Esta semana um Dom puxou papo em uma rede social. Perguntou se eu só servia Domme. Respondi com meu novo habitual: "a princípio, sim". Essa resposta já faz uma primeira triagem dos Doms que se aproximam. Alguns se afastam nesse instante, outros entendem o que está sendo dito e insistem - foi o caso desse. Como gosto de jogar limpo, sempre, não tardou para eu deixar explícito: "não sinto atração por homem, não tenho vontade de ser dominado por um homem, mas vai que...". Contei que era recente essa minha abertura ao risco de me deixar ser dominado por um homem, e como tinha aceitado a ideia - influência de minha "Tutora".
O rapaz, ainda que jovem, tem se mostrado mais esperto que os que até agora tinham tentando alguma coisa: ao invés de se afirmar o dominador, o superior (o que não me impressionaria em nada, e ainda correria levar uma invertida, no primeiro flanco aberto que deixasse à mostra - ou algum dominador ou dominadora se acha invulnerável?), vem conduzindo a conversa com paciência, querendo saber como cheguei ao ponto onde estou. Saber é poder: ele parece ter noção desse princípio básico, tão importante (e negligenciado) no BDSM. Eu também sei, e como minha abertura ao risco de ser dominado por um Dom não é da boca pra fora, tenho entregue a ele boa parte das informações que me pede - se ele vai conseguir sintetizar tudo isso a ponto de achar por onde me capturar, vai depender da sua habilidade: ele tem as peças, a ver se consegue montar o quebra-cabeça. De pronto, assumo que duas coisas ele já conseguiu, em poucos dias de conversa: que eu assumisse pra ele minha inferioridade (o ponto agora é se vou considerá-lo superior o suficiente a ponto de achar que ser seu sub seria uma honra pra mim, se cabe me submeter a ele de vez em quando, por diversão, ou se não vai ser dessa vez que um homem vai me submeter - não nesses termos*), a outra, me deixar num estado de tesão permanente por conta das lembranças que ele tem me convidado a rememorar.
Como ele pergunta pouco, o que julga importante e interessante, e eu gostaria de contar mais, decidi começar a escrever meu processo de submissão, ou melhor, de descoberta.
Fiquei em dúvida por qual clichê começar, lá vai: ser submisso não foi exatamente uma transformação, mas uma descoberta. Fui me transformando nesse ínterim - "evoluindo", como diz minha Tutora -, mas o desejo que sempre me moveu foi o de me submeter, de estar subordinado a alguém que claramente é superiora a mim (em que sentido esse superior, não sei ainda explicar, quem sabe ao fim destes relatos?), de não apenas ser útil, mas de ser utilizado. Gerar tesão me dá tesão, satisfazer me satisfaz. Me sentir sendo escada para uma mulher superior faz eu me sentir potente. Minha verdadeira potência não está em mim, está naquela pessoa a quem me submeto.
Segundo clichê para começar o texto: aquela descrição a la conto melacueca de internet. Beiro os 40 anos, apesar de aparentar menos, branco, alto, magro. Nada afeminado, geralmente barba por fazer, já me disseram que passo tanto a impressão de macho comedor como de cara zen. Não tenho atração por homens: por muito tempo foi uma questão que levantei em análise, cheguei a testar sair com homem, pra ver se curtia, não curti, não sinto atração. Minha atração, meu tesão mesmo é por mulher - cis ou trans. Mas desde adolescente descobri que a região anal é uma região de prazer - e isso nunca foi exatamente um problema, nem pôs em duvida minha sexualidade ou "masculinidade". Recentemente, graças ao BDSM (e a uma amiga trans), me dei conta que minha questão nunca foi de orientação sexual, e sim de gênero, daí que hoje me identifico como não binário - e dar o cu não teve nenhuma influência nisso.
Acho que para começo, é isso. O resto vai surgir no texto.
* sei que é uma nota brochante, mas é bom lembrar que mesmo a pessoa mais alfa, mais fodona no BDSM é submissa a uma série de regulações sociais e econômicas, de uma sociedade marcadamente perversa, e ela se submete passiva e cordeira, sem nem mesmo enrubescer.

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Submissendo - Memórias de um submisso em evolução.
Non-FictionOu Como cheguei ao ponto onde estou na submissão dentro do BDSM e por onde gostaria de seguir