Eu nunca vou me acostumar com essas viagens demoradas, estou dirigindo faz três horas e o máximo de civilização que consigo enxergar são fazendas enormes no canto da estrada que aparecem a cada meia hora só pra conseguir notar que você está saindo do lugar, porque eu acreditaria facilmente que estou andando em círculos nessa estrada que permanece idêntica desde que me afastei da pequena cidade. Onde estou indo? Bom eu tenho quase certeza de que estou na direção certa. Pra falar a verdade eu não faço ideia, cheguei a ver alguns lugares sendo anunciados na internet mas não consegui gostar de nenhum deles, alguns parecem que não vêm ninguém a séculos, porque os móveis parecem prestes a cair, outros estão completamente fora do meu orçamento, e tenho pavor em ter que dividir um apartamento minúsculo com outra pessoa. Estou completamente ferrada e sem teto eu diria, mas eu tenho uma esperança, eu tenho um emprego, quer dizer, uma entrevista de emprego, é uma empresa que se encaixa muito no meu perfil, e adivinha, é completamente dentro da minha área, eu posso ser a ilustradora oficial de uma editora , ouviram isso? I-l-u-s-t-r-a-d-o-r-a-o-f-i-c-i-a-l-, só pode ser um sonho.
Eu estou vendo a civilização, nem posso acreditar que sobrevivi a terríveis quatro horas jogada no meio do nada. São poucos minutos dirigindo na nova estrada cercada por casas grandiosas e suas piscinas enormes até encontrar o centro da cidade, onde a mágica acontece, as casas altas e luxuosas se intercalam com pequenos becos com amontoados de casas, com o mínimo de janelas possíveis, e de onde saem um número assustador de crianças das mais diversas aparências.
Paro o carro um pouco em busca de um café bem forte pra que eu me sinta menos pesada da viagem, mas na verdade só preciso de um bom banho. Compro um enorme copo na primeira lanchonete e dirijo até uma pousada antiga com uma varanda enorme que acabei encontrando na busca pelo café e estaciono na porta. É só provisório, preciso passar essa noite em um lugar melhor que meu carro pra que eu esteja minimamente apresentável amanhã pra entrevista. Saio do carro e com certa dificuldade consigo abrir a porta emperrada do lugar, eu espero muito que isso não desmorone comigo aqui dentro, eu realmente preciso sair viva daqui.
-Boa tarde, eu gostaria de um quarto.- A senhora de meia idade sentada naquela cadeira visivelmente desconfortável me encara com o mínimo de interesse possível. Eu li uma vez que ficar em uma posição desconfortável por um longo período de tempo pode afetar seu humor, o que faz muito sentido, visto que essa senhora do cabelo grisalho e óculos que quase escapam pela ponta do nariz me olha de cima a baixo por tempo suficiente pra contar todas as pintas espelhadas pelo meu corpo.
- Temos apenas um quarto disponível, porém o chuveiro está queimado.- A senhora responde com a voz repleta de tédio. Me arrependo amargamente por não ter procurado por mais tempo um lugar pra morar, mas é melhor um banho frio do que aparecer na editora com esse cheiro de quem passou quatro horas enfornada em um carro.
- Claro, sem problema.- Respondo. Assim que pego a chave, tiro minhas malas do carro com um pouco de dificuldade e as arrasto com mais dificuldade ainda pelo corredor enorme até o quarto.
Esse lugar não parece tão ruim se você ignorar as rachaduras na parede e o barulho irritantemente alto dos pombos que insistem em pousar na janela.
-Vão embora seus intrusos- fecho a janela numa tentativa de faze-los irem embora, porém eles insistem em ficar na parte externa, acho que terrei que me acostumar com isso.
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Meu escritor- Elly
RomanceElly sempre passou grande tempo da sua infância enfornada na bela doceria de sua mãe no interior da cidade. Mesmo sempre admirada pela montanha familiar e adorável de açúcar, após dessistir de mais uma faculdade inútil na primeira semana Elly resolv...