Boston

155 16 2
                                    

Boston, 28 de Março de 2015

Edward,

Logo à noite, darei um concerto no Symphony Hall, contudo, não sinto uma ponta de entusiasmo no meu corpo. Deveria sentir-me entusiasmada, visto que aquele auditório é um dos melhores do mundo devido à sua acústica.

Hoje de manhã, ao acordar, tinha já sobre a mesa do hotel um ramo de flores do diretor da sala de espetáculos, com um pequeno bilhetinho a acompanhar o ramo. As palavras que nele se liam eram as mesmas que eu ouvia todos os dias. “Agradecemos bastante a sua disponibilidade para dar um concerto no nosso auditório, é uma honra poder vê-la ao vivo. Sentimo-nos muito honrados por ter uma pianista de renome a atuar no nosso espaço.” Estas palavras e estes votos de felicidade começam a tornar-se muito repetitivos, ou talvez seja apenas eu que estou a tornar-me demasiado conhecida no que faço.

Almocei ao som de Chopin, ouvindo assim as obras que o mesmo compôs para piano nos seus últimos dias de vida. Eram algo que eu considerava notável, e faria de tudo para voltar atrás no tempo até ao século XIX, apenas para ter a oportunidade de o ver tocar.

Durante a tarde, permaneci no quarto do hotel. Recebi uma chamada de Valerie, o maestro da orquestra sinfónica de Londres, que me indicou a próxima sinfonia que iríamos tocar. Sinto-me tão cansada de todo este ritmo que a minha vida leva. Tudo mudou desde que ele se foi embora, e não me sinto capaz de continuar na orquestra. Ainda me custa a acreditar que nunca mais o irei ver de novo, ele foi-se de vez, e não existe qualquer melodia que o possa convencer a voltar.

Tudo aquilo era demasiada pressão para ele, aliás, para nós. A imagem das suas mãos cobertas de sangue não deixa a minha memória, e faz-me sempre questionar o porquê de ele não parar. Ele não conseguia parar, a melodia que produzia com o seu violoncelo era o ar que ele precisava para viver. Infinitas foram as horas que gastei a tentar fazê-lo parar, tocar o seu violoncelo deixou de ser algo saudável, ele estava demasiado dependente dele.

Contudo, a imagem de o ver sozinho sobre um palco enchia a minha cabeça de melodias doces. Era absolutamente incrível a maneira como ele se dedicava ao instrumento, era como se eles os dois fossem um só. Ele era tudo o que eu desejei alguma vez ser.

Os meus dedos percorriam as teclas pretas e brancas do piano, tentando decifrar a melodia perfeita. Eu queria ouvi-la, queria tocá-la, queria adorá-la com tudo o que tenho, com tudo o que sou. Se pelo menos por um segundo que fosse eu conseguisse ouvi-la, sentir-me-ia completamente realizada.

Os funcionários do auditório chamam já o meu nome, anunciando que a minha entrada irá ser daqui a breves minutos. O meu olhar foca-se agora na primeira fila do auditório, desejando com todas as minhas forças que ele esteja aqui, apesar de eu saber que isso é algo impossível.

Mas neste mundo que é a música, acreditamos no impossível. Pois tudo o que é impossível apenas o é até alguém provar o contrário.

Pianist - Short StoryOnde histórias criam vida. Descubra agora