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OLHAR PARA A CHUVA DE DENTRO de uma janela era legal, mas não era mais minha praia há muito tempo.

Uma semana, sete dias, 168 horas, ou seria mais, ou seria menos? Nunca fui boa em matemática ou cálculos de qualquer maneira. E pensar no tempo, só me fazia me sentir pequena e inútil, tão, mas tão pequena.

Eu gostava de filosofia.

Eu queria ser um lápis, um pedaço de carvão.

Se eu fechasse os olhos, poderia me lembrar de quando eu era bem pequena. Eu ao menos sabia, mas Llora havia pego roupas minhas de quando ainda éramos jovens, meras veteranas do ginásio. Eu nem me lembrava delas, pelo menos não todas, mas eu sabia que se forçasse a memória um pouco, me deixasse lembrar, tirar o muro que eu mesma coloquei em volta da minha mente, eu lembraria. Até mesmo do cheiro do dia em que eu as usava.

Eu gostava de sentir o cheiro das coisas, gostava de guardar na memória. As roupas e objetos estavam em caixas de papelão que pareciam sujas e até mesmo molhadas, como se fosse rasgar. Pelo menos o mofo continuava do mesmo jeito que eu me lembrava enquanto adolescente, uma adolescente que saia a noite com o desejo de talvez provar algo mais forte que cigarros, cervejas e maconha.

O meu nome estava em todas as caixas, marcado por um canetão preto com linhas grossas e em caixa alta. Em uma linha perpendicular ao meu nome ou até mesmo em baixo dele, palavras como, "Roupas, Objetos, Desenhos, Fotos" eram perceptíveis, pareciam ter sido escritas com pressa e desleixo.

Me perguntava se Llora havia pegado com minha mãe as caixas no dia que eu fui embora, ou simplesmente invadido meu quarto, escalando na árvore e pulando para a janela, agarrando as laterais, se dependurando como um macaco. Como um doido faria.

Ela nunca havia invadido o meu quarto, ela não era tão doida a esse ponto. Já haviam invadido meu quarto, eu já invadi quartos. Ela não era tão louca como eu. Tão estranha.

As caixas me chamavam atenção, a cadeira giratória onde estava sentada era preta e estava com um estofado velho e murcho, mas eu gostava. Gostava de me encolher nos lugares e apoiar meus pés na cadeira, era legal. Minha cabeça nos joelhos ou entre as pernas.

Eu não queria me permitir lembrar das coisas, mas era algo impossível, parte do ciclo humano. As verdades batem na sua porta a qualquer momento, até aquelas desprezíveis. A lei da atração funciona de forma muita estranha para mim, ao contrário. Talvez para combinar com a minha personalidade.

Em todas as caixas, o nome Frances estava em negrito, quase me chamando para bisbilhotar. Poderiam já ter sido minhas coisas, mas não eram mais, eu me sentia uma intrusa. Tão impertinente, não me sentia confortável. Llora só me chamava de Frances quando queria chamar ou prender minha atenção. Talvez ela tenha escrito meu nome dessa forma por isso, ou talvez simplesmente queria pegar o meu máximo, Fran era apenas uma parte minha, um apelido. Frances era um nome que esteve comigo desde que nasci. Talvez ela queria dar importância aquelas coisas, expressar que eram minhas, talvez ela queria fazer o meu legado, minhas memorias. Será que ela achou que eu morreria?

Eu já estava morta há muito tempo, mas meu coração ainda batia, mesmo sangrando.

Ou talvez ela simplesmente tenha se cansado de me chamar de Fran e queria mudar, algo natural. Nem tudo precisava ser um lema de conspiração ou completamente pensando, repetia como um mantra. Sempre fui muito sensível e dramática. Nojento.

Uma caixa em si, me chamou atenção, o nome Frances não estava presente, Mas Cassie ocupava grande parte do papelão. Ninguém me chamava pelo primeiro nome.

Como sussurros, eu podia ouvir entrando em meus ouvidos e invadindo minha cabeça com um soco de direita .

"Leslie, Carrie, Leslie, Carrie"

COME AS YOU ARE  𖡋  Kurt cobainOnde histórias criam vida. Descubra agora