Parte 3

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O quarto era grande e arejado. Uma cama de solteiro e um beliche eram os principais móveis. No canto de cada cama, tinha um criado-mudo com abajures charmosos em cima, feitos de vidros coloridos, como uma mandala.

Duas grandes janelas de madeira davam vista para toda a cidade e minha avó me mostrou que também podíamos ver a colina dos duendes. Ao longe, o Sol se punha e fazia a cidadezinha ficar magicamente encantadora, mesmo com as sombras surgindo entre as vielas.

Não demorou muito e descemos para jantar. Eu começava a sentir o frio da serra, e joguei uma jaqueta de couro bege por cima do vestido florido.

O restaurante era mal iluminado, eu preferia lugares mais claros, mas minha avó insistia que era elegante. Para minha surpresa, sentamos junto com o garoto rebelde, Yuri, e da mãe dele, que apesar de sorrir o tempo todo e tentar ser simpática, escondia um semblante triste e de quem ainda estava de luto.

O tal garoto não participou da conversa em nenhum momento, ao contrário da mãe, que conhecia a minha mãe desde criança. As duas tinham sido vizinhas e compartilhavam do mesmo gosto pela culinária. Quando a macarronada foi servida, notei que o garoto fez uma careta. Só comeu porque a mãe ficava fuzilando-o com o olhar.

Aos poucos, o frio aumentou. Enquanto voltávamos pelas ruas até o calor aconchegante de nosso quarto, eu tremia e batia os dentes.

— Parece que vai gear — minha mãe comentou olhando para o céu.

Apesar de a cidade estar muito movimentada, a neblina cobria as ruas e deixava tudo mais escuro e úmido. A hospedaria estava tranquila, parecia que as pessoas estavam passeando ainda.

Com o silêncio, minha avó e minha mãe dormiram logo, e eu aproveitei para colocar a leitura em dia. Depois de algumas páginas, quando meus olhos começaram a reclamar, notei que um brilho incomum passou pelas ruas. Era algo como um holofote de brilho branco, forte o suficiente para chamar minha atenção. Desci da cama e aproximei-me da janela, mas o quer que fosse, sumiu.

Fiquei com aquilo na cabeça nos dias seguintes. Toda noite eu observava a rua enquanto lia para ver se aquilo surgia novamente. No final, acabei dando-me por convencida de que era apenas um policial com uma lanterna tática, como minha mãe falou quando comentei com ela sobre o que tinha visto.

O sabá era no domingo à noite e na sexta, eu já estava exausta de tanto treino. A dona da hospedaria, Célia, havia deixado que minha avó me treinasse nos fundos, onde era a lavanderia, e passamos quase todas as tardes ali.

Não tinha muito o que fazer na cidadezinha onde estávamos. Um dia, na parte da manhã, nós conhecemos todas as lojinhas e artesãos. Almoçávamos na hospedaria junto com os outros hóspedes e jantávamos no mesmo restaurante. Yuri e a mãe já haviam se tornado companheiros na hora da refeição, mas ele nunca pronunciava uma palavra. Sempre se vestia de modo que fazia com que parecesse um rebelde sem causa, mas depois de tanto observá-lo eu sabia que aquilo era mais tristeza do que rebeldia propriamente dita.

Era sexta à noite e a janta era feijoada, todos estavam se esbaldando, eu não podia negar que estava muito bom, mas Yuri parecia não concordar. Comeu apenas arroz com farofa, couve refogada e salada. Depois se serviu de uma quantidade considerável de frutas. Saiu do restaurante antes de todos.

— Ele se recusa a comer qualquer coisa de que meu marido gostava — a mãe comentou, observando a porta por onde o jovem havia saído. Em seu rosto, ela deixou transparecer toda a falta que sentia e o quanto estava sofrendo.

Quando chegamos à hospedaria, Célia nos aguardava. Ela queria conversar a sós com minha mãe e minha avó, eu nem me incomodei, queria terminar de ler meu livro. Subi para o quarto, tomei um banho e deitei-me no beliche. Li até pegar no sono e quando acordei, já eram duas horas da madrugada. Olhei em volta e nada da minha mãe ou da minha avó. Será que elas ainda estavam na reunião? Desci do beliche, guardei o livro no criado-mudo e olhei pela janela. A neblina tomava conta de tudo, era praticamente impossível enxergar alguma coisa lá embaixo, mas de repente, o brilho estranho passou pela rua novamente. Era tão rápido quanto um flash de uma câmera fotográfica e tão forte quanto um refletor, em seguida uma lanterna acendeu e um vulto passou segurando-a pela rua.

Fadas da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora