Parte I

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- "Você trabalha demais."

Ergo minha cabeça que esteve mergulhada nas últimas horas em relatórios só para me deparar com os olhos muito cinzas de Draco Malfoy.

Ele está com ombro direito encostado no batente da minha porta, as mãos enfiadas casualmente nos bolsos de sua calça. Sua gravata está folgada em torno de seu pescoço e apesar do aparente cansaço que seu corpo demonstra, ele parece relaxado de um jeito que não vejo em meses.

Olhar para Draco Malfoy, realmente olhar, é uma indulgência que raramente me permito.

- "Desculpe, o que disse?"

Draco solta esse sorriso desleixado, o mesmo que ele me lançou várias e várias vezes, como se eu estivesse perdendo uma piada que só ele entende. Parecendo se decidir, ele entra na sala, fecha a porta silenciosamente e senta-se bem na minha frente.

Parece ficar confortável enquanto penso no quanto evitei tentar ficar sozinha com ele só para me encontrar nesta situação agora.

- "Eu falei que você, Hermione Granger, trabalha demais."

Não respondo por que de repente estou presa no pensamento de que ninguém nunca fala meu nome assim, tão bem e tão encaixado, como se meu nome fosse algo mais. Algo importante e bonito e necessário.

Somente ele.

Sempre e somente ele.

Suspiro.

A coisa com Draco Malfoy começou tão incerta que não sei nem dizer o momento exato onde ele passou de Malfoy para Draco.

Tudo começou há cerca de um ano atrás quando um suposto comensal da morte estaria tentando reunir seguidores para a antiga causa.

Harry tinha sido o auror designado e como favor pessoal, eu tirei um tempo do Departamento de Execução das Leis da Magia para ajudá-lo. Tentei não parecer tão surpresa quando descobri que Draco, que tinha recentemente voltado da França depois de anos morando fora, estaria ajudando como consultor externo.

No começo as coisas foram meio ... bem, foram tensas, imaginei que era por isso que Ron não estava envolvido no caso também. Merlin sabe como aqueles primeiros dias teriam sido piores, mas eventualmente acabamos entrando em uma rotina tranquila. Trabalhávamos na casa de Harry, onde Gina faria jantares deliciosos e os meninos acabariam falando de quadribol enquanto eu ficava apenas relaxada por ouví-los, ou iríamos para a minha casa, onde eu poderia exercer meus incríveis dotes culinários pedindo pizza e Harry traria cerveja trouxa ou claro, poderíamos ir para o apartamento luxuoso de Draco, onde ele faria o jantar e serviria um bom vinho e apenas conversaríamos por horas; cada vez menos sobre trabalho.

E depois, quando Gina estava nos estágios finais de sua gravidez, o que exigia cada vez mais a presença de Harry o impedindo de participar de quaisquer reuniões, bem ... Draco ainda viria para minha casa para "esclarecer dúvidas sobre o caso", sempre levando alguma comida deliciosa ou eu poderia aparecer na sua porta para "pedir auxílio nos relatórios" levando algum vinho barato.

Desculpas e mais desculpas apenas para roubar algumas horas na sua companhia.

Até então eu não achava que havia algum perigo real de alguma coisa acontecer.

Draco estava aparentemente noivo de uma herdeira Greengrass e eu estava muito machucada ainda pelo rompimento com Ron para embarcar em ... qualquer coisa que aquilo fosse, até por que no final das contas, eu ainda era apenas uma sangue-ruim.

Então é claro que nada aconteceria.

Não poderia, obviamente.

Eu apenas ... gostava muito de estar com ele.

Conversar com ele era uma tarefa estimulante, Draco era brilhante quando falávamos sobre runas ou poções ou aritmancia ou qualquer que fosse o assunto e ele sempre tinha uma opinião relevante ou algo a acrescentar, e havia também o fato de que por baixo do exterior menino-malfoy-riquinho-preconceituoso estava alguém realmente interessante. Quando estávamos só nós dois, eu sentia que não precisava ser tão perfeita, não precisava ser a "princesa grifinória, heroína de guerra e orgulho do ministério", eu poderia ser apenas eu, Hermione Granger e eu sabia que Draco fazia o mesmo.

Não julgávamos um ao outro.

Ele falou sobre como foi morar na mesma casa que Voldemort e eu falei sobre como foi morar em tendas nas florestas.

Ele falou sobre como tinha medo de perder sua mãe se não cumprisse seus deveres como comensal da morte e eu falei sobre como tinha apagado as memórias dos meus pais para protegê-los.

Ele falou sobre a sua marca e eu falei sobre a minha.

Sempre foi assim.

Uma troca.

Ele falava e eu escutava e segurava sua mão quando sentia que ele precisava e dividia seus sorrisos quando queria e no final, ele faria o mesmo por mim.

Era tão óbvio.

Eu deveria saber, claro que deveria ter percebido os sinais.

Mas acho que estava tão envolvida que não pude.

Não consigo lembrar do exato momento em que parei de chama-lo de Malfoy e passei a chama-lo de Draco, mas consigo lembrar com exatidão o momento que percebi que estava apaixonada por ele.

Era um dia particularmente chuvoso, eu estava em casa me sentindo um tanto deprimida, mergulhada em cobertores e com Bichento deitado sobre meus pés quando escutei as batidas na porta.

Acabei abrindo a contragosto e lá estava ele.

Todo molhado e incomodado, uma bagunça adorável, resmungando algo sobre como precisava consertar o meu flú e foi entrando no meu apartamento, tirando meu vinho preferido de dentro do sobre-tudo e me perguntando se estava tudo bem comermos macarronada naquela noite e fazendo eu me sentir melhor apenas por ele estar ali e eu me lembro de ter pensado: Eu preciso disso, eu preciso ter isso na minha vida, nos dias bons e ruins e todo os dias depois disso por que ele combina com a minha casa assim como combina com a minha vida.

Foi um choque. Não sabia como reagir.

Foi também a primeira vez que tive coragem de perguntar sobre Astória Greengrass. Me lembro de perguntar se ela não se importava que o noivo dela passasse tanto tempo com outra pessoa e Draco apenas tinha dado de ombros e dito que o casamento deles não era assim.

É apenas um acordo, foi o que ele disse.

Não tive coragem de perguntar mais nada e depois que ele foi embora, pouco depois de segurar meu queixo para que eu encontrasse seus olhos e ouvi-lo dizer que não gostava quando eu não sorria, eu prometi me afastar daquela situação. Por que eu podia ver que estar apaixonada por Draco Malfoy iria machucar meu coração e eu sabia que não podia passar por aquilo, não com ele, não quando ele fazia este mesmo coração bater tão forte e tão rápido e fazia minhas mãos suarem e fazia eu me sentir tão estupidamente feliz quando ele apenas olhava para mim.

Não.

Aquela situação toda estava fadada à lágrimas e sofrimento e dor e tudo isso viria de mim.

Foi fácil se afastar, estávamos afinal nos últimos estágios do caso, já tínhamos um suspeito e provas, e só levaria o tempo do criminoso sair de seu esconderijo parar acabar nas mãos do ministério.

Então foi bastante fácil sim se afastar mas não tão fácil por um fim naquela espiral de sentimentos em que me encontrava.

Pouco tempo depois eu estava de volta no meu escritório, tentando me concentrar em todo o trabalho extra acumulado e não no vazio no fundo da minha barriga que não diminuiu nem mesmo quando descobri sobre o fim de seu noivado.

The Secrets That We Keep (ATUALIZAÇÃO 2022)Onde histórias criam vida. Descubra agora