncando o motor da minha amada, até que algo me atinge e escuto um grito quando estou parado no farol:
― Hey, cabeludo ― Eu olho em direção àquela baixinha que parece uma leoa com aquela juba.
E não é que a pimentinha me mostra o dedo médio?
Não resisto e uma gargalhada vem bem alta. Sabe quanto tempo fazia que alguém não me surpreendia assim? O farol fica verde, eu acelero com tudo e mostro o dedo de volta.
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A Dança da vida
ChickLitRebecca Fernandes, uma ex-dançarina, mesmo que ainda jovem vive a vida dia após dia apenas sobrevivendo depois de perder uma pessoa muito querida. Seus amigos e familiares tentam se aproximar, e apesar de saber que ainda está escondida ali dentro...