Santorini

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Santorini, 3 de Abril de 2015

Supostamente estes dias aqui na Grécia deviam ajudar-me a relaxar, a limpar a minha mente de toda a música que nela quer permanecer. Pelo contrário, não é isso que está a acontecer.

As imagens do concerto em Boston continuam a aparecer na minha vida. A maneira como os meus olhos o viam na primeira fila, apesar de ele não estar lá. Ele continua a fazer parte da minha vida duma maneira que eu nunca imaginei, mesmo apesar de já não se encontrar entre os vivos.

De manhã dei um passeio pela ilha, tentando abstrair o meu pensamento da música. Fiquei a conhecer alguns pontos turísticos que deixam qualquer pessoa boquiaberta devido à sua incomparável beleza. Caminhei até à praia e o meu olhar perdeu-se no azul do mar, tão parecido com os meus olhos. Desejei ter o meu piano ali, para que também a minha inspiração se pudesse perder naquele ambiente.

Como não podia deixar de ser, experimentei também a gastronomia local, deixando assim o meu paladar cheio.

Voltei ao hotel, sentindo que os meus dedos necessitavam já de percorrer as teclas pretas e brancas, numa dança que apenas eu entendia. Estive durante toda a tarde a ouvir a melodia que provinha do instrumento, a mesma melodia que me enfeitiçava de modo a eu perder completamente a noção do tempo e do espaço.

Conseguia abstrair-me de tudo o que me rodeava, e isso era tudo o que eu podia pedir. No entanto, tenho a noção de que toquei demasiado. Exprimi demasiada emoção, demasiados sentimentos, e apenas me apercebi disso quando a minha visão encontrou as teclas brancas pintadas de vermelho.

Não era a primeira vez que tal acontecia, recentemente isto tem-me acontecido muito. Tal como lhe acontecia a ele. Agora sim, percebo o porquê de ele não conseguir parar. Ficamos embebidos de tal forma na música, que pará-la no momento seria uma idiotice. Queremos sempre mais e melhor, queremos perfeição.

Não sentia dor nos meus dedos, aquele sangue era como medalhas pelo esforço que eu exigia a mim mesma. Sentia-me orgulhosa, e ao que muitos chamavam loucura, eu chamava dedicação.

Permaneço agora deitada sobre a cama alta do hotel, enquanto te conto a ti, Edward, como passei este dia. Desde que ele se foi, fechei-me completamente com todos. Não consigo ter uma conversa normal com as pessoas, e apenas o simples pensamento de ter de falar com alguém provoca-me calafrios.

Tenho sobretudo medo. Medo de encontrar alguém comoele, alguém que me faça perder de novo nos meus pensamentos, alguém que me faça sentir de novo apaixonada. Porque eu não quero, não quero que mais ninguém me faça sentir da maneira que ele me fazia sentir.

Quero-o apenas a ele.

Pianist - Short StoryOnde histórias criam vida. Descubra agora