Memória Viva

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— Tia, vamos. — chama já pronto, aguardando ao lado da porta.

— Você sabe muito bem o que eu acho dessa viagem... — surge a voz em desaprovação da dona Consuêla que se aproximava da sala pelo corredor principal daquele casarão.

— Sei. E também sei que já passou da hora de termos a vida que merecemos.

A tia chega à sala de estar e vê o sobrinho que se prontifica a ajudar a criada a carregar as malas para a carruagem que os aguardava.

— Mas temos condições aqui em Vila Nova... — a senhora olha ao redor, mostrando a sua Quinta. Um lugar espaçoso e claramente pertencente à classe alta. Eles tinham uma boa vida aqui.

— Não. A senhora tem condições. Eu não. — ele falava cada vez mais alto por estar se afastando da tia. 

O homem dá uma pequena pausa na conversa com dona Consuêla e trata de ir, juntamente com a criada, para a carruagem, onde deixariam as malas que carregavam. Descem os degraus da escada de entrada, o homem se adianta, deu um jeito de liberar uma mãodas mãos e, com toda a sua classe, a estende, oferecendo ajuda para a jovem criada que o aceita com um sorriso tímido. Assim, ele garantia uma maior segurança para que ela descesse os últimos lances da escada. Ao terminar a breve escadaria, o homem beija o dorso da mão da criada, vendo o rosto delicado da garota corar. Ele sorri e abre espaço, dando passagem para a jovem. 

Os dois seguem para a carruagem, ele deixa as malas debaixo do banco que tinha um estofamento azul marinho e pega as que a criada carregava, fazendo questão de encostar em suas mãos e a acariciar em um toque sutil. Mais uma vez o rosto dela tomou uma coloração avermelhada. O sorriso ladino deste homem conseguia levar o pensamento de uma mulher para lugares inimagináveis. Ela solta as malas devagar enquanto ele a observava atentamente, tendo de quebrar o contato visual para guardar as malas no mesmo lugar que as outras.

Era impossível viver em Vila Nova e não conhecer a má fama do senhor Augusto de Valmont. Um libertino que se divertia com as moças, seu maior passatempo era desvirtuar damas e fazê-las o desejarem. Principalmente as que já fossem comprometidas de anel no dedo. Ele era terrível e, até então, não haviam casos de mulheres, moças ou meninas que conseguiram escapar das brincadeiras de Augusto após receberem seus sorrisos e olhares intencionados. Este homem não conversa com palavras, mas sim com a imaginação da mulher que está em sua mira. Augusto sabia o que fazia e sabia como fazia. Nada com ele ocorria por pura simpatia, se hoje ele te deu um bom dia é porque amanhã ele te levará para a cama. Augusto é discreto, um homem de ótima postura e de lábia impecável. 

Lídia, a criada, era nova mas eram poucas as noites onde Augusto não domava seus sonhos. Ela imaginava constantemente como deveria ser a sensação de ter suas bocas juntas em um dos mais proveitosos beijos. Ela nunca havia beijado ninguém, muito menos tido uma noite de amor. Para ela, o pouco já bastava. Os olhares que Augusto lhe dava, as palavras que eles trocavam... Já lhe satisfazia, mas também a deixava curiosa em ter um pouco mais.

— Vou sentir sua falta, Lídia. — o tom de voz que ele usava era proposital. Era um que conseguia penetrar a imaginação fértil da jovem. Dá um passo para frente, se aproximando da criada, ela faz o mesmo e a distância entre seus corpos diminui. Os dois se olhavam nos olhos, ele dava a confiança para que ela se aproximasse mais e mais. Antes mesmo da criada lhe responder, Augusto se adianta — Com a sua licença... — era aquele sorriso. Ele era encantador, parecia enfeitiçar as moças com quem conversava. Assim, ele usou de sua boa educação e retornou para dentro, deixando a jovem Lídia com seus pensamentos e sorrisos ali fora. Esta era outra técnica de Augusto. Ele conseguia sair de situações das mais calorosas que fossem e fingir que nada aconteceu. Era um artista.

(Im) PerfeiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora