Capítulo 19

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Eu imediatamente joguei meu cotovelo para trás, acertando algo em cheio, mas logo meus braços também foram imobilizados com um abraço forte na altura da minha cintura.
– Para de lutar, Ally, pelo amor de Deus. – Dean disse, sussurrando perto demais do meu ouvido, me deixando mais puta ainda. – Eu vou te soltar. Por favor, não grita e não me bate.
O aperto foi afrouxando lentamente e eu ainda estava decidindo se iria reagir ou não. Ao invés de partir para a porradaria – e Deus, como eu queria bater naquele filho da puta –, eu abri a porta e entrei no carro. Ele ficou do lado de fora, me observando. Encaixei a chave na ignição e girei. Não houve nenhum som. Eu olhei para ele e, cheia de ódio, saí do carro.
– O que você fez com o meu carro? – Esbravejei.
– Pode ser que eu tenha tirado um certo fusível geral.
– Dean...
– Deixa eu me explicar! – Ele gritou.
– Eu não quero explicação. Já parou pra pensar nisso?
– Ally, por favor, tenta...
– Tentar o quê, Dean? – Eu o interrompi. – Tentar te entender? Ah, brilhante ideia, não é mesmo? Por que será que você não tentou me entender, Dean?
– Que chance que eu tive? Você foi embora!
– Será que foi porque você me olhou como se eu fosse a pessoa mais repulsiva do mundo?
– Eu não te olhei assim.
– Me poupe dessa, Dean. – Eu disse e lhe dei as costas, andando para longe dele.
Imediatamente, Dean apertou o passo na minha direção e parou de frente para mim. Eu desviei o olhar no mesmo instante.
– Você me beijou e não me deu nem cinco segundos pra reagir, Ally. Você foi embora. Eu fui atrás de você assim que assimilei tudo, mas não dava pra eu ser mais rápido que seu carro. Quando eu percebi que o meu irmão sabia e não tinha contado nada pra mim, deixei a raiva tomar conta de mim e acabei perdendo a chance de ir atrás com meu carro.
– Só falta você me dizer que ia me dar uma fechada, sair do carro, me puxar pela cintura e me dar um beijo cinematográfico.
– Não, Ally, mas eu ia querer te ouvir e conversar a respeito.
– Eu não quero falar mais nada. Foi uma paixão que durou mais de sete anos e você tá de parabéns, conseguiu mandar tudo pra puta que pariu com apenas um olhar.
– Sete anos, Ally? – Ele perguntou. – Passou esse tempo todo comigo e não me contou nada?
– Agora eu sou a culpada. – Debochei.
– Não to te culpando, só queria saber o porquê de você não ter conversado comigo em nenhum momento. Ficamos sozinhos várias vezes, tínhamos intimidade suficiente pra tratar do assunto como adultos.
– É, mas você também tinha intimidade suficiente com todo e qualquer rabo de saia que surgisse na sua frente. Você queria que eu me sujeitasse a me tornar mais um número na sua vida?
– Você nunca seria só um número pra mim, Ally! – Ele gritou. – Ter um relacionamento com alguém significa colocar a pessoa na reta de tudo o que a gente caça. Por isso, eu nunca pensaria em ter uma coisa séria com qualquer pessoa, e por isso que eu tenho esse comportamento errante, se assim posso dizer. Você já corre risco demais, viraria um alvo piscando em neon se nós tivéssemos um relacionamento. E eu nunca iria querer você no meio da linha de tiro. Você é minha família e eu te amo.
Meus ombros murcharam.
– Mas não ama do jeito que eu gostaria que amasse. – Eu declarei. – Não é suficiente pra mim. Perdi a conta das vezes em que eu tive que engolir em seco porque você tava comendo outra mulher e eu não podia me sentir ofendida porque você não era meu. Tive que manter segredo de todo mundo com medo da reação do meu pai. Eu não tinha uma irmã pra desabafar como você tem, Dean, então eu peguei emprestado o seu. Desculpa não ter te consultado sobre isso. Mas tudo o que Sam dizia a respeito era "Você quer que eu converse com ele a respeito?", e isso só fazia com que eu me sentisse fraca.
– Ally...
– Por favor, Dean, me deixa terminar. – Insisti. – Todo o sentimento de frustração que estava em mim quando eu decidi tentar a chance e te beijar... Tudo se transformou em vergonha de sentir o que eu sentia. A sua rejeição foi a coisa mais violenta que eu já tive que enfrentar e acabou comigo. Eu quase não to conseguindo respirar agora, Dean, de tão pesado que meu peito tá. Doeu em mim nos últimos anos e aquele olhar que você me deu foi a facada final. Eu decidi colocar um ponto final nisso, e prefiro que continue assim, pelo meu próprio bem. Então, por favor, devolve o fusível do meu carro e me deixa ir embora. E, se você realmente me ama como acabou de me dizer, não me procura nunca mais.
Não percebi que tinha começado a chorar. Dean se aproximou e tentou limpar meu rosto com os dedos. Seu olhar repousava com cautela sobre mim. Eu achei que ele fosse me beijar. Meu cérebro até processou que era isso que eu queria. Cheguei a respirar fundo mas, então, ele deu um passo para trás e tirou o fusível do bolso da sua calça.
– Não existem palavras que possam descrever o quanto eu sinto muito por ter te magoado, Ally. Eu faria de tudo pra corrigir isso mas, se é assim que você quer, vou procurar te agradar.
– Por favor, não conta pro meu pai sobre isso.
– Não vou. – Ele disse imediatamente.
– Eu interroguei a mulher da vítima e ela não me deixou ver onde a vítima ficava. Ela tentou criar uma estorinha sobre inimizade entre os irmãos. – Falei. – Eu vim aqui falar com o pai deles, que dizem ser senil, mas está completamente lúcido. A mulher dele não deixa falar com ele de jeito nenhum, mas a empregada tá disposta a ajudar. Tem algo sobre bruxaria nessa história. Ele acha que somos agentes do FBI, to usando o sobrenome Speight.
Ele assentiu e desviou o olhar.
– Pega o culpado por isso, Dean. Nada vai me deixar mais satisfeita do que isso.
Ele fingiu um sorriso fraco e foi até meu carro, abrindo o capô e colocando o fusível de volta no lugar. Assim que Dean terminou, eu entrei no carro e parti. Era possível vê-lo em pé, imóvel, olhando para toda a poeira que eu acabara de levantar com minha retirada. A primeira coisa que fiz quando peguei o asfalto foi discar o número do meu tio. Uma, duas, três vezes. Nada. Na quarta, eu tive sorte e ele atendeu.
– Ally, to tentando falar com você faz um tempo.
– Você tá em casa, tio?
– Sim, estou. Seu pai tinha me chamado pra ajudar num caso, mas acho que você tava junto.
– Tava. E eu acho que o senhor sabe o que aconteceu.
Ele suspirou.
– Você tá bem, querida?
Eu respirei fundo mais vezes do que poderia contar. O peito ainda estava pesado.
– To, – Menti. – mas gostaria de me afastar com uma desculpa lógica pra isso.
– Sabe que você é bem-vinda aqui a qualquer momento.
– Devo chegar amanhã à noite, tio.
– Ótimo, vou ficar te esperando.
Liguei para meu pai, contei sobre uma suposta ligação do meu tio, me pedindo ajuda com carros. A pista estava chata, o que era ótimo para me distrair. Sentia a mesma coisa que senti depois do beijo, aquela sensação de que eu deveria estar me desmanchando em lágrimas, mas algo estava bloqueando. Eu pretendia, de fato, dirigir até em casa, pois era um bom ponto para usar como metade do caminho, mas nem cheguei a atravessar a fronteira do Arkansas com o Missouri. Atrasou minha viagem em pouco menos que um dia, mas eu estava pouco me fodendo.
O filho de Jody Mills estava para jogar uma partida pelo campeonato de futebol juvenil do estado e ela nos convidou, minutos depois da minha chegada, para prestigiar o momento. Eu tentei parecer animada, principalmente para não preocupar meu tio. No meio do jogo, depois de um gol perdido, eu olhei bem para ele e constatei o óbvio.
– Você tá completamente bêbado num evento de crianças?
– To bêbado porque é um evento de crianças.
– Se é tão ruim assim, por que veio?
– Porque a xerife nos chamou.
Eu notei o olhar dele naquele exato momento e meu coração se encheu de complacência.
– Tá afim de uma policial, tio?
– Olha quem fala, você tá afim de um Winchester. – Ele rebateu e eu, pela primeira vez em meses, consegui rir da situação.
– Bem, Dean não tem poder pra me colocar atrás das grades.
– Ela tem mas não vai me colocar. Não depois de termos salvado a vida do filho dela.
– Que joga muito mal, inclusive.
– O garoto não é tão ruim.
– Eu que não sou. – Respondi. – O senhor quer um cachorro quente?
Ele fez que sim.
– Com tudo o que tiver direito, por favor.
– Sim, senhor.
– Você tem dinheiro?
Revirei os olhos e ri para ele. Desci a escadaria da arquibancada até a barraquinha próxima ao campo e fiz meu pedido. O senhor preparava nossos lanches enquanto eu dava uma olhada em volta. Embaixo da arquibancada, mal se podia ver um casal trocando carícias desnecessárias. Ri da situação, peguei os lanches e voltei para meu lugar. Meu tio tinha uma expressão diferente no rosto.
– O que houve? – Perguntei enquanto entregava o lanche dele e me sentava ao seu lado.
– Seu pai quebrou o braço.
– O quê?!
– Calma, ele disse que já foi no hospital e foi uma fratura leve, que o próprio corpo vai consertar.
– É culpa minha...
– Não diz isso pra ele, o filho da puta tá pulando de felicidade porque você não tava lá na hora.
Esperei até que meu coração começasse a se recuperar da notícia para puxar o celular do bolso e ligar para meu pai. Ele foi breve em dizer que estava bem e parecia ter frisado que, se não fosse por Dean, provavelmente teria sofrido ferimentos mais graves ou o pior, teria sido morto. Eu estava certa em desconfiar de Elizabeth e parte de mim comemorou receber essa notícia. Ele precisaria ficar com o gesso por um mês e então, provavelmente, tudo ficaria bem, o que significava necessariamente que eu precisaria voltar para casa a fim de ajudá-lo.
O time de Sioux Falls ganhou por dois a um e as crianças estavam comemorando demais para que a xerife pensasse em olhar para nós. Fiquei com pena por conta do meu tio. Ele, certamente, tinha experiência e uma certa resistência a esses sentimentos, mas ainda deveria ser ruim. De qualquer forma, nós compramos mais um cachorro quente e partimos para casa. Chegando lá, eu só queria parar de pensar na vida. Eu e meu tio sentamos para ver televisão, acompanhados de algumas garrafas de cerveja. De repente, uma luz acendeu sobre a minha cabeça.
– Tio, por que você e meu pai dão tanta importância pra família mas nunca falam sobre meus avós?
Ele arregalou os olhos.
– De onde veio isso, garota?
– Da minha mente. – Respondi. – Eu sempre pensei em perguntar isso, mas vocês nunca parecem estar de bom humor pra eu correr o risco.
– Você tomou cerveja demais.
– Não mais que o senhor, e não foge da minha pergunta.
– Que criança abusada. – Ele observou e, após sua fala, se levantou com uma ligeira dificuldade e caminhou até a cozinha.
Meu tio voltou com mais cervejas nas mãos.
– E então?
– E então que não tem o que contar. Logo depois de eu casar com sua tia Karen, seus avós ficaram irritados porque Karen não era católica.
– Sério isso? – Eu perguntei, quase rindo.
– Seríssimo. Eu, obviamente, não engoli. Seu pai também ficou muito puto, porque ele já conhecia sua mãe e, como você sabe, ela também não é católica. E aí seus avós praticamente nos chutaram do ninho e foram embora.
– Vocês nunca os procuraram?
– Eu tentei, mas era tarde demais.
Vi que o assunto chegou em um ponto desconfortável e me arrependi imediatamente de ter começado a conversa. Peguei mais uma cerveja e abri, dando um gole comprido.
– Não tem nada melhor passando na TV? – Perguntei.

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