1 - o nascer do sol

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arte: @boom_sate225 | twitter

A cena continuava aparecendo em meus sonhos, se é que posso chamá-los assim...pesadelos se encaixariam melhor na descrição. Eu ainda conseguia sentir o peso do seu corpo desacordado em meu colo e a textura sedosa dos cabelos avermelhados roçando meus dedos após acordar suando frio em meu futon. O fraco sorriso que me deu antes de ir...me perseguia diariamente.

Dormir se tornara difícil, mesmo tendo deixado o apartamento que eu vivia com Cole há dois meses e reservado este flat. Minha antiga casa abrigava muitas memórias num só espaço para suportar. Desde a escova de dente roxa que me recusei a jogar fora as mudas de suas roupas intocadas no nosso closet. Era inacreditável como as pessoas poderiam desaparecer de uma hora para a outra.

A janela da minha nova moradia estava aberta e eu escutei a sirene de uma ambulância de longe, soprando as escuras mechas molhadas da minha testa como se o mundo ao meu redor fizesse questão de relembrar os eventos no estúdio. Não que eu fosse capaz de me livrar do ocorrido sem os lembretes. Meus batimentos aceleraram com o rolar das lágrimas incessante e subitamente, o ar se tornou pesado demais para considerar respirar. Suplicando para que a lua o trouxesse de volta, fitei as raras estrelas presentes no céu e me perguntei se ele podia me escutar de lá.

O pensamento piorou a minha situação. Deixei que o ataque de ansiedade continuasse, encarando a dor que esmagava meu peito e o calor que me sufocava como a punição que eu merecia. Cole não deveria ter morrido...eu deveria ter ido em seu lugar. A afinidade dele com as câmeras era inacreditável e a mídia agora sofria para suprir a lacuna que ele deixou. Afinal, ele era o equilíbrio perfeito entre vaidade e carisma, fez o seu nome por entregar além do proposto nos contratos.

Mais do que os outros perderam, eu sabia que ele seria insubstituível para mim. Eu não me via mais como um fotógrafo, minha carreira estava completamente despedaçada com a sua partida. Cole enterrou qualquer chance de felicidade consigo, já que todos os nossos planos de uma vida juntos também viraram cinzas.

Voei muito perto do sol e me queimei...ninguém pode ter tudo.

Se eu soubesse que almejar o sucesso me tiraria tanto, eu abdicaria do meu sonho sem pensar duas vezes. Cole ainda estaria aqui. Me encolhi na fina camada que o futon me proporcionava, abraçando minhas pernas enquanto ainda soluçava. O sol começava a nascer quando apaguei de exaustão, praguejando a bela paisagem que me encarava de fora...a confirmação que eu teria de sobreviver a outro dia naquele inferno sem fim. O mesmo pesadelo me cumprimentou ao fechar os olhos.



☾ ☼



O relógio marcava 3 da tarde e eu recusava a chamada de vídeo da minha mãe pela quinta vez, não podia deixar que visse o quão fundas estavam as minhas olheiras ou o rosto macilento que eu tinha que chamar de meu. Eu mesmo mal reconhecia a imagem que refletia no espelho, mas não era de se estranhar com a falta de apetite que eu tinha.

Para a minha sorte, sustentar a farsa de que eu estava lidando com a perda de forma saudável era simples, bastava simular o tom alegre e entusiasmado com que estavam acostumados durante as ligações. Só precisava manter o personagens nesses meros minutos. Era um dos motivos pelo qual eu sempre descartava a opção de sair de Nova York e retornar para o Japão, onde minha família inteira morava.

Como eu disse, um dos motivos. Nesse momento, dois seguranças estavam postados na porta por conta da investigação, apesar de não tê-los visto desde a mudança. Eu não podia sair do país...não até resolverem o crime.

Não tinha como provar minha inocência de maneira incontestável, todos eram potenciais culpados com a irritante falta de provas. Nenhuma impressão digital, nenhum movimento suspeito registrado nas câmeras de segurança externas e zero motivos aparentes para o atentado. Os interrogatórios não revelaram absolutamente nada às autoridades. Pelo menos, não que eu tenha sido informado.

Era humilhante que eu ainda fosse uma possibilidade para a polícia a essa altura. Não entendia a política de deixar o estúdio livre exigida pelo proprietário e agora odiava ter assinado aquele maldito contrato. O que me consolava eram as altas multas que ele estava tendo que pagar pela violação das diretrizes de segurança.

A única pessoa que tenho tido contato direto é a moça encarregada da limpeza e minhas refeições. Eu a agradecia com o máximo de gentileza que eu conseguia convocar no vazio que me tomou e silenciou qualquer empatia que eu pudesse sentir.

Nada realmente me importava e eu esperava que achassem o culpado enquanto devorava mais uma série. Eu assistia animes, para ser honesto, descobri uma forma bem eficiente de escape neles e assim, conseguia me desligar da minha vida por algumas horas para focar nos problemas deles.

- Sr. Okumura?- três batidas firmes me fizeram pausar o episódio e eu bufei ao levantar do sofá.

Não me incomodei em vestir nada além do roupão azul para cobrir meu físico deprimente para completar a calça moletom de pijama, que estava escorregadia em meu quadril pelos quilos que perdi. Abri somente o suficiente para manter a cordinha da tranca presa e lhes dar um vislumbre do meu rosto.

- Sim?- respondi, incapaz de mascarar o desinteresse em meu tom.

- Preciso que venha conosco.- o rapaz mais alto solicitou sem mais delongas.

Quis questionar, inventar uma desculpa para não deixar o meu cômodo, mas exigiria energia demais. Assenti, fechando a porta em seguida, meus ombros pareciam ter decaído mais com a notícia de que eu teria de sair. Passei um desodorante, coloquei um moletom vinho e uma calça jeans...que para variar, estava folgada. Enfiei a carteira em um dos bolsos e catei as chaves na mesa de centro, compelido a levar a máquina fotográfica comigo pelo costume.

Tentei lutar contra a vontade de carregá-la, mas não funcionou. Alguns hábitos demoravam a morrer. Seria como carregar um peso morto, sabendo que eu não iria usá-la. Sem tempo para lidar com o conflito interno, pus a alça sobre o meu ombro e me desloquei até a delegacia acompanhado pelos seguranças. Evitei olhar a cidade no trajeto, transbordando de ansiedade ao entrar no escritório do delegado responsável pelo caso.

- Temos novidades, Sr. Okumura.- o homem de meia idade, descruzou as pernas ao me avistar e enrijeceu a postura.

Pelo jeito, boa coisa não pode ser...



nota da autora:

- não esqueça de votar e comentar, isso ajuda bastante a promover a história -

- Me perdoem por fazer o Eiji sofrer...só achei que seria interessante inverter os papéis e deixar o Ash ser o conforto dele dessa vez. Falando no Lynx, vou dar o meu melhor para entregar uma entrada digna.

- Os capítulos vão ser nessa média de 1000 palavras, escrever 4000 como em consequências tava me dando muito bloqueio. Assim, pelo menos, sei que não vou demorar tanto para postar atualizações!

Ah, e se não for pedir demais, vcs podem dar uma olhada no meu canal no youtube? O mais recente está na capa desse cap!


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youtube: amanda hikague


nos bastidores | ash x eijiOnde histórias criam vida. Descubra agora