Capítulo 6

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   Honestamente

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   Honestamente... Ter que passar três meses enfurnada nesse quarto foi de longe a coisa mais entediante pela qual passei. O que me ajudava a manter a sanidade eram as conversas sem sentido de Aurora, os passeios esporádicos com Silas e a caixinha de som que eu raramente desligava.

   Os dias que eu saia do quarto para algo além de ir ao banheiro eram dias comemorados por Aurora que, diga-se de passagem, literalmente fazia uma festa. E para mais um susto meu, hoje é um desses dias. Chamei Silas como de costume, e pedi para me levar até a cozinha, pois o cheiro de bolo estava me dando água na boca.

   - Olha só quem nos deu o ar da graça! – era a voz da idosa que mais uma vez esbanjava alegria. – Você sentiu o cheirinho, não foi? É bolo de coco! Fiz pra comemorarmos o ultimo dia na cadeira! – suas palavras me assustaram de forma positiva. Eu não fazia idéia de quanto tempo havia se passado.

    - Eu vou tirar o gesso? Você está falando Serio Aurora?

   Eu já havia desistido da ideia de não conversar com nenhum dos funcionários da casa, havia alguns dias. Ficar em silencio naquele quarto, sem enxergar absolutamente nada era uma péssima ideia. Eu já estava entrando em desespero quando decidi dar o braço a torcer e conversar com as pessoas que de fato só vinham me ajudando. E foi assim, que em algumas poucas semanas eu me tornei amiga de duas pessoas incríveis. E de alguma forma... Durante todo esse tempo, não tive noticias daquele troglodita. O que é um alívio. Obvio.

   -Já se param três meses e meio Lina - a voz de Aurora me trouxe de volta a realidade. – Hoje mais cedo, Dr. Carlos ligou e disse que finalmente trouxe tudo que precisa pra tirar esse gesso de você.

   Eu nem poderia acreditar que voltaria a andar sozinha. Essa constatação fez meu peito se encher de alegria, coisa que há muito tempo não sentia.

   - E só por isso a senhora fez o bolo favorito dela mãe? – a voz de Silas finalmente se fez presente, carregada de um ciúme que ele nem fazia questão de esconder. Não pude deixar de rir. – Você deveria se sentir privilegiada Lina! Há anos ela não faz nem mesmo um pão com manteiga pra mim. – eu até podia imaginar ele fazendo um bico, como uma criança mimada.

   - Tudo bem, tudo bem... Prometo que divido meu bolo com você – fiz questão de frisar que o bolo foi feito pra mim, e não pude deixar de gargalhar quando ouvi o resmungo contrariado de Silas.

   Descobrir que ele era filho da Aurora me deixou bem impressionada, afinal de contas eles eram completamente diferentes. Enquanto Aurora falava mais do que devia, Silas só falava quando se sentia a vontade. Enquanto Aurora estava sempre alegre e transmitia uma felicidade gratuita, Silas parecia sempre emburrado e vivia resmungando. A dupla de mãe e filho mais diferente que já vi. Essa constatação me fez gargalhar ainda mais.

   O barulho da porta, junto com a voz daquele homem surgindo de repente me fez congelar. Já fazia meses que eu não o via.

   - Que cheiro gostoso de bolo tia! Posso saber por que decidiu fazer meu bolo favorito hoje? – escuto seus passos vindo até a cozinha. – Você?! - a pequena pausa me fez perceber sua surpresa. - Que bom que saiu do quarto. Doutor Carlos virá hoje.

   Tudo que consegui responder foi um resmungo que nem eu mesma soube o que significava.

   - Olha... Eu sei que não é muita coisa, mas eu gostaria de te entregar algo. – sua voz hesitou por um momento, o que me deixou curiosa. O que ele poderia querer me dar? Ouço o farfalhar de uma sacola e logo ele pede pra que eu estenda a mão. – Eu pretendia te entregar isso mais tarde, quando você tirasse o gesso...  Não é o melhor presente do mundo, mas foi o que eu consegui comprar nesses últimos três meses.

   Sinto algo gelado em minhas mãos e logo após tatear, percebo que são pequenas barras de metal enroladas em algo que eu diria ser um fio. - O que é isso – pergunto um pouco irritada.

   - É uma bengala. Agora que você vai poder andar de novo, eu achei que fosse precisar – sua voz se distancia e eu já não sei mais onde é que ele está. Tudo que ouço são as palavras desconexas de Aurora.

  -Podemos te ajudar a usá-la quando o doutor for embora! – decido prestar atenção em aurora, e o que consigo escutar por trás de suas palavras é que eu vou ter minha autonomia em breve. Uma alegria tão grande me invade que eu perco as palavras por um instante.


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    Ouvir doutor Calos dizer que tudo que eu precisava agora era de algumas seções de fisioterapia, e que em menos de um mês eu estaria andando não era exatamente a noticia que eu queria ouvir, mas era melhor que nada naquele momento.

    -Vou ficar responsável por fazer a fisioterapia com você, não se preocupe. Apesar de não ser minha área, pedi ajuda pra uma amiga e vamos fazer exercícios simples, apenas para acordar os músculos que engessamos.

   - Obrigada Doutor. – respondi em um muxoxo.

  -Sabe que estamos sozinhos, não sabe? – A pergunta veio de repente e me deixou muito confusa. Não estava fazendo nenhum sentido.

  - Sim, eu sei doutor? Aconteceu algo? – minha resposta mostrava minha confusão.

  - Eu apenas gostaria de conversar com você abertamente. Tenho muitos conselhos pra te dar – sua voz estava calma, e parecia que ele esperava algo de mim. Tudo que respondi foi um aceno com a cabeça. Não sei o que ouviria dele.

  - Quero que você pare de projetar sua culpa nos outros – sua voz era firme e me fazia sentir acuada. Senti meu sangue subir e meu rosto corar. Ele realmente estava me confrontando de forma tão direta?

  Por alguns segundos minha mente ficou em branco. E então sua frase ecoou novamente. De todas as pessoas com quem já conversei nessa casa, ele foi o primeiro que me confrontou de forma tão dura. Meu coração de repente acelerou com a compreensão de suas palavras e sinto a raiva me dominar mais uma vez. Ele acha que a cupa é minha? Só pode ser brincadeira!

  - O que você quer dizer com isso? – aumentei meu tom de voz. – É obvio que a culpa é dele. Você acha que eu estaria aqui se não fosse pela ambição daquele babaca? – a cada palavra minha raiva crescia ainda mais. O que esse cara acha que está falando? - O que você acha que sabe? Você sequer estava lá doutor. Você não sabe nem mesmo o que aconteceu antes.

- Eu sei, garota. – sua voz ainda se estava calma, o que me deixava acuada por suas palavras. – Eu sei muito mais do que você pensa, por isso é que eu te digo: Cresça. Você não é mais uma garotinha que não sabe as consequências de seus atos. - eu me calei. ainda estava irritada, mas não tinha o que dizer.

- Assuma pra si mesmo que está nessa situação por consequências de suas escolhas, e pare de culpar quem está ao seu redor. Amanhã eu voltarei pra iniciarmos nossa fisioterapia.- Uma conversa curta, que parecia não ter acabado ainda, mas que de alguma forma me incomodou mais do que eu poderia imaginar.

Tudo que ouvi após suas palavras foi o som da porta se fechando.

Alma ResgatadaOnde histórias criam vida. Descubra agora