𝐌𝐄𝐄𝐓 𝐘𝐎𝐔 𝐀𝐆𝐀𝐈𝐍 ; renga.

𝟎𝟐.

  Kaoru Sakurayashiki é um calígrafo famoso em Okinawa. Possui um corpo esbelto, e definitivamente, elegante. Sua estatura alta e seus cabelos longos e rosados fazem parte de sua identidade visual, assim como o par de óculos que costuma usar. Ele chama atenção por sua habilidade em caligrafia, assim como chama atenção por sua habilidade no skate. No entanto, quando está acima da prancha fazendo manobras consideradas impossíveis, ele não é Kaoru. Ele é Cherry Blossom.

  Quando eu estava no ensino médio, a maioria dos skatistas profissionais costumavam esconder sua identidade, principalmente quem participava do "S". Com ele, não era diferente.

  "S" é um evento de corridas de skate que ocorria quase toda madrugada em locais abandonados. No entanto, esconder a identidade a participar da "S" era uma decisão sábia. Isso porque era ilegal, é claro. As corridas podiam ser facilmente fatais, e era corriqueiro obter ferimentos e contusões durante elas. O próprio Cherry, certa vez, já foi parar no hospital após um certo participante quebrar uma prancha em sua cabeça. Os torneios costumavam ser bem violentos, e se você for um dos parvos que não se atentava á polícia que chegava de vez em quando, poderia ser até detido. Kaoru, quando competia, escondia a face com uma máscara de tom escurecido e utilizava um codinome. Era necessário, pois a descoberta do público que o mesmo participava de um evento ilegal de skate não iria fazer nada bem para sua carreira de sucesso. Ele sabia disso.

  Eu nunca me destacava nas corridas, aliás. Preferia torcer pelos meus companheiros e vibrar a cada manobra arriscada que eles faziam e obtinham sucesso. Na época, os skatistas que competiam tinham um nível acima do meu, e eu era inseguro demais para insistir no fracasso.

  No entanto, após sair do ensino médio, tomei a decisão de investir na carreira. Era iminente a paixão que eu sentia ao subir em cima da prancha, então foi fácil fazer tal escolha. Ao invés de estudar para uma faculdade, passava a maior parte do meu tempo treinando manobras. Tinha a ajuda principalmente de Cherry, Miya e Joe. Conheci eles no segundo ano do ensino médio, e sempre foram minha base de apoio.

  Miya Chinen é um prodígio. Mesmo sendo mais novo que a maioria dos skatistas da "S", seu talento é admirável e exuberante. Ele se destacava na maioria das corridas que participava, sempre menosprezando seus adversários com um sorriso zombeteiro estampado em seu rosto. Sempre foi um rapaz focado que adora vencer, e treinar com ele é uma experiência inovadora, e com certeza, extravagante. No entanto, após sua formatura no ano retrasado, seu tempo se tornou escasso para me ajudar, e eu não o julgo. Miya também resolveu investir na carreira de skatista profissional, e parece estar dando tudo de si. Está se esforçando como sempre se esforçou.

  Joe era uma figura cômica. Fora dos torneios, ele se chama Kojiro Nanjo e é o dono de um restaurante italiano em Okinawa. Só que, assim como Cherry, utilizava um codinome quando competia na "S". Sua personalidade confiante, sua pele bronzeada e seu corpo robusto sempre chamaram a atenção das garotas, que vibravam e torciam fanaticamente por ele a cada corrida. Joe era como uma figura paterna para nós, sempre nos levando para provar as saborosas refeições que eram servidas em seu restaurante após os treinos. Além disso, possuía uma força física descomunal, o que lhe ajudava muito. Havia manobras de skate que só Kojiro era capaz de fazer.

  Cherry e Joe se conhecem desde a adolescência, e aparentam ter uma relação bem íntima. No entanto, vivem ofendendo-se e brigando por motivos estúpidos. Me recordo muito bem que, quando assistiam alguma corrida do "S", gostavam de apostar quem seria o vencedor, e era incrível como eles sempre discordavam. No entanto, eles eram uma ótima dupla e era nítido a preocupação que eles tinham um pelo outro. Quando Cherry se machucou gravemente em uma de suas corridas insanas, foi Joe o principal responsável por cuidar de seu bem estar físico e mental. É engraçado que, mesmo depois de tantos anos, eles continuam iguais.

  Assim como Kojiro, Kaoru também é uma figura paterna para mim. Resolveu ceder de algumas semanas de trabalho para me dar auxílio nos treinos e servir como um técnico, e eu não poderia estar mais grato. A habilidade dele no esporte e a experiência dele em torneios profissionais como este são obviamente superiores às minhas, e por isso ele resolveu me ajudar. Está sendo meu acompanhante na viagem a Osaka, cidade em que ocorrerá o campeonato.

  Pelas manhãs, Cherry me desperta e impede que a preguiça tome conta de meu corpo. Ele também é responsável pela minha alimentação saudável em todas as refeições, por que de acordo com ele, preciso cuidar de mim mesmo para ficar em bom estado para o torneio. Eu sei que ele está correto, mas de qualquer forma, é inevitável exibir uma careta disforme toda vez que preciso trocar um hambúrguer por uma salada de frutas. Ele diz que ainda sou o mesmo do ensino médio.

  A maior ajuda mesmo está sendo nos treinos. Kaoru sabe incontáveis manobras, e está disposto a me ensinar as que estão em meu alcance e que me darão pontos suficientes no campeonato. É inegável o fato de que ele é um ótimo professor, por mais que não tenha muita paciência.

  É evidente que estou bem acompanhado. Tenho ótimas amizades, que sempre me ajudam em qualquer quesito. Mesmo assim, ainda sinto que falta-me algo. Eu me sinto alegre com minha vida e a forma que estou construindo minha carreira, mas diria que ainda tem algo me impedindo que eu seja completamente feliz. É como se, todos os dias, eu estivesse buscando incansavelmente por algo que eu não sei o que é, e não consigo achar. Mas penso que todas as pessoas se sentem assim, na verdade. É como se, sempre faltasse algo para todos nós.

  É normal pensar assim.

  Não é?

  Meus pensamentos são interrompidos por um barulho agudo, incessante e desconfortável. Cubro meus ouvidos, na esperança de fazer o som sumir, mas não obtenho sucesso.

  A pior parte da manhã é ter que lidar com o despertador.

  Após alguns segundos, vejo Kaoru, já desperto, encerrar o alarme com um rápido toque na tela de seu celular. Como toda manhã, ele olha para mim, esperando que eu me levantasse.

  — Você não vai acordar? — a voz de Cherry, por mais que calma, é um dos fatores responsáveis por me fazer voltar à realidade.

  O dia havia chegado.