V - cor da lascivia

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Bernardo puxou a mesa de canto com um gesto brusco, revelando a cerâmica solta em que guardava uma pequena parcela do patrimônio financeiro que acumulara ao longo dos anos. Móveis planejados ocupavam o escritório e as prateleiras cheias de livros não brandiam apenas livros didáticos, boa parte era usada para cobrir passagens secretas para cofres em menor escala, no qual o agiota mantinha relatórios, passaportes falsos e, claro, seus pequenos troféus. Recolheu as notas altas e conferiu o inventário antes de depositá-las no saco plástico.

O processo era simplório: pacotes meticulosamente feitos, selados em sacos de lixo. Cada anotação no caderno, com nome, endereço, motivo e valor registrados. Bernardo não só cobrava dívidas, mas fazia questão de conhecer o rosto daqueles que tentavam dar calote. Estava atrasado e ainda havia muito o que preparar, afinal, teria que encarar algumas horas ao lado de Maria Helena, o que, para ele, era como arrancar a própria perna com uma faca sem corte e sem direito à anestesia.

O apartamento de Bernardo foi reformado sob medida pela melhor equipe e em cada maldito cômodo, um segredo escondia-se. Com tudo pronto, seguiu até o elevador com os dois sacos pretos em mãos, e ao chegar ao estacionamento, Cléber, um dos funcionários mais antigos do prédio e colaborador no esquema de agiotagem, o esperava.

— Dia cheio, chefe? — o homem calvo de olhos azuis cumprimentou Bernardo. — Parece que vai chover.

— Se eu soubesse que ser professor de faculdade era tão fodido de cansativo, teria investido meu tempo em outra coisa. — Bernardo deu uma piscadela.

O agiota sempre foi apaixonado por lecionar, e ainda que pudesse ter qualquer outro emprego de fachada, não conseguia sequer cogitar a ideia de largar as aulas. Todavia, como precisava ter um diálogo mínimo com Cléber para manter as aparências, decidiu usar a skin de trabalhador reclamão.

— Aqui estão os recicláveis que me pediu — Bernardo disse, apontando para os sacos que repousavam ao seu lado. — Manda um beijo pra sua mãe.

— Pode deixar, chefe.

O condomínio em que residia não era luxuoso ao extremo, mas de bom gosto. Por ser conhecido na praça como um professor universitário e dono de uma vinícola, Bernardo se permitia ter algumas ostentações. Entretanto, não podia chamar muita atenção. Encontrou seu veículo entre os carros de um milhão, ao adentrar e buscar por seu maço de cigarros de reserva, notou algo brilhante no chão, do lado do passageiro. Desconfiado, olhou ao redor antes de abaixar-se, recolhendo o objeto. Era um colar prateado com pingente de coração, provavelmente pertencia à sua mais nova aluna favorita.

Não tinha desejo algum em garotas mais novas, pelo contrário: gostava de mulheres da sua idade, maduras e donas de si. A preferência por loiras de olhos verdes o perseguia há 10 anos. O gozado era que, Letícia Oliveira, além de ser uns 30 anos mais nova, era atrevida, divertida e morena. Puta que pariu, Bernardo ficou levemente excitado com a lembrança de seu encontro e, ainda que parecesse loucura, podia até mesmo sentir a textura macia dos pés gordinhos rondando seu pau. Enquanto dirigia até o shopping da Vila Olímpia, o agiota decidiu mandar o maldito convite de uma vez e a resposta foi bem mais que satisfatória.

Diferente da ex-esposa, Maria Helena, uma advogada criminal de renome, Bernardo não ligava muito para luxos. E a necessidade de ir a um lugar como JK Iguatemi só mostrava o quão fútil e consumista ela se tornou ao longo dos anos. Tudo sobre o ambiente era um puto exagero, apesar da arquitetura moderna ser agradável aos olhos.

Pelo atraso, a traidora sem escrúpulos deveria estar planejando um discurso longo sobre horários e responsabilidades, e apenas a ideia de ter que escutá-la, fez o agiota quase desistir de prosseguir. Não foi difícil enxergá-la em frente à loja de eletrônicos, de braços cruzados e semblante sério. Uma coisa era inegável: a filha da puta era mesmo bonita e os anos continuavam a lapidando e melhorando, como um bom vinho. O rosto, esculpido pelos deuses com tanta suavidade, exibia maçãs altas e marcadas, lábios finos, porém bem desenhados, e os olhos verdes em conjunto aos cabelos dourados e bem escovados, deixava a maldita ainda mais bela e elegante.

LETICIA | CRIMES QUE SEDUZEM VOL IOnde histórias criam vida. Descubra agora