Introdução

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  O carro seguia a toda velocidade. Nunca obedecera às regras de trânsito, não era agora que começaria. Ele precisava correr. Desconfiava que o trato não seria cumprido - uma desconfiança justa, afinal ele também não cumpriria sua parte.

  As mãos apertavam forte o volante, enquanto a mente divagava, repassando o plano. Um esquema simples . Em teoria. Ele sabia dos riscos, assim como sabia da possibilidade de seus "concorrentes" planejarem o mesmo. Ele precisaria ser rápido.

  Organizou a mente e focou os olhos na estrada, não se permitindo sequer olhar pela janela.

  A paisagem já lhe era conhecida. A grande ponte que ligava os dois estados já fora palco de inúmeros acordos. Mas nunca com ele. Nunca envolvendo a vida dela. O pensamento lhe ocorreu tão rápido quanto os pés ao tocar o freio. Ele sabia que não podia vacilar.

  Com passos firmes, seguia seu caminho. Agora acompanhado por sua "moeda de troca", ele sabia que não poderia voltar atrás. Nunca pôde.

  A jovem ao seu lado mantinha os passos lentos, como se já soubesse de tudo que aconteceria a seguir - e talvez soubesse mesmo. Sua respiração lenta e aparência calma não se pareciam em nada com as da outra mulher, que avistou ajoelhada ao lado de seu senhor.

  A moça sabia que, não muito diferente dela, a mulher que estava a poucos passos de si, também seria usada na negociação que se seguiria. Contudo, diferença era gritante. Uma garota com os braços atados às costas, bem vestida, calçada, caminhando por sua própria força , em direção ao que se poderia chamar de chefe. Embora todos ali sabiam que a relação ia muito além disso.

  À sua frente outra mulher estava quase despida, visivelmente marcada, completamente amarrada, descalça, ajoelhada. Chorando. A Jovem sabia muito bem pelo que a moça passara, e por um breve momento, um sutil olhar de pena cruzou seu rosto. E tão logo se foi.

  A caminhada continuou, até a distância ser suficiente para manter o diálogo. O homem sabia que sua mulher não estava sã. Sequer precisou fitar os olhos pequenos, com pupilas dilatadas para saber que a drogaram.

  Passou o braço pelas costas da garota ao seu lado, desejando por um momento, ter o mesmo sangue frio que tinham os homens a sua frente . Todavia, conhecia seus limites. Esforçando-se para manter a calma, o homem decidiu iniciar a conversa. Queria acabar com aquilo o quanto antes.

  A negociação não foi longa. Ele já havia se preparado para ceder ao que quer que fosse, usando a garota em seus braços para encontrar o ponto de equilíbrio - ele sabia que estava enganando a si mesmo. E sabia que o que estava prestes a fazer acabaria com qualquer acordo feito. O fato de estar naquela situação já era prova mais que suficiente de que não haveria equilíbrio. Contudo, seu objetivo era resgatar sua esposa.

  Respirou fundo outra vez naquela tarde. Suas mãos pressionando levemente as costas da menina, numa forma sutil de incentivo. Os passos largos da jovem eram o oposto dos da mulher, que vinha sendo arrastada enquanto tentava inutilmente se manter em pé. Os tropeços eramacompanhados pelas risadas dos capangas ao fundo, enquanto o homem, sozinho, rezava pra que tudo acabasse bem.

  Completando a distância que a deixaria lado a lado com a outra mulher, a jovem olhou para traz. Ela sabia o que viria agora. E por um momento, sentiu pena da mulher. Essa certamente não seria a melhor forma de se despedir. O pensamento veio, e junto com ele o pesar. Voltou seu olhar para a frente, onde seu 'companheiro' o aguardava. Não sentiu-se nada surpresa ao ver um capanga retirar a pistola do casaco.

  Outro passo foi dado por ela, enquanto o capanga jogava a mulher despida ao chão. Os poucos segundo em que tudo aconteceu passaram em câmera lenta. Ela conseguiu ver a mulher desorientada, conseguiu sentir a mira da arma do homem atrás de si, voltada à sua cabeça.Conseguiu dar mais um passo. Ouviu os disparos. Viu o homem correr até a mulher.

Sentiu a dor. Sentiu o corpo pesar. E então não sentiu mais nada.

Alma ResgatadaOnde histórias criam vida. Descubra agora