Prólogo - Cores de um quadro de um fim de tarde

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As vidraças da minha janela estavam imundas por causa do último vendaval. Sinceramente, se perdurasse tanto aquela temporada de pequenas calamidades deixaria aquilo imundo até tudo se normalizar - como se mãe e sua mania de limpeza incessante pudesse concordar comigo.

Fechei as cortinas pesadas, deixando meu quarto no escuro, tendo apenas a luz incomoda do celular iluminando parcialmente meu rosto e meu travesseiro. Aquele fim de tarde estava sendo terrivelmente entediante, nem meu video game podia ligar por causa do mau tempo. Mamãe me mataria só de encostar no play.

Me acomodei nos lençóis desarrumados, olhando minhas notificações sem muita vontade, ignorando alguns pedidos de jogo dos meninos, me atentando apenas em limpar aquela bagunça. Demorou tanto que quando terminei a chuva tinha cessado, deixando seu rastro de destruição no nosso jardim, assim como no resto da rua encharcada e suja com folhas, lama e pedaços de árvores que se perderam com o vento. Abri as janelas, sentindo o cheiro de mato molhado se misturando com terra e co2 dos carros, com o sol já se escondendo por entre as nuvens, formando uma bela mistura de cores. Um rosa se mesclando com o alaranjado. Daria uma excelente pintura.

Olhei a rua, com algumas pessoas saindo para olhar o estrago que a tempestade tinha deixado. Vaguei o olhar pelo nosso jardim cheio de sujeira, até a casa da frente, na qual um caminhão baú se destacava na frente, com um carro vermelho estacionado um pouco mais a frente. Vizinhos? Gente nova na rua? Talvez.

Me apoiei no batente da minha janela, tentando enxergar além das coisas atrapalhando meu campo de visão. As lâmpadas da rua se acenderam como passe de mágica, sinalizando alguns rostos conversando pela calçada, assim como algumas silhuetas dos novos moradores da frente. Um homem não muito alto que meu pai, segurando algumas sacolas pretas, com uma mulher de cabelos claros apontando alguma coisa ou alguém.

Tento me inclinar um pouco mais, tentando não cair daquela altura, sentindo meu lado fofoqueiro gritando alto. Levanto um pouco mais a cabeça, olhando um ponto rosa me chamando a atenção.

- Sasuke!

Me assusto, sentindo a gravidade me puxando para baixo como se fosse o último jogo da prateleira da loja. Rezei, gritei, tudo misturado, mas não beijei o chão. Itachi me puxou com força pra trás, sentindo a maciez da minha cama quando caímos de uma vez, ao som da voz escandalosa da minha mãe.

- Menino, o que estava pensando! Queria morrer? Sabe que a fábrica já fechou?_ respiro fundo, ouvindo Itachi rir da minha desgraça, sussurrando um: "Quase morreu por uma fofoca, irmãozinho".

Reviro os olhos, me afastando dele, me levantando da cama, tentando ignorar aquelas palavras. Não que fosse mentira, mas, não quero dar aquele gostinho de quem me pegou no pulo e estava certo. Tenho 14 anos, mas tenho orgulho.

- Mãe, pode parar, por favor? já entendi_ cruzo os braços, vendo o rosto da mais velha vermelho.

- Não, não posso parar quando vejo meu filho pendurado na janela como se fosse uma cacatua bisbilhoteira_ mordo meu lábios de leve, com dona Mikoto mantendo as mãos agarrando a cintura, se controlando para não me jogar daquela janela. Justo a que tinha me salvado, curiosamente.

- Desculpa _ peço , fazendo bico, com minhas bochechas levemente quentes de vergonha pelas palavras dela. Itachi se levantou no meio daquela cena constrangedora, bagunçando meu cabelo com um pouco de força.

Mamãe suspirou, levantando as mãos, como se tivesse se rendido, batendo o pé enquanto deixava meu quarto, assim como Itachi, mas, claro, sem antes me alfinetar:

- A nova vizinha se chama Sakura Haruno, e ela é mais nova que você, uns dois meses_ ergo uma sobrancelha, arregalando os olhos ao ser pego por ele mais uma vez. Pego uma das almofadas da minha cadeira estofada, jogando nele - que desviou.

- Vá a merda!_ grito, ouvindo o desgraçado rindo enquanto corria pelo corredor.

- Sasuke Uchiha, fale palavrão mais uma vez e eu te jogo dessa janela!_ me encolho com as ameaças de dona Mikoto, sentindo meu sangue gelar a espinha até as pontas dos meus pés.

Itachi gostava de me ferrar, só pode!

Fecho a porta, me jogando na cama, olhando o céu noturno pela janela escancarada.

"Uhm, Haruno Sakura, combina com ela, se estiver certo" sussurro pra mim mesmo, lembrando do ponto rosado que tinha visto antes de quase cair da janela. Pego uma camisa grossa, colocando de qualquer jeito assim que levantei, correndo pra fora do quarto, pulando dos últimos degraus da escada, dando de cara com meu pai assistindo a novela das 7 na televisão. Como sempre ele mau se atentou a minha presença, focando no casal choroso na tela de led, passei pela porta da cozinha, pegando a coleira de Susano, balançando na frente dele.

- Vai aonde, Sasuke Uchiha?_ paro na porta de saída que ficava na cozinha, olhando para expressão nada amigável de minha adorável mãe. Coloquei a coleira com a guia no filhote de husky, dando meu melhor sorriso.

- Vou levar o Susano pra dar uma volta, choveu a tarde toda e ele não pode se aliviar_ coloco a mão na maçaneta da porta, esperando uma resposta positiva. Minha mãe soltou um suspiro longo, apenas concordando com a cabeça.

- Aqui na frente, rápido_ balanço com a cabeça, não querendo deixá-la mais irritada, indo antes que mudasse de ideia. Calcei meus sapatos aos tropeços, saindo rapidamente.

Deveria ser umas 18 horas, por aí, a rua ainda tinha movimento, seja de pessoas ou de carros, com algumas poças de água acumuladas pela grama do jardim de casa, servindo como diversão para meu querido cachorro. Tive que segurar aquele filhote para não vê-lo afundado na lama do quintal de casa - ia ser morte para mim na certa.

Atravessei com susano no colo, colocando ele na calçada assim que consegui sair sem me sujar muito - não queria ver minha canela se tivesse um espelho naquele momento. Segurei a guia, sentindo a brisa noturna deixando os pelos da minha nuca arrepiados, mas me mantive como de costume - calmo, com o semblante de desinteresse. Caminhei devagar, tentando manter aquele cachorro na linha enquanto olhava pelas casas do outro lado da rua.

A que ficava de frente pra minha estava com as luzes acessas, com o caminhão ainda empatando meu campo de visão. Continuei andando de maneira "despreocupada", parando na frente de um poste, enquanto Susano ficava cheirando.

- Hei, Sakura, até que enfim se mudou, já achava que só te veria nas aulas _ atento minha audição, olhando de soslaio pro outro lado da rua, observando uma loira correndo na direção de uma menina não muito alta que eu, com as madeixas rosadas presas em um coque frouxo; usava um vestido vermelho de alça.

- Papai sempre se atrasa com as coisas, sabe como ele é_ sua voz era suave, mas não timida, pareciam velhas amigas de infância - acho que já tinha visto aquela loirinha por ali, mas não lembrava seu nome.

Susano me puxou de uma vez, me assustando com o movimento brusco, me fazendo cair de joelhos na calçada. Sinto que chamei a atenção demais, querendo me enterrar em algum canto daquelas poças de lama. Me levanto, limpando meus joelhos sujos de terra, continuando o "passeio", como se nada tivesse acontecido.

A nova vizinha era como o céu do fim da tarde, seu cabelo mesclava junto com os últimos raios de sol do dia. O vermelho pincelava seus traços gentis, era a perfeita pintura de uma tarde de primavera.

Haruno Sakura.

Inquietude do amor  - SasuSakuOnde histórias criam vida. Descubra agora