16 - Uma toalha ensanguentada

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4:49 A.M

Mais uma madrugada em que sou perturbada pelos meus demónios. Tem vezes que sei que tenho a sensação de que vou ser abatida pelas minhas emoções, mas tem outras que tudo acontece sem aviso prévio. Tudo acontece sem que eu tenha tempo de respirar, sem que tenha tempo de assimilar. Hoje era um desses dias.

Estou deitada no chão da casa de banho há mais de uma hora. Tentei aguentar, mas mais uma vez deixei me levar pela minha franqueza. Mais uma vez, me cortei na esperança de que a dor física superasse a dor emocional que estava a sentir. O sangue corria pelo meu pulso, não o suficiente para morrer, mas o suficiente para sujar os azulejos do chão.

Levantei-me lentamente ainda atordoada pela minha mente confusa e fui buscar uma toalha para estancar o sangue. Pressionei com alguma força os cortes até sentir um ardor desconfortável. Ao chegar ao armário, onde normalmente estão os primeiros socorros, percebi que já não tinha ligaduras. Merda... não tenho ligaduras não posso ficar com o braço exposto assim o James e a Erika vêm aqui almoçar...Comecei a olhar para o meu reflexo no espelho. Lá estava uma Elizabeth que eu não reconhecia. Uma Elizabeth quebrada, frágil e não aquela que enfrenta a mãe para defender a Amy. Como é que me deixei chegar a este ponto?

Vou até à minha mesinha de cabeceira e pego no meu telemóvel para ligar a portaria na esperança de que alguém me consiga arranjar ligaduras. "Boa noite...", digo. "Menina... o que aconteceu? Precisa de ajuda?", diz o Sr. Turner do outro lado com um tom preocupado. "Eu preciso de ligaduras...", digo com um tom de vergonha na voz. "Entendo. Eu vou já subir com elas, menina.", diz ele rapidamente, antes de desligar a chamada. Sentei-me no sofá à espera, enquanto olhava para a janela. As luzes em Nova Iorque nunca paravam de brilhar. Era de certa forma reconfortante, a cidade parecia sempre viva em tempos em que muitos de nós estamos mortos por dentro. "Menina?", diz o Sr. Turner ao colocar a chave na fechadura para poder entrar. "Estou na sala!", digo não muito alto. Ele olha para mim e vê a toalha ensanguentada no meu pulso. "A menina já desinfetou isso?", diz ele apontando para o meu braço. "Ainda não...", digo com uma voz cansada. "Vamos há casa de banho tratar disso. Venha.", diz ele andando com a sua postura reta, os seus 71 anos não pesavam na coluna. Chegando à casa de banho retiro a toalha lentamente. Ele coloca água oxigenada em todos os meus cortes que me fazer contorcer de dor. "A menina discutiu outra vez com a sua família?", questiona ele enquanto me faz o curativo. "Não... os meus pensamentos começaram a turvar tudo outra vez...", digo olhando para o chão. "A menina devia tentar falar com alguém... Há alguém que saiba?", pergunta ele envolvendo a ligadura no meu pulso. "A Erika, a Hope e o meu cunhado sabem.", digo. "O menino Adam sabe e não contou ao menino Andrew?", diz surpreendido. "O Adam sabe que é algo que só eu posso contar. Ele já passou pelo mesmo... por mais que tenhamos pessoas à nossa volta é algo que só nós podemos ultrapassar.", digo olhando para ele. "A menina sabe que pode sempre falar comigo quando precisar. Já vi muita coisa a acontecer nestes 71 anos de vida. Na crise de 2009, vi muita gente a perder a cabeça. Muitos a perder a vida com o acumular de dividas. Apenas quero que saiba que se precisar de uma perspetiva diferente seja do que for estarei aqui para isso.", diz ele com um ar amistoso. "Obrigada. O Sr. Cuida sempre das pessoas deste condomínio como se fossem família.", digo abraçando-o. "Não tem de agradecer. Agora vá descansar um pouco.", diz ele se levantando indo em embora.

12:37 P.M

Acordo atordoada com o som da campainha a tocar infindavelmente. Mas quem é que não para de tocar na puta da campainha? Olho para o meu telemóvel e vejo as horas. Porra! Já são quase horas de almoçar. Eles já estão à porta! Visto um robe para me cobrir e corro até à porta. No entanto, quando chego lá a Erika já tinha usado a chave dela para entrar.

"Estava difícil de vires até à porta.", diz o James com um ar impaciente. "Bom dia também para ti duende...", digo frustrada. "Adormeceste Beth. Esta tudo bem?", pergunta ela com um tom preocupado. "Sim, claro.", minto. Ela olha para mim de cima abaixo e repara que estou com o robe vestido. A Erika sabe que eu nunca ando de robe a não ser que queira esconder os meus braços. "Ainda bem amor. Bem não sei o que querem comer mas eu estava a pensar em fazer um lasanha.", diz ela beijando a minha bochecha. "Hmm lasanha... parece-me bem.", diz o James com um tom satisfeito. "Ainda bem que gostas da ideia James. Vais me ajudar!", diz a Erika indo buscar o avental. "Eu?! Porquê?! A casa é dela e eu é que tenho de cozinhar...", diz ele aborrecido. "Porque ela precisa de descansar.", diz ela com uma cara séria. "Não é preciso, eu posso ajudar também... Vou só beber um chá com açúcar se não acho que vou desmaiar.", digo enquanto mexo no armário à procura das saquetas de chá. O James ficou estranhamente atento a tudo o que eu faço, a partir do momento em que disse que podia desmaiar. Eu fazia um movimento ele abria os olhos de uma maneira que parecia que iam sair da cara dele. Quando colocamos a lasanha no forno e eu fui lavar alguma da loiça que sujamos molhei as mangas do robe e tive de o tirar, expondo o meu pulso envolvido em ligaduras. "O que é que aconteceu?", perguntou ele ao olhar para mim. "Nada de mais. Tive um pequeno acidente ontem com um tabuleiro quando estava a mexer no forno", digo. "Hm ok... E dói-te muito?", perguntou ele ao agarrar a minha mão com calma. "Um bocadinho, mas amanhã já esta tudo bem...", digo eu olhando para ele. "Hoje tens de ir trabalhar assim. Não é muito agradável...", diz ele massajando a minha mão. Merda. Tenho de ir trabalhar hoje... Como é que me fui esquecer desta merda? Eu devia ter cortado na zona das virilhas e não nos pulsos. Idiota! Idiota! "Elizabeth, esta tudo bem?", pergunta ele ao perceber que eu estava perdida nos meus pensamentos. "Estou ótima. Estava só a pensar que ainda tenho alguns trabalhos da faculdade para acabar e amanhã já é sábado.", digo como forma de desviar o foco da conversa. "Ai eu ainda tenho mais de metade para acabar...", diz a Erika enfiando a cabeça na almofada do sofá. "Eu tenho um trabalho de literatura do século XIX para fazer e ainda não escolhi o livro...", diz ele com as mãos na cabeça. "Qual é o escritor?", pergunto deitando-me no sofá. "Liev Tolstói.", diz ele ao se deitar ao meu lado. "Eu tenho um dos livros dele aqui em casa, eu depois empresto-te...", digo fechado os olhos. "Obrigada Elizabeth.", diz ele. "Não me agradeças já. Ficas-me a dever um favor.", digo dando um murro no braço dele. "Au!", diz ele esfregando o braço e em seguida atirando uma almofada à minha cara. "Eu não estava à espera de ter de segurar a vela para vocês os dois. Mas vocês até são fofos.", diz a Erika rindo. "Não digas disparates. Ele é um mulherengo e eu não tenho paciência para namorar.", digo aborrecida. "Eu não sou assim tão mulherengo...", diz ele ofendido. E eu sou a princesa Diana... 

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