Crianças eram seres criativos por sua própria natureza, elas viam o mundo de uma forma bela, colorida, onde tudo pode acontecer e não existe nenhum tipo de barreira ou limitação entre elas e um sonho, tudo plenamente incentivado pela maioria dos adultos, que, como tal, não gostariam de imergir uma alma ainda tão pura na cruel verdade da vida, pelo menos não enquanto ela não estivesse tanto física, quanto mentalmente pronta para encarar a realidade.
Algumas crianças tinham sonhos bobos, infantis e exageradamente felizes, como viver em um castelo com um príncipe encantado, ter um unicórnio morando em seu quintal, conseguir viajar para uma outra realidade apenas abrindo a porta de seu armário, ou até mesmo de conseguir achar um jeito de entrar dentro da televisão para viver sua vida no faz de conta de seu desenho favorito.
Então, havia um segundo grupo, o grupo que já se “preocupava” no que eles iriam querer ser quando crescessem, uma poderia querer ser professora igual sua mãe, outra queria ser dona de uma padaria igual a garota de cabelos azuis no desenho do gato e da joaninha, outra talvez uma médica? Ou então uma dentista? Que tal um designer de jogos?
Ou talvez, quem sabe um caçador de onis?
Naoto e sua irmã nunca haviam se encaixado em nenhum daqueles dois grupos, eles não sabiam nem se já haviam se encaixado no grupo de simplesmente ser criança alguma vez em sua vida: enquanto os pais das outras crianças faziam de tudo para mantê-los longe de qualquer coisa em potencial que poderia acabar com sua inocência infantil, os pais Tachibana faziam exatamente o contrário, e, Naoto nem mesmo se achava no direito de reclamar, afinal, que escolha seus pais tinham?
Eles eram antigos caçadores de oni, os dois — sua mãe, descendente da respiração da chama, seu pai, descendente da respiração da névoa — e como tal, eles não tiveram a opção de deixar seus dois filhos pequenos na alienação total assim como faziam as outras famílias. Como poderiam? A vida de caçador não era fácil, em um minuto você poderia estar bem, e no outro estaria sendo mandado para a morte em uma floresta cheia de onis prontos para desgrudar sua cabeça do resto de seu corpo.
Portanto, quando cada um deles completou quatro anos, com sua irmã tendo começado ainda alguns meses, se não anos, antes si mesmo, eles foram rapidamente inseridos no que era o modo de vida de um caçador, e que antes parecia algo simplesmente tão trivial: as árvores bonitas em frente a sua casa? Glicínias, deixadas lá especialmente para proteger ele e sua irmã dos demônios. As saídas que ou seu pai, ou sua mãe faziam para ir até o mercado na cidade, mas que sempre eram roubados no caminho ou qualquer outra desculpa boba? Missões de caça que eles haviam sido enviados para fazer. As vezes que eles saíam os dois juntos para ir visitar alguns amigos que eles não tinham visto há anos? Reunião da Demon Slayer Corps.
Entretanto, não apenas a inocência de não saber do que estava acontecendo havia sido tirado deles, mesmo que ele não pudesse dizer que haviam sido obrigados porque, novamente, que escolha eles tinham? Continuar brincando no quintal alheios a tudo até o dia que seus pais fossem pegos no caminho para aquelas reuniões obrigatórias?
Não, eles não se arrependiam de ter começado os exercícios de respiração e sobrevivência tão cedo em sua vida, de ter tido que aprender a sentir presenças, a não confiar apenas em sua visão, a seguir pistas, identificar vegetações venenosas, lutar com espadas, e a caçar pequenos animais para emergências alimentares entre as missões.
No entanto, agora, quase nove anos desde que sua irmã começou seu treinamento, com a garota tendo então 15 anos enquanto o próprio Naoto tinha 13, com tanto um quanto o outro sentados em frente a uma mesa cheia de comidas feitas para o almoço na residência do pilar da chama, eles não podiam deixar de se perguntar o quanto daquilo tinha sido realmente necessário.
