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O outono ainda não tinha terminado, as folhas secas ainda forravam o chão, mas o Halloween já havia passado, levando consigo o que restava do meu relacionamento com Miles. O frio parecia se prolongar, mas não o suficiente para congelar as memórias que agora se misturavam com a neblina das manhãs. Ele deixou de aparecer com frequência na minha casa, e mesmo assim, seu nome parecia ainda ecoar por ali, na boca de Rodrick.

── Pai, o Miles ganhou um carro. ── Rodrick falava com entusiasmo, os olhos brilhando como se essa notícia fosse mudar tudo ao nosso redor.

── Ele deve ter feito por merecer, Rodrick. ── Meu pai respondeu, sem levantar o olhar enquanto mexia os ovos na frigideira, preparando um omelete matinal.

Minha mãe, sentada à mesa, mantinha-se absorta em um livro de Kafka, lendo sobre metamorfoses. Parecia irônico, porque eu sentia que tudo ao meu redor estava se transformando, menos eu. Eu estava ali, presa. Enquanto eles conversavam, eu mordiscava uma maçã e deslizava o dedo pela tela do meu celular, fingindo que o nome dele já não me afetava.

Naquela noite de Halloween, eu tinha chorado como nunca. Meus soluços abafados eram a única coisa que preenchia o silêncio do meu quarto escuro, enquanto o rosto dele pairava em minha mente. E agora, eles falavam dele na minha frente, como se fosse apenas mais um nome sem peso, sem lembranças.

── Vocês sabiam que a banda foi elogiada pelo prefeito? ── Rodrick se gabava, inflando o peito. Mais uma vez, ele se exaltava pelas conquistas do grupo.

Senti o sangue ferver, uma onda de impaciência me dominando. ── Levando em conta que o filho dele é o baixista de vocês ── respondi com sarcasmo, empurrando a cadeira para trás ao me levantar. As palavras saíram ácidas, e Rodrick me olhou com surpresa, sem entender a agressividade contida no meu tom. Minha mãe, absorta no livro, não reagiu. Já meu pai riu alto.

── Foi pessoal? ── Ele retrucou, usando o mesmo tom mordaz. ── Tá com raiva porque o Miles tá namorando e essa garota não é você?

O comentário dele me atingiu como uma bofetada, fazendo o ar desaparecer dos meus pulmões por um momento. Meu corpo inteiro gelou, como se cada palavra dele fosse uma lâmina. Eu não sabia o que responder, e por um segundo, todo o som ao redor pareceu se apagar. Olhei para minha mãe, que finalmente levantou o olhar do livro, os olhos me observando com uma curiosidade silenciosa.

── O que o Miles tem a ver com ela?

── Nada ── Rodrick respondeu rapidamente, mas seus olhos voltaram a se fixar em mim, como se quisesse desenterrar algo que eu enterrava há semanas. ── Ou tem?

Engoli em seco, tentando manter a compostura enquanto sentia uma onda de calor subir pelo meu rosto. ── Não tenho. ── Peguei minha mochila no chão, virando-me para sair antes que minha voz vacilasse.

── Não vai levar nenhum lanche, querida? ── A voz da minha mãe ecoou da cozinha enquanto eu cruzava a porta, mas não consegui responder. Uma parte de mim queria gritar, jogar para fora toda aquela dor que se acumulava no peito, mas a única coisa que saiu foi um suspiro rouco.

[...]

Caminhar até a escola nunca pareceu tão difícil. Cada passo se arrastava, o peso da mochila nas costas me puxando para baixo, mas não tão pesado quanto o que eu carregava por dentro. As folhas secas se quebravam sob meus pés, ecoando na rua deserta. A paisagem familiar parecia desbotada, como se o mundo tivesse perdido um pouco da sua cor desde aquela noite.

As memórias insistiam em me assombrar. Ele tinha me mandado uma mensagem há dois dias, e agora já estava com outra pessoa? Aquelas palavras dele ainda queimavam na minha mente. Homens são tão previsíveis, eu pensava, tentando convencer a mim mesma de que a raiva era maior que a tristeza. Mas a verdade era que nada que eu fazia conseguia preencher o vazio que ele deixou.

Eu estava perdida nos meus pensamentos quando o som de um carro acelerando atrás de mim me fez despertar. O barulho dos pneus sobre o asfalto molhado soava ameaçador, e por um momento, senti meu corpo paralisar, como um animal que avista o perigo. Quando me virei, pronta para correr, vi o carro parando ao meu lado, os faróis iluminando meu rosto.

Engoli a seco, sentindo um calafrio percorrer minha espinha. E, claro, era o pior que eu podia esperar.

── Miles? ── Sua figura surgiu, abaixando o vidro do carro. O cabelo dele estava bagunçado, e ele parecia cansado, mais do que o normal. Mas o que mais me atingiu foi a expressão vazia, distante, que ele sempre carregava.

── Quer que eu te leve até a escola? ── Ele perguntou, e o tom dele era neutro, como se aquela fosse uma conversa banal.

Eu cruzei os braços, tentando ignorar o nó que se formava na minha garganta. ── Não ── Respondi, firme. Nossos olhares se cruzaram por um instante, e eu vi ele revirar os olhos, frustrado.

── Você sabe que não pode ficar me ignorando pra sempre, não sabe?

── E você sabe que eu posso ── Murmurei, voltando a andar pela calçada, enquanto ele seguia devagar com o carro ao meu lado, a presença dele me sufocando.

── Mas eu sinto sua falta, s/n ── A voz dele quebrou um pouco no final, e eu quase acreditei que havia algo de verdadeiro ali. Mas ele ainda mantinha aquela máscara de indiferença, uma contradição que me rasgava por dentro.

Fechei os olhos, parando de repente. Minha respiração estava pesada, e antes que pudesse pensar melhor, minha mão alcançou a maçaneta do carro, e eu entrei. Me sentei ao lado dele, a atmosfera densa envolvendo o espaço apertado entre nós.

── Você só sente falta do meu corpo ── As palavras saíram antes que eu pudesse segurá-las, a voz carregada de uma amargura que eu não queria admitir.

── Não! ── Ele respondeu de imediato, parando o carro bruscamente. Sua mão tocou minhas bochechas, e eu senti os dedos dele tremendo levemente, um toque hesitante, como se ele temesse me quebrar. ── Eu sinto falta de você.

Fechei os olhos, tentando ignorar o calor que aquele toque trazia de volta. Mas eu sabia que não podia mais me deixar levar por isso. ── Eu não acredito ── Respondi, minha voz soando mais fraca do que eu queria, enquanto agarrava a alça da mochila com força.

Eu conseguia ouvir a respiração dele, pesada, entrecortada. Aquilo parecia me atingir de formas que eu não queria admitir.

── E você tá namorando agora ── Deixei escapar uma risada amarga. ── Como pode ser tão idiota?

── Eu não estou ── Ele levantou as mãos, como se estivesse se rendendo. ── É sério.

Eu ri de novo, mas o som saiu fraco. ── Isso não muda nada ── Respondi, desviando o olhar para a janela. Do lado de fora, uma árvore sem folhas balançava ao vento, como se ela também sentisse o vazio que crescia dentro de mim.

O silêncio se estendeu, e ele apenas ligou o carro novamente, dirigindo sem dizer mais nada. Ficamos assim, presos em um silêncio que parecia sufocar, até ele parar em frente ao portão da escola. Eu senti um frio na barriga ao pensar que aquela talvez fosse a última vez que ele me levaria até ali.

── Valeu pela carona ── Murmurei, sem conseguir encará-lo. ── E o carro é bonito.

Ele balançou a cabeça, sem responder. Eu esperava que ele dissesse alguma coisa, qualquer coisa que pudesse preencher aquele vazio, mas ele permaneceu calado. Então, eu abri a porta e desci, sentindo o vento gelado da manhã me envolver.

Enquanto me afastava, sem olhar para trás, uma parte de mim percebeu que eu ainda não tinha superado aquilo. Que por mais que eu tentasse apagar, a marca dele ainda estava ali, cravada em mim como as cicatrizes de um outono que parecia nunca terminar.

𝐬𝐜𝐫𝐚𝐰𝐧𝐲, miles fairchild Onde histórias criam vida. Descubra agora