Capítulo 05

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O primeiro tiro, como sempre, foi apenas uma forma de "chamar" os outros. Ainda não estava muito acostumada com o coice da nova escopeta, mas minha mira não estava tão ruim. Eu permaneci de costas para meu tio, de olho em cada movimento. A pequena bolsa com munição estava pesada e me incomodando. O pior era o silêncio, que me incomodava muito mais que qualquer peso. Podia ver meu pai de onde estava. Ele, como sempre, dava cada passo com maestria, parecendo que havia nascido para aquele tipo de vida. A madeira estalou no cômodo ao lado e eu posicionei a arma, tensa.
– Não atira, – Sam disse. – sou eu.
Abaixei a arma enquanto Sam saía de trás da parede, abraçado por trás por um deles, recebendo uma gravata nada confortável. Eu voltei a arma para a mesma posição de antes. O homem riu.
– Se eu fosse você, aprendia a atirar antes de apontar essa merda pra mim.
Carreguei a arma, mais certa do que nunca da minha mira, mas receosa de não obter o efeito esperado com o tiro.
– E se eu fosse você, aprendia a não pegar amigo meu como refém.
Antes que eu pensasse em puxar o gatilho, Dean conseguiu se esgueirar por trás dele e enfiou uma faca em seu ombro. Ele riu quando sua vítima caiu e Sam conseguiu se desvencilhar do homem, praticamente correndo na minha direção.
– Vampiros não deveriam deixar cadáveres ainda com sangue tão próximos deles. – Dean brincou, rindo.
Nossa chegada causou uma briga um tanto quanto feia e resultou na morte de três pessoas que não tinham nada a ver com aquilo. Felizmente – ou não –¸ nós tínhamos fácil acesso a sangue de três cadáveres. Pegamos as cordas que tínhamos. Meu pai, que praticamente não se incomodava com o ato em si, abriu o abdômen de um deles e "lavou" a corda nas entranhas do desconhecido. Amarramos o vampiro em uma coluna, dentro de uma casa abandonada que encontramos por perto. Eu puxei uma maleta que encontrei pela casa e me sentei de frente para o homem. O pouco de consciência que ainda lhe restava fazia com que ele olhasse para mim com ódio, enquanto eu devolvia o olhar cheio de sarcasmo. Meu tio se encostou em uma parede próxima e meu pai se aproximou, carregando um pote cheio de sangue e uma faca.
– Informo previamente que não é minha primeira vez interrogando um monstro como você pra saber o que tá rolando a respeito da minha filha e, quem não me respondeu antes, eu matei.
– Eu imagino. – Ele respondeu, agonizando.
– Posso saber seu nome?
– Não te interessa.
Meu pai riu.
– Bonito nome, 'não te interessa'. Você se importaria de me ajudar com uma informação? Estou particularmente focado em saber se você tem algo a ver com a perseguição incomum que minha filha anda sofrendo.
Foi a vez do homem rir, mesmo com dor.
– Até onde sei, não é só sua filha que tá sendo perseguida. E se você é tão bom quanto diz que é, deveria saber que não se trata de nenhum tipo de perseguição.
– Então do que se trata?
Ele permaneceu em silêncio, com os lábios lacrados. Meu pai molhou a faca no sangue que estava no pote enquanto o vampiro acompanhou com os olhos.
– Do que se trata, 'não te interessa'?
O mutismo continuou, sendo apenas interrompido pelo grunhido do homem após a facada que meu pai acertou em sua coxa direita, exibindo todas as suas presas em um sorriso macabro.
– Ainda não sabe do que se trata? Porque, de onde veio essa, tem mais.
– Traz o Winchester aqui. – Ele rosnou.
– Nenhum Winchester vai colocar o pé nessa cidade tão cedo, 'não te interessa'.
Ele fungou com o nariz e sorriu.
– Será que não?
– Estou aqui, pode falar. – A voz de Dean ecoou pelo ambiente.
Ele se colocou no espaço que havia entre eu e meu pai em posição militar. Embora não soubesse exatamente onde e como Dean estava escondido, todos nós tínhamos conhecimento de que ele não escaparia do olfato de um vampiro.
– Fiquei me perguntando quanto tempo você demoraria pra aparecer.
– Eu tava tirando uma água do joelho. – Dean ironizou.
– Tenho minhas dúvidas.
Dean pegou a faca, ainda suja do sangue, e cravou na outra coxa do vampiro, arrancando mais um grunhido profundo.
– Eu, diferentemente do meu querido amigo Abe, atiro antes e faço perguntas depois, então sugiro que você não brinque comigo. – Ele rosnou.
– Conto o que você quiser, basta pedir.
– Então você vai me explicar detalhadamente o que tá acontecendo e, se eu não me sentir satisfeito com a resposta, eu corto o seu pescoço antes de você pensar em me dirigir outro desses seus olhares cheios de uma imponência que só existe na sua imaginação.
– Tem um grupo de bruxas milenares interessado em capturar vocês dois juntos por conta do que vocês fizeram com Lilith.
– Necessariamente juntos?
– Aparentemente, vocês dois devem estar o tempo inteiro juntos pra que possibilitem um ritual que colocaria Lilith como chefe do inferno.
– Qual a sua parte nisso?
– A recompensa que tá sendo oferecida é muito boa.
– E o que bruxas tem a ver com um demônio? – Ele perguntou.
– Aí eu não sei.
O corte foi rápido e preciso, me deixando surpresa mesmo que eu estivesse atenta ao que estava acontecendo. Arrumamos nossas coisas e ateamos fogo ao corpo. Em questão de horas, estávamos entrando no estado do Colorado. Paramos em um recuo na beira da estrada, guiados por meu tio. Saímos de nossos carros em silêncio, com nossas mentes trabalhando solitariamente em processar, interpretar e responder os últimos acontecimentos. Eu deixei os homens se aproximarem enquanto apenas encostei na lateral do meu carro.
– Acho que isso aqui é um adeus, já que nós dois separados somos inúteis. – Eu disse enquanto Sam encostava ao meu lado.
– Ou é justamente o contrário. – Meu pai disse.
– Abe...
– Cala a boca, Robert.
– É da vida da Allison que nós estamos falando! – Meu tio gritou.
– Sou o pai dela, a melhor pessoa pra tomar essa decisão.
– O senhor quer justamente fazer o oposto. – Deduzi. – Quer nos colocar juntos porque vai atrair o que tá atrás da gente e, assim, as respostas vão começar a surgir.
– E com as respostas, a gente pode descobrir como se livrar disso. De novo. – Dean me completou.
Eu e ele nos olhamos por longos e silenciosos segundos. Fui a primeira a desviar o olhar, logo assim que começou a ficar constrangedor.
– Achei que ficou claro, quando eu me tornei uma caçadora como vocês, que eu poderia dar uma pausa do serviço quando bem entendesse. Isso ainda está de pé?
– Claro, mas...
– Mas então eu vejo vocês daqui a uns dias.
Meu pai sabia das minhas escapadas, claramente, mas não fazia ideia de qual era o meu destino. Certamente, nem sabia que meu destino era sempre o mesmo, ou ao menos eu achava que não. Ele daria um ótimo detetive caso tivesse uma vida normal e isso era, com certeza, motivo para desconfiar de que ele sabia da cabana no meio dos Everglades. Ninguém me viu seguindo para o sudeste do país mas poderiam me rastrear se procurassem pelas minhas possíveis identidades falsas. Por isso, dormi dentro do carro mesmo. Em uma mercearia fajuta na beira da estrada, me abasteci com bastante macarrão instantâneo, comida enlatada e refeições congeladas. O Charger, é claro, não se sentia muito confortável com o terreno do parque, mas minhas pequenas modificações fizeram com que o trecho se tornasse mais fácil com o tempo.
Eu havia encontrado aquela construção de um quarto, uma cozinha e um banheiro por acaso durante uma investigação muito louca. Quando deu vontade de escapar do mundo pela primeira vez, fui para lá. Enchi o lugar com chaves de Salomão da mesma tinta que usávamos na fazenda. Minha próxima vontade era instalar irrigadores abastecidos com água benta que ficassem ligados o dia inteiro, mas meu cérebro ainda não havia processado como fazer aquilo sozinha.
Toda vez que eu voltava lá, me surpreendia com o lugar seguir intacto. Eu joguei a bolsa com minhas roupas em cima da cama enquanto terminava de retirar as coisas do carro. Uma minúscula hidrelétrica em um riacho próximo fornecia energia suficiente para a casa. Fervi um pouco de leite e misturei com achocolatado. Nunca sabia ao certo quanto tempo passaria lá, então sempre existia a possibilidade de eu ter comprado mais coisas do que o necessário. Dormi antes de chegar na metade do copo.
A manhã do outro dia chegou cedo demais para mim. Eu me revirei na cama, lutando insistentemente para não acordar e levantar antes da hora que pretendia. Quanto mais sono, melhor, pois significava menos tempo consciente de tudo que estava acontecendo. Saí, eventualmente, para dar uma caminhada em volta do lugar, não sem levar duas pistolas na cintura e uma escopeta na mão. Era janeiro e o frio era de matar, mas eu não desanimei. Rodei e rodei até não conseguir mais achar necessidade naquilo. Voltei para a cabana, mais chocolate quente e, então, eu me senti mais leve. Um longo período debaixo da água quente da banheira antiga foi mais que útil. Fiquei mais três dias, sozinha em meio à selva, eu e meus pensamentos.
Era sempre surpresa quando eu voltava para casa. Meu pai devia ter escutado o barulho de longe e me esperava na varanda do casarão da fazenda, claramente contendo uma excitação engraçada.
– Fez bom proveito do tempo longe? – Ele perguntou quando eu o abracei a fim de cumprimenta-lo.
– Ótimo, eu diria. Perdi alguma coisa?
– Nossas galinhas estavam sumindo e eu comecei a achar estranho até que encontrei um buraco na grade suficiente para uma raposa se esgueirar.
– E consertou o buraco? – Perguntei.
– Na verdade, Harold tá lá agora, escondido atrás de uma folha de compensado, esperando a raposa aparecer pra atirar nela.
– Coitada da raposa.
– Coitadas das nossas galinhas. – Meu pai implicou.
– A raposa não sobrevive se não comer.
– Ela comeu as galinhas da pessoa errada, então não vai sobreviver de qualquer jeito.
Eu dei o primeiro passo para dentro de casa e, de repente, uma sensação estranha tomou conta de mim, fazendo com que eu abrisse mais os olhos para dar uma boa vistoriada no local.
– Aconteceu alguma coisa?
– Eu ia te fazer a mesma pergunta. – Respondi meu pai. – Tem alguma coisa errada aqui.
– Que tipo de coisa errada?
– Parece o campo eletromagnético que um fantasma criaria.
– Mas a casa tá protegida contra essas coisas. – Meu pai disse, as sobrancelhas arqueadas.
– E é justamente isso que me assusta.
Meu pai buscou uma arma com balas de sal grosso em cima do aparador do hall de entrada.
– Você acha que nossa segurança possa estar comprometida?
Eu respirei fundo, dei mais alguns passos. Estava nervosa sem entender o motivo. Pensei, pensei, pensei. Decidi relaxar e não preocupar meu velho.
– Deixa pra lá, deve ser o trabalho mexendo com a minha cabeça.
– Tem certeza?
Eu nem respondi e já subi para o meu quarto, completamente exausta da viagem de dois dias de Miami até o Kansas. Fiz um pouco mais do que havia feito durante todos os outros dias longe dali e levantei quase com um tapa na cara. Meu pai batia o pé no chão de madeira próximo da cabeceira da cama.
– Tem serviço.
– Eu preciso ir? – Perguntei, sonolenta.
– Allison Singer negando um caso?
Eu ri e me sentei na beira do colchão. Meu mundo girou.
– Allison Singer tá se sentindo quase bêbada.
– Bem, como sempre, você não é obrigada a ir. Eu to indo com seu tio pra uma cidade no interior de Washington. Devo sair em menos de meia hora mas eu ligo pra avisar sobre o andamento das coisas.
Meu pai deu um beijo na minha testa.
– Toma cuidado.
Eu enrolei, esperei que ele saísse e desci o terreno da propriedade para o estábulo. Storm sentiu meu cheiro antes mesmo de eu entrar na construção e começou a fazer festa. Eu busquei uma escova no almoxarifado e entrei na baia dele, sendo recepcionada por um beijo babado na minha cabeça. Empurrei Storm um pouco para trás enquanto ria.
– Calma, garotão, eu sigo comendo igual você mas pesando bem menos.
Ele se posicionou próximo a mim, quase como se entendesse minhas palavras. Eu ri da situação e comecei a pentear delicadamente sua crina, tomando cuidado para desembaraçar fio por fio sem machucar meu bebê com uma lentidão exagerada. Levei horas ali.

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