Massala

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"Uma cena de crime violento, mas sem corpos. Vestígios suspeitos de um escândalo corporativo, mas sem provas. Massala é um detetive traumatizado pela perda da família e terá que dar o melhor de si em uma corrida contra o tempo para desvendar este crime misterioso.

Nesta desventura futurista, enquanto a cidade está sob ataques constantes de kaijus, Massala irá explorar a cidade e visitar velhas amigas em buscas de respostas, mas não se engane, em um mundo cótico, em quem realmente ele pode confiar?"

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I.

Dizem que o diabo está nos detalhes.

A porta se abriu, jogando, contra meu rosto, uma corrente morna de ar acompanhada de um cheiro nauseante e profundo. Cheiro de madeira adormecida e enrugada por um temporal, havia dias exposta apenas à sombra, com alguns traços de vida surgindo dos veios mórbidos e contraídos, o grito desesperado da resistência. A luz batia na diagonal através da veneziana da grande e única janela do cômodo central. A janela estava meio aberta, com algumas partes quebradas. Era de bambu com detalhes em metal, diferente das existentes na vizinhança que usava couro ou tecido sintético por dentro e simplórias grades com soldas brutas por fora, prisioneiros da própria liberdade. A parte não coberta exibia uma rachadura incomum, como polímero derretido por maçarico, apenas sem o cheiro de plástico no ambiente. Sem os tons escurecidos, na verdade; não soube reconhecer se estava assim devido ao que causara aquilo ou simplesmente por se tratar de um vidro moldado. Curiosidades à parte, o intrigante era pensar que sequer uma .50 atravessaria a janela, enquanto o que quer que tenha passado ali parecia ter passado como lâmina quente na manteiga.

O piso laminado tinha riscos de felino, não de um gato doméstico, mas de uma fera arrastada à força pelos cantos, depois sob os balcões e aparentemente em algumas partes da parede e do teto. Se alguém o tivesse feito, caprichou ao destruir tudo o que podia ser quebrado, concentrando no chão incontáveis e indistinguíveis cacos que explodiam sob meus pés. Era um breve corredor da porta até estar propriamente na sala, o pequeno estúdio se expandia por alguns metros para cada direção, sendo provavelmente aquele o maior cômodo e restando apenas um quarto para uma cama estreita e uma cômoda, e um banheiro individual. O papel de parede rasgado introduziu a cena bizarra, com o sofá virado no chão e uma mesa de centro partida ao meio. A luz iluminava bem, destacando os tons de mármore e detalhes em madeira e marfim, provavelmente uma terceira ou quarta geração, tanto da madeira, quanto do marfim. Tentei me lembrar se ainda vendiam aquele tipo de material na cidade, mas, com a proibição das Duplicatas, o máximo que eu encontraria seriam chapas impressas e pintadas em estufas.

O lado oculto da sala tinha uma atmosfera gótica, escondia papéis rasgados por todos os cantos, ofuscados na penumbra e esperando por serem descobertos, como um quebra-cabeças. Mas, ainda sob a luz, revelando-se além do acaso, uma poça misteriosa descansava espalhada por uma parte do espaço, pigmentada em tons confusos de vermelho escarlate, púrpura e preto, como se uma máquina e um humano sangrassem juntos até a morte.

Magda chamou minha atenção. Sua voz rouca entregava os danos do tabagismo depois de anos, mas também acrescentava um charme à sua beleza oriental. Ela sorriu quando me virei, saindo do transe de quando observava o caos no estúdio. Ela acenou me chamando com um gesto. Magda era metódica, costumava vagar pelas cenas apontando probabilidades para os eventos que desconhecíamos Era como se a morte ou a vida planejasse algo, indo de um lado para o outro com seu sobretudo esvoaçante e um coque relaxado. Ela tinha seu charme.

"Quantos metros você acha que tem daqui até o teto?", ela perguntou apertando os olhos para mim. Magda tinha esse hábito, pequenos detalhes em suas expressões que entregavam palavras que ela não se dava ao trabalho de dizer. Naquele momento, a pergunta era retórica, ela não queria um número como resposta, seria ingenuidade da minha parte falar que o pé-direito teria no mínimo três metros e meio, talvez um quarto. De qualquer forma, Magda já sabia; seu passado militar e tantos anos dentro de serviços privados em corporações daquele mundo avesso lhe proporcionaram mais do que um físico predisposto a encarar qualquer coisa, mas também um olhar aguçado e a inteligência de um tigre. Ela caminhou de um lado para o outro e parou observando o horizonte pela janela.

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