III - casablanca

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— No caso, eu poderia finalizar as demandas para você aproveitar melhor o seu encontro — a voz de Renan, suave e melódica, fluiu como as águas tranquilas do Amazonas, sua terra natal.

— Não gosto de transar com mulher alcoolizada, cê sabe disso.

Renan encarou as brasas do cigarro queimando mais rápido do que gostaria. Odiava estar naquele ponto da cidade, onde a decadência e a profanidade do mundo se arrastavam por cada esquina. O som distante da música competia com os gemidos abafados vindos da casa de prazer, mas o odor persistente de mijo e porra misturado à agressividade do álcool irritava o nariz. Madalena estava atrasada.

— Acelera essa merda! Madá que se foda! — esbravejou, impaciente como sempre.

Pavio curto, sadista, um gosto apurado por coquetéis caros, armas importadas e putas. Bernardo Casablanca era mesmo um tremendo whole package de tudo que havia de ruim no mundo. O estacionamento, coberto por grafites e más intenções, lembrava a primeira transação importante que Renan fizera. Essa era a terceira vez em que Madalena os contratava — apesar do amazonense não entender o motivo do patrão sempre aceitar, já que dizia para Deus e o mundo o quanto detestava a maldita — e em todos os encontros, a velha cafetina escolhia uma biboca pior que a anterior.

Uma das coisas mais intrigantes sobre São Paulo era o fato de estabelecimentos de luxo serem dispostos bem ao lado da precariedade mundana. Enquanto alguns dormiam na rua, passando fome e frio, outros gastavam parte da renda com bebidas e prostitutas de elite. Já passava das três da manhã. Cansado, Renan umedeceu os lábios com um gole de água ao tempo que uma morena bonita caminhava em sua direção. Os quadris se moveram delicadamente e os cachos volumosos foram jogados para o lado, revelando um seio pequeno e convidativo. O vestido rente ao corpo emoldurava suas curvas modestas.

— Oi, Casablanca. — O calor latente de sua voz invadiu o interior do carro, assim como parte do tronco, que se inclinava para dentro — Quem é o seu amigo?

— Cadê a desgraçada da sua avó, Beta?

As mãos delicadas traçaram um caminho indecente pelos ombros do cirurgião, que não conseguia tirar os olhos da garota. Renan não estava acostumado a pagar por prazer, para falar a verdade, nunca havia tentado, mas gostava de aplicativos de namoro. Mesmo que trilhasse o mesmo caminho canalha que o patrão, suas atitudes e gostos diferiam bastante.

— Sai daí, menina! — a entonação quase gutural quebrou o clima sugestivo e a velha cafetina puxou a neta pelos cabelos. — Tá querendo morrer, porra?!

— Deixa a menina, Madá. — Casablanca destravou o cinto de segurança e saiu com a carteira em mãos. — Aqui, compra um doce. Onde está o pacote?

Madalena caminhou alguns metros ao lado de Bernardo para conversar.

Na maior parte do tempo, Renan Soares soava como um motorista ou segurança qualquer. Calado, observador, protetor. Ainda que fosse mais importante que isso, o cirurgião preferia manter a aparência errônea dos outros, pois quanto menos soubessem de sua origem ou real profissão, melhor seria. Beta prendeu os cabelos e se aproximou, dessa vez estava devidamente coberta. A íris castanha-clara pousou avidamente no banco do motorista, mas não ousou nenhum toque.

De expressão austera, ele a fitou de volta. A barba de fios grisalhos e irregulares em conjunto aos cabelos bagunçados e levemente ondulados destacava a masculinidade áspera de alguém desinteressado. Não era parrudo como Bernardo, mas seus ombros e coxas eram largos, sempre evidenciados graças às suas escolhas de roupas.

— Pode me dar um desses? — Beta apontou para o maço de cigarros no porta copos.

— Não.

— Posso te recompensar depois.

LETICIA | CRIMES QUE SEDUZEM VOL IOnde histórias criam vida. Descubra agora