04

235 18 7
                                    

Robby Keene

Alguns dias depois, Tory e eu estávamos na cozinha, lavando a louça do jantar. Uma obrigação doméstica, um ritual. Nenhum de nós dizia nada. Eu enxaguava as vasilhas debaixo da torneira, e Tory guardava tudo na máquina de lavar. Era assim que sempre fazíamos.

E se a gente resolvesse ousar um pouco e trocar de lugar? Ela enxaguaria a louça, e eu colocaria tudo na máquina?! Acho que nosso casamento não suportaria tamanha turbulência.

Então eu passei a travessa ainda suja de comida para minha esposa.

Avaliei ela, Tory parecia se controlar para não quebrar os pratos na minha cabeça.

Felizmente o telefone tocou.

Meus olhos imediatamente se voltaram para o aparelho na parede. Os dela também. A luzinha da linha dois estava piscando. A linha dela.

— Deve ser o escritório — ela disse, e rapidamente atendeu. — Não demoro — Tory saiu da cozinha. Virando o rosto, tapando o telefone com a mão enquanto falava.

Fiquei sozinho, livre para fazer com a maldita louça o que bem entendesse.

Eram muitos, os telefonemas do escritório. Olhando para o prato sujo em minhas mãos, ouvi-a subir a escada apressadamente em direção ao nosso quarto. Onde poderia falar com privacidade. Mesmo assim fiquei de ouvidos abertos.

A torneira pingava na pia.

Nada.

Depois peguei o prato sujo e joguei-o direto na porra da máquina. Sem enxaguá-lo antes. Um ato de rebeldia, nada mais..Um homem precisa se rebelar de vez em quando para fazer jus às calças que veste. De repente ouvi um barulho estranho no andar de cima, como se alguém arrastasse um móvel — ou um corpo.

Apertei os olhos, pensando:
"Que porra é essa agora?"

Eu não ligava, mas... talvez Tory precisasse de ajuda.

Calmamente, como quem não quer nada, subi em direção ao nosso quarto. Já no corredor, pude ver que a porta estava entreaberta. O suficiente para que eu desse uma espiadela.

Tory, de costas para mim, tinha acabado de vestir o casaco. Ainda sussurrava ao telefone, falando na sua língua nativa, alguns anos atrás aprendi russo para nos comunicarmos.

Pude ouvi-la dizer:
Я знаю... я понимаю... в люксе на верхнем этаже. Буду через сорок пять минут. (Sei... entendi... na suíte do último andar. Estarei lá em quarenta e cinco minutos.)

Suíte do último andar?

Ela desligou, e eu recuei. Mas o assoalho rangeu, um tantinho de nada. Tory se virou de repente e me viu parado à porta.

— Poxa, querido, você quase me mata de susto.

— Desculpa — eu disse com o máximo de displicência. — Só queria saber se não era nenhum problema.

Ela revirou os olhos e jogou o aparelho sobre a cama.

— Algum pateta fez uma burrice qualquer e arruinou o servidor de um escritório de advocacia na cidade. Sem servidor essa gente não faz nada. — Seus movimentos pareciam exagerados; a voz, um pouco alta demais. Ela encolhia os ombros, como se quisesse se desculpar. — Preciso ir até lá.

— Mas a gente prometeu aos Coleman que…

Subitamente rígida, Tory olhou para o relógio e disse:
— Volto em torno das nove. É só uma rapidinha. — A expressão bateu mal em meus ouvidos. Ela sorriu. Eu sorri. Sorrisos de praxe, nada mais.

Sr & Sra Keene - keenryOnde histórias criam vida. Descubra agora