Último desejo

Tormento

         _ AAAAAHHH!

    América acorda sobressaltado durante a madrugada, ofegante e suando frio. Seu coração batia tão rápido que podia ser ouvido por quem estivesse perto dele. Rússia, deitado no chão, não o ouviu, porém seu grito, era impossível não escutar. O verdugo arregalou os olhos despertando imediatamente com o susto.

_ O que houve?

_ Ah... foi um sonho. _ Ele suspira aliviado esfregando o rosto com as duas mãos e senta-se na beirada da cama. Provavelmente não recuperaria o sono. _Eu revivi o dia em que fui traído e preso. Eu vi os vilarejos queimando e os aldeões correndo desesperados aos gritos, até as crianças. Os nobres que nos matavam tinham rostos de demônios e sorriam de um jeito macabro, assustador. Eu tentava mata-los mas não conseguia, corria na direção deles com um machado mas eles pareciam se afastar. Eu nunca os alcançava. De repente o chão ficou escuro e eu caí numa espécie de abismo e os gritos dos camponeses me acompanhavam... _ O americano para um instante com as mãos trêmulas. Encolhe-se na cama puxando os joelhos para si e afundando o rosto neles. Uma sensação ruim brotava em seu coração e irradiava por todo o seu corpo. Sentia-se fraco, patético, inútil.

    Rússia se levantou e sentou-se no banco de pedra de frente a ele. Algo parecia incomodá-lo. Não era de se importar com a agonia de suas vítimas, mas por algum motivo que não sabia explicar, o americano chamava a sua atenção. Achou até mesmo que por um momento estava prestes a ter o impulso de ir tocar em seus cabelos e acalma-lo, mas afastou esse pensamento crendo que era só um devaneio estúpido causado pelo tempo que permanecia naquele lugar escuro e insalubre.

_ Olha, eu não sou bom com as palavras, mas creio que você fez bem em lutar por aquilo que acreditava. No entanto, foi uma grande tolice lutar contra um poder tão grande. O que te levou a crer que teria sucesso?

_ Bem... _ ele ergue o rosto olhando para além das grades de sua cela_ admito que no começo foi por vingança, mas depois eu percebi que, apenas vingando a minha irmã, não mudaria nada a minha situação e a de todos os outros camponeses. Seria um ato isolado. Eu iria pra forca, a injustiça contra a minha família seria esquecida e tudo voltaria a ser como era antes. Então... _ ele cerra um dos punhos respirando fundo e estufando o peito_ eu quis lutar. Eu quis mudar tudo. Quis dar a mim mesmo e aos meus uma chance de acabar com o sistema vigente e finalmente ter alguma esperança de mudarmos nossas vidas miseráveis.

_ Mas _ Rússia cruza os braços se acomodando melhor no banco_ a igreja sempre disse que nossos papéis nesse mundo eram determinados por Deus. Se alguém nasce pobre é porque Deus assim o quer. Eu não sou o melhor exemplo de cristão devoto, mas sempre ouvi isso e sempre acreditei. Por isso me tornei carrasco assim como meu pai. Ele sempre me disse que era esta a posição que Deus queria que eu ocupasse no mundo.

     América ri baixinho. Não esperava que seu algoz pudesse falar dessa maneira tão devota. Afinal, alguém que carregava tantos pecados não teria tanta calma assim para falar de Deus.

_ Está enganado, diabo! Deus não tem nada a ver com isso. São esses ratos no poder quem nos impõem essa vida de misérias. Você acha mesmo que Deus tem tempo para ficar determinando o que cada um deve ou não deve ser? Ele tem coisas mais importantes para fazer. E você, meu amigo, se tornou carrasco por influência de seu pai. Ele te manipulou para acreditar nessa bobagem de "Deus me quer aqui". Mas não o culpe. Ele também foi manipulado. E seu avô, seu bisavô e por aí vai. Você teve a infelicidade de ser recrutado para um dos ofícios mais indignos e eu para ser um escravo dos campos que viveu apenas para encher as mesas dos nobres enquanto minha família passava fome. Não foi Deus quem instituiu isso, foram os nobres e os clérigos. Somos vítimas da manutenção de um sistema injusto. Meros peões no jogo deles.