001

425 20 8
                                    

UM DIA, EU QUERO SER UMA BORBOLETA, uma borboleta azul, azul com olhos caramelos, com antenas roxas e sapatos de veludo em cada pata. Sapatos vermelhos. Eu quero ser um pássaro, um pássaro verde com penas brancas em volta do pescoço, penas que parecem um colar de pérolas, pérolas brilhantes e delicadas.

Eu queria ser um golfinho, uma arraia, eu queria ser parte do mar. Será que é escuro lá dentro? Frio...Eu queria poder olhar para cima e ver a escuridão, mas quando apertar os olhos, os focando, ver a luz, a luz do mundo. A luz do dia. A luz da vida por entre o movimento das águas.

Eu queria ser um picolé, um picolé de menta com um recheio gosmento, não identificado que gruda na ponta do dente e no céu da boca. Com uma camada de chocolate por fora, crocante. Eu queria ser uma bolha de sabão, para voar para longe, longe o suficiente, ainda sim, ser frágil o suficiente para rasgar a qualquer momento ou movimento, explodir em arco-íris em relação à luz.

Eu queria ser uma folha de papel, volúvel e maleável. Eu queria ser um lápis, um pedaço de carvão pontudo, para trilhar o meu próprio caminho.

Eu queria ser as gotas de chuva que caem do céu, eu queria ser uma ponte, uma ponte que abriga a todos, vê as estrelas escondidas por baixo de túnicas sujas, vê dores que só podem ser mostradas à quatro paredes, vê injustiças, mas, sempre vê o lago, sujo ou limpo, a ponte sempre vê o ciclo. Vê os segredos mais profundos.

Observar deve ser legal, observar sem ser pressionada. Mas será que a ponte quer estar lá? Ou ela também está sendo obrigada a ficar parada, talvez, ela quisesse ser um avião.

Eu queria ser um gato, um bolo de pistache, macarrão com queijo, uma pipoca salgada, assentos de cinema, botas coloridas, palcos, microfones, guitarras, estrelas, câmeras fotográficas, tintas de cabelo, livros, queijo quente, lábios, lábios vermelhos, lábios ressecados e brancos.

Eu queria ser muita coisa, eu sonhava em ser muitas coisa.

Mas,

Eu não queria ser eu, eu não queria viver a minha vida.

Injusto.





Se eu me concentrasse, poderia ouvir os murmúrios, como sussurros, em todo lugar.

Eles podiam ficar em silencio, eu não gosto de barulho, ou talvez goste, eu não sei.

Se eu me concentrasse no horizonte, e desfocasse os olhos, eu poderia ver as luzes dos faróis dos carros como flashes de vidas passadas. Assim como eu fazia agora.

Eu estava sentada no chão, meus joelhos batiam no meu queixo, eu podia facilmente passar as mãos por entre minhas pernas, as juntando mais, em forma de um casulo protetor e quente. Minha mão direita segurava a ponta do meu cabelo, dando pequenas voltas, o enrolando e o embolando. Ele estava sujo, oleoso e embaraçado, pinicava, mas eu gostava, uma parte de mim gostava, afinal, ele sempre foi assim.

Eu poderia olhar para o lado, ver a grande bagagem de couro de oncinha sendo molhada por leves pingos da água que caiam das nuvens tristes e melancólicas. Será que eu falava para a senhora de cabelos vermelhos e encaracolados com um queixo proeminente que uma parte da sua bagagem estava para fora do toldo branco, assim como meus pés?

Fernsby, as letras pequeninas em dourado contornadas por linhas pretas estava cravada na pequena plaquinha da mala extravagante e colorida. Parecia macia. Olhando para a Senhora Fernsby com atenção, podia ver como sua pele clara parecia macia, os olhos caramelos eram caídos, mesmo assim, passeavam com velocidade quase como detectores de metal por entre os vários taxis e carros que paravam diante do Aeroporto. Seu casaco era peludo e longo, arrastando no chão imundo e cinza. O chão onde me sentava.

COME AS YOU ARE  𖡋  Kurt cobainOnde histórias criam vida. Descubra agora