Tudo começa com

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um café ruim em uma cafeteria com cara de quem vai fechar. 

Eu não sei porque ainda me sujeito de vir a esses lugares. Eles são horríveis. O cheiro de madeira mofada, de café queimado, de leite azedo e de rosquinhas vencidas. Mas há esse toque - de desastre sem precedente - que sempre me puxa como um imã.

Talvez porque eu seja igual. 

Um desastre sem precedentes.

A atendente do balcão está me encarando como se adivinhasse no que estou pensando. Talvez ela esteja com raiva por eu estar comparando o café ruim dela comigo mesma. Provável que o café não chegue aos meus pés.

Eu dou outro gole no café muito quente e com falta de açúcar. Se eu não estivesse parecendo uma mendiga que foi assaltada e atropelada enquanto atravessava a Marginal, talvez, só talvez, eu poderia ir até o balcão e soltar uma cantada inofensiva para ver se ela joga no meu time.

E sobre a minha aparência, eu não estou brincando. Meus cabelos curtos e coloridos estão com todas as pontas-duplas a mostras. Minhas unhas tem esmalte de há dois meses atrás, as bordas são ruídas. Peguei a camiseta mais larga de desenho animado que achei e que não estivesse cheirando mal. Estou com a leggin que uso para pintar as telas quando preciso me distrair e olha só... Ela está toda manchada.

Nem vou falar sobre meu rosto. Cheio de espinhas pré-menstrual, aquelas olheiras de estudante ansioso e o lábio todo descascado pela mania feia que eu carrego de ficar os mordendo quando me sinto nervosa. Como agora.

Não é nem pelo olhar de predador da atendente. É que desde que eu saí de casa senti como se alguém estivesse me seguindo. Mas é impossível. Se estivesse, eu veria.

Essa cafeteria é horrível, mas a vista dela é boa. De frente para a 24 de maio, bem em uma esquina, consigo ficar de olho nos 3 lados. São 17:30 na movimentada cidade de São Paulo mas mesmo assim, a rua não está com movimento. Talvez seja por ser Segunda-feira e os turnos da maioria dos trabalhadores do centro acabar daqui 30 minutos.

E dentro desse café além de mim e da bonitinha do balcão só tem um velho no canto sugando de forma grotesca o que, eu suponha que seja, um donutt muito gorduroso.

Provavelmente minha mente só está exausta demais por eu não ter dormido muito bem. Se eu cochilasse um pouco, essa sensação ia embora e eu poderia voltar ao sorriso cafajeste e aos olhos brilhando em sacarmos. Muitos diziam que eu me daria bem em jogos de azar.

Eu me dava, mas eles não precisavam saber.

De qualquer forma, eu escondi minha cabeça entre minhas mãos e desejei que a pequena dor de cabeça por causa do estresse passasse. Ela não passou, mas o sono veio. Mal havia cafeína no meu café, o que facilitou muita coisa. Tenho quase certeza de que essa bebida é 96% água e 4% pó de café.

Tudo bem, vou parar de difamar a bebida.

A questão é que eu dormi. Provavelmente não mais do que alguns poucos minutos, mas foi o suficiente para eu acabar tendo uma visão bizarra.

...As prateleiras de vidro atrás do balcão vão explodir e os cacos vão cair encima da atendente. O velho no canto vai se engasgar de susto e o cano da arma vai ser apontada para...

Sem tempo para ver o final. 

O som de vidro explodindo e a garota gritando me acordou e eu levantei segurando o maldito copo de café na minha mão.

O velho começou a emitir um som grotesco e engasgado bem na hora em que eu levantei da cadeira e derrubei a mesa para fazer de escudo. Foi automático, assim que eu vi o brilho do cano apontado na minha direção, minha mente fez os meus músculos fazer o que tinha que ser feito. O barulho de arma sendo disparada não era nada do que eu havia imaginado. Ele havia saído tão silencioso que eu quase achei que não havia tido nenhum disparo.

Mas o buraco na madeira mofada me fez entender que não era brincadeira. Sério, o ministério da saúde devia  dar uma pulada aqui. Tenho quase certeza de ter visto alguns ratos correndo para fora do buraco e passarem por cima do corpo da atendente desacordada. 

Havia dois desacordados. Um, provavelmente estava morto. Estava longe demais para eu conseguir checar se o peito do velhote subia e descia. E meus óculos estavam em casa. 

É nesse ponto da história que provavelmente o personagem fica em algum lado. Um herói, um anti-herói ou um vilão.  

Vou ser bem sincera: eu não me importo. Posso ser os três e posso ser nenhum.

E a única coisa que eu estou preocupada no momento é comigo mesma porque vem vindo outro tiro aí.

Eu olhei de relance para  o atirador por cima da mesa. Outra coisa que eu não esperava. Acho que quando entramos em situações de vida e morte, nosso cérebro nos lembra de todos os filmes e animes de ações horríveis que assistimos. Então, eu esperava alguém assustador e mascarado,  um sobretudo preto ou então alguma doença que deixasse o rosto da pessoa completamente desformado. 

O cara era lindo. Uma pele morena brilhante que brilhava com a luz do fim da tarde. Os olhos estavam escuros mesmo com a boa iluminação, os lábios estavam pintados ou ele era muito saudável. Não havia sequer uma marquinha na face do rosto. E estava de regata e jeans como se fosse apenas um passante, e oh! Que belos bíceps, posso fazer eles de travesseiro, meu caro assassino desconhecido?

Ele estava mais atraente do que eu, e mesmo que, em outras circunstâncias eu meteria um beijo naquela boca, eu queria muito descer a porrada nele.

Odiava pessoas jovens bonitas que pareciam invulneráveis a puberdade.

Ele mirou e atirou. Esse passou de raspão, pegando as pontas do meu cabelo. Eu me agachei, apertando com força meu ouvido direito que doía como o inferno. Respirei fundo, decidindo ignorar aquela dor e fiquei em pé dessa vez. Segurei o copo de café com mais firmeza antes de o arremessar encima do atirador barra gostosão barra maluco. A minha sorte é que ele caiu na cabeça do cara, a tampa do copo de isopor abriu e todo o líquido escuro caiu nele, o queimando. 

Ele soltou um grito fino, o que não combinava muito com a idealização dele que estava em minha mente e aproveitei a deixa para ir para o balcão.

Pulei por cima e me agachei, começando a revirar todas as caixas guardadas na prateleiras internas. A balconista gemeu, mas não deu sinal de acordar. Eu achei algumas facas, o que seria bem mais útil.

Mas vamos ser sinceros: falar que você mataria alguém não significa que você realmente mataria. Eu vivo falando para os meus amigos como eu mataria fulano, como eu esconderia seu corpo, isso e aquilo. Porém, eu nunca pensei que algum dia, eu estaria em uma situação que eu precisaria matar alguém. 

Quer dizer, eu vou matar ele e aí?

O meu azar deve ter ficado com dó de mim e voltado um pouco atrás. Olhando para o vão entre o chão e a primeira prateleira interna, há um desses bastões de beiseboll que a gente sempre vê a garota com yandere carregando pela a escola e que nunca faz ninguém parar ela. É muito suspeito mas você nunca vê ninguém parando ela no meio do episódio e perguntando porque ela está com aquele taco.

Se não quer me ouvir falar, não cite anime, série barata ou livros.

Bem, enfim. Vocês estão aqui pela ação e não pelos bons pensamentos sarcásticos que eu tenho sobre toda a porcaria de conteúdo que consumismo no tédio.

Eu peguei a droga do taco e dei uma espiadinha rápida na situação. O homem, ou o deus grego se quiserem, estava tentando secar o café com os guardanapos baratos que ficavam encima das mesas e gemia cada vez que tinha que tocar em sua pele. Acho que ele não estava esperando que eu fosse retrucar ou jogar café nele, porque está com a guarda completamente abaixada, arma encima da mesa, ainda ao alcançe da sua mão.

Era o momento perfeito para recriar mais uma cena fictícia que eu amava. Aquela onde a protagonista sobe encima  do balcão, pula segurando o taco com firmeza encima da cabeça e acerta ele bem na cabeça do maluco.

E foi bem isso o que eu fiz.

Conclusão: eu nunca mais quero ouvir o som da madeira batendo com força em um crânio.

Exploda-se.Onde histórias criam vida. Descubra agora