VII - quatro e meia

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João Figueiredo não tirou os olhos de Letícia durante toda a aula, e ainda que a trevosa tentasse se manter atenta à matéria que se desenrolava, seu olhar cruzava com o do professor a todo momento. Sabia que não existiam motivos para tanta atenção, afinal, ela não estava mais dormindo nas aulas dele e as suas notas eram relativamente boas.

Em alguns momentos, ela achava que era apenas antipatia. Figueiredo parecia incapaz de abrir um sorriso ou ser gentil com alguém, era até mesmo admirável o crush que as gêmeas criaram nele. Talvez o inalcançável fosse mesmo uma dádiva do período fértil.

Letícia encarou Andrew por um momento, parecia mais perdido do que um player carregado pelos amigos. Esforçava-se para enxergar o que estava no quadro negro, mas aparentemente não enxergava muito bem a distância.

— Posso pegar seu material emprestado?

— Pode, mas vai me dever um almoço — Letícia sugeriu e encarou o relógio do celular.

Vez ou outra a notificação no grupo das amigas surgia, mas Letícia não deu atenção. O que Casablanca tinha de exigente, Figueiredo tinha o triplo, e se fosse vista no celular — como já aconteceu outras vezes — certamente tomaria o sermão que ninguém queria escutar. Por mais que a maior parte dos professores estivesse pouco se fodendo para os seus alunos, a dupla grisalha se importava ao ponto de chamar atenção sempre que necessário, fazendo Letícia se sentir no ensino médio. Eram os únicos que mantinham o grupo da faculdade ativo com materiais interessantes e que realmente faziam a diferença.

— Acho que um jantar é mais viável — Andrew riu baixinho.

Letícia entregou o caderno para Andrew e se levantou, pronta para ir embora. Aproveitou para checar as mensagens e, como era de esperar, Jade estava ansiosa para ser apresentada ao novo garoto. Antes de poder se virar na direção da amiga e soltar uma provocação, a voz de Figueiredo surgiu em seus tímpanos como uma maldição.

Foi engraçado sentir-se uma criança arteira que quebrou um vaso da mãe e se escondeu no quintal. Os estudantes foram deixando a sala à medida que Letícia se aproximou da mesa.

— Tem um minuto?

— Sempre.

— Ótimo — O professor tirou o óculos, repousando-o na mesa. — Tenho duas vagas para estágio na minha empresa e gostaria de saber se tem interesse.

Direto e eficaz como um corte de cutelo. Letícia esperou ansiosamente pelo momento em que poderia começar a estagiar, e ser convidada antes do tempo por alguém exigente pra caralho como João Figueiredo foi uma vitória saborosa.

— Parece ótimo. Pode me passar as informações necessárias por e-mail?

— Na realidade, pensei em uma abordagem menos formal. — Levantou-se, caminhando lentamente até a porta, e Letícia o seguiu. — Podemos nos encontrar hoje após suas aulas?

— Hoje? — indagou, pensando no horário que chegaria em casa.

— Caso não consiga não tem problema, mas preciso ver se Casablanca tem outra data. Quais dias são melhores para você?

Letícia parou de prestar atenção ao escutar "Casablanca". Claro que finalizar o seu encontro tão abruptamente a atingiu de forma negativa, todavia, ainda que fosse totalmente viável o envio de uma mensagem, ela preferiu abraçar a oportunidade e matar dois coelhos com uma cajadada só.

— Me manda o endereço que estarei lá, só preciso comer alguma coisa antes.

O professor coçou a barba, pensativo

— Me encontre na lanchonete em frente ao campus e comemos alguma coisa enquanto discutimos os detalhes, pode ser? Vou avisar ao Casablanca.

Não gostaria de gastar mais do que 30 reais em uma refeição, mas pareceu ser um preço justo a se pagar pelo estágio.

LETICIA | CRIMES QUE SEDUZEM VOL IOnde histórias criam vida. Descubra agora