O cheiro de torta de abóbora e canela preenchia o ar, misturando-se com o perfume suave das velas que Mavie havia acendido. A casa exalava um calor confortável, contrastando com a chuva fina e o céu cada vez mais escuro lá fora. Aquele ambiente me envolvia de tal forma que quase me fazia esquecer o peso que havia se instalado entre Miles e eu desde a noite anterior.
Miles estava sentado em silêncio, absorto nas partituras à sua frente, vestindo um suéter marrom que realçava seu semblante sério. Mesmo quando Flora, sua irmã, tentou capturar sua atenção com a pintura que havia feito, ele mal ergueu os olhos, preso em algum lugar distante dentro de si.
— Miles! Olha o que eu fiz! — Flora exclamava, empolgada. Ela escalava o sofá com dificuldade, a energia infantil preenchendo a sala, enquanto me mostrava uma pintura desajeitada onde apareciam ela e Miles.
— Uau, que lindo, Flora! — exalei, tentando transmitir um entusiasmo que não sentia totalmente. Miles, no entanto, permanecia alheio, perdido em seus próprios pensamentos.
A tarde, fria e melancólica, parecia refletir o estado de espírito de Miles. Ele me enviara uma mensagem mais cedo, pedindo que eu viesse. E, embora não dissesse abertamente, estava claro que ele precisava de companhia. Precisava de mim. Mas havia algo no ar, algo que ele não estava pronto para encarar.
Flora continuava insistindo, passando os braços ao redor de Miles, tentando forçá-lo a participar. Ele gentilmente a afastou, murmurando algo sobre ela mostrar a pintura para a mãe. O desapontamento de Flora era palpável, e meu coração apertou por ela. Era doloroso vê-lo tão distante, até mesmo da própria irmã.
— Miles... — chamei baixinho, tentando suavizar o ambiente. Flora olhou para mim com curiosidade, talvez percebendo que eu também me sentia um pouco à parte do que acontecia entre nós.
— Vocês vão pedir doces comigo no Halloween, não é? — Flora perguntou com uma expressão de esperança. Ela ainda acreditava que podia convencer o irmão a participar.
Miles riu, mas seu riso era amargo, quase cínico.
— Nem pensar. Vou trabalhar nessa noite — respondeu, sua voz carregada de exaustão, como se até mesmo explicar fosse um esforço desnecessário.
Flora cruzou os braços, sua decepção cada vez mais evidente.
— Você prometeu que iria! — insistiu, e naquele momento, Mavie entrou na sala, percebendo a tensão.
— Miles, você prometeu — disse ela, com um olhar de reprovação que apenas intensificou o conflito interno que eu via se desenhar no rosto dele.
Ele suspirou, uma mistura de frustração e culpa. Era como se ele estivesse preso entre o desejo de ser o irmão carinhoso e a necessidade de manter as barreiras que vinha erguendo em torno de si desde que o pai foi embora.
Antes que o silêncio se tornasse insuportável, eu intervim:
— Flora, eu posso ir com você. Podemos pedir doces juntas.
Flora me olhou com surpresa, seus olhos brilhando como se eu tivesse acabado de resolver o maior problema do mundo. Miles me lançou um olhar de canto, uma mistura de alívio e algo que eu não conseguia decifrar. Talvez uma pontada de remorso.
— Sério? — Flora perguntou, mal acreditando.
— Sério. Vai ser divertido — sorri, tentando dissipar o clima pesado que pairava no ar. Mavie sorriu para mim com gratidão, mas Miles permaneceu em silêncio, olhando para o vazio, seus pensamentos inacessíveis.
O desconforto entre nós era evidente, mas nem ele nem eu parecíamos prontos para falar sobre o que havia acontecido. Na noite anterior, havíamos nos aproximado de uma forma que me assustava, como se uma linha invisível tivesse sido cruzada, mas agora essa aproximação parecia um fardo que ele evitava a qualquer custo.
— Querida, quer ficar para a torta de abóbora? — perguntou Mavie, com a mesma gentileza de sempre, mas eu sentia que havia algo mais em seu olhar, como se ela estivesse tentando me manter por perto, talvez percebendo o que estava acontecendo entre Miles e eu.
Olhei para fora. A chuva estava mais forte, e o céu, já escuro, me lembrava do tempo que estava se esgotando.
— Eu adoraria, mas acho melhor ir. Está ficando tarde — respondi, tentando manter o tom leve, mesmo que uma parte de mim quisesse ficar e adiar o inevitável.
Miles se levantou do sofá, seu rosto expressando um cansaço que ia além do físico. Ele não me encarava diretamente, e o silêncio entre nós dizia mais do que qualquer palavra. Quando ele finalmente falou, sua voz parecia distante:
— Vou te acompanhar até em casa.
Eu assenti, sentindo o peso daquela promessa não dita que pairava entre nós. As palavras que precisávamos dizer estavam presas, sufocadas por medos que nenhum de nós sabia como enfrentar. O cheiro doce da torta de abóbora preenchia o ar, e, enquanto caminhávamos para a porta, eu me perguntava se estávamos presos nessa distância crescente para sempre.
A chuva caía lá fora, e eu sabia que, se não falássemos logo sobre o que havia acontecido, essa distância entre nós só aumentaria. Miles parecia carregado de segredos, de coisas que ele não queria que eu visse. Mas eu sabia que já estava vendo. Mesmo que ele tentasse esconder.
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𝐬𝐜𝐫𝐚𝐰𝐧𝐲, miles fairchild
Fanfictionmanter a sua paixão por miles em segredo dele mesmo foi difícil, mas mantê-la em segredo de seu irmão foi ainda mais difícil.