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Tory Keene

Ele não deu a mínima para as cortinas. Nunca se importou com a casa. Acho que nunca se importou com nada dentro dela. Nem mesmo comigo. Então por que criou tanto caso? Por que teve de arruinar algo que para mim era tão importante? E por que eu aceitei?

Ele aparentemente nunca se importou com a mesmice das coisas. Que mal havia numa pequena mudança de vez em quando? Mudar é bom. Às vezes fico tão entediada olhando para as mesmas coisas... Chego a achar que vou enlouquecer. Se não pudesse me refugiar no trabalho todos os dias... não gosto de pensar muito sobre isso. É agoniante.

"Deixa pra lá", pensei. "Pendure as cortinas e pronto. Vão ficar ótimas, ele vai ver. Irá gostar. A mudança será bem-vinda." Eu esperava que sim.

Subi numa poltrona e prendi o tecido no trilho. Mas a poltrona era baixa demais. Eu precisava alcançar mais alto para endireitar as dobras. Então apoiei um pé sobre o braço da poltrona, outro sobre o espaldar, e estiquei os braços até conseguir o que queria. Graças ao meu trabalho e ao alpinismo, eu era capaz de me equilibrar como um cabrito na ponta de uma agulha.

Perfeito.

E então ouvi Robby entrar. Pulei da poltrona imediatamente. Ele levantou os olhos da correspondência pouco antes de eu plantar os pés no chão, perdendo minha acrobacia perfeita por uma questão de segundos.

Sorri para ele e disse:
- Então, o que acha?
Ele olhou para as cortinas e depois para mim. Um sorriso amarelo foi o máximo que conseguiu produzir.

Atravessamos o jantar como dois sonâmbulos. Como de costume, Robby se mostrou gentil, dizendo seu texto, elogiando a comida. Eu poderia ser outra pessoa, poderia dizer o que quer que fosse, e nada disso faria a menor diferença para ele. Às vezes me sinto como um fantasma. Invisível. E nada mais além disso.

Quase todas as noites tenho vontade de pular na frente dele e gritar:
"Olha pra mim! Eu não morri! Eu ainda estou aqui! Pergunta alguma coisa! Grita comigo! Qualquer coisa, menos isso!"

Às vezes fico tentada a dizer:
"Quer saber o que realmente fiz hoje? Você nem vai acreditar!"

Em vez disso, simplesmente pego minha faca e corto mais um pedaço de carne.

Robby Keene

Cada jantar é um verdadeiro evento para Tory. Eu já disse a ela um milhão de vezes: "Querida, não precisa fazer isso. Não me casei com você só pra ter alguém pra cozinhar pra mim."

Puxa, será que a gente não pode pedir uma pizza ou comer um congelado de vez em quando?

De jeito nenhum. Tem de ser um jantar perfeito todas as noites, desses que a gente só vê nas revistas. Sei lá, talvez na Rússia ela tenha sido criada dessa maneira.

Então, naquela noite nos sentamos nas cabeceiras da nossa enorme mesa de jantar. Luz de velas, o escambau. Mas tudo o que eu fazia parecia irritá-la. Bebi meu vinho e enchi a taça novamente. Ela não pareceu gostar muito disso. Talvez achasse que eu estivesse exagerando na bebida outra vez. Depois elogiei a comida. O prato estava realmente bonito, talvez bonito demais para ser comido.

- Mas tem alguma coisa diferente... - comentei, tentando adivinhar o que era, tava na ponta da língua.

- Acrescentei ervilhas - ela disse. Tory parecia mais leve com isso, com a minha observação.

- Ah, ervilhas. - Então levei uma boa garfada à boca. - Mmm... Está uma delícia. - a leveza dela foi embora na mesma velocidade que chegou.

O que foi que eu disse? Tory parecia prestes a explodir. Achei melhor não dizer mais nada e fiquei calado por algum tempo, apenas comendo. Depois pedi a ela que me passasse o sal. Bem, passar o sal não deveria ser um problema para ninguém, certo? Mas Tory adora uma competição e jamais admite perder.

Sr & Sra Keene - keenryOnde histórias criam vida. Descubra agora