capítulo - 2

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Mais um dia neste quarto. Ele parece que diminuiu ao longo dos anos, mas sei que é só por conta das inúmeras telas de pintura que estão espalhados por ele

Houve uma época em que eu era totalmente apaixonado por pintura. Eu me sentia acolhido. Sempre foi uma rota de escapatória para a minha infeliz realidade, mas perdeu o seu encanto com o tempo. Me pergunto se isso se aplica a mim também, se com o tempo fiquei sem graça aos olhos dos outros

Lembro-me que meus dias se resumiam a aquelas belas cores e meus pincéis. Pintava tudo o que encontrava em minha frente, as paredes de meu quarto que no passado eram brancas, são a prova disto

Nunca fui, e continuo não sendo bom em expressar com palavras, constantemente me sentia mal por não conseguir dizer como me sentia, não conseguir me abrir com outras pessoas, com minha própria família. Então jogar tudo em uma tela, sempre foi o melhor jeito que encontrei para tirar o que está constantemente preso em minha garganta

Mas com mais de uma década fazendo as mesmas coisas todos os dias, acaba sendo desgastante. Me desgastou fisicamente e mentalmente. As telas que por mim foram amadas durante anos, e pintadas com os mais puros sentimentos, aos poucos foram se tornando iguais. Quando menos percebi, eu pintava sempre rosas, mas estas eram desprovidas de cor, todas elas

Minha família constantemente me questionava sobre como me sentia, já que, parei de lhes mostrar os quadros que antes apresentava a eles com tanto orgulho. A resposta era sempre a mesma, "eu estou bem", acompanhada de um pequeno sorriso, um sorriso falso

Sasuke nunca acreditava em minhas palavras, então ficava ao meu lado em total silêncio. Nestes dias, quando eu menos esperava, ele vinha com seu travesseiro e se deitava comigo, enquanto fazia carinho em meus longos cabelos. Nada saia de minha garganta a não ser os soluços de meu choro, que eram abafados pelo peito de meu irmão. Ele sempre zelava pelo meu sono

Muitos dizem que sua mente pode ser tanto sua melhor amiga, quanto sua pior inimiga, e a minha desde sempre prezou pela segunda opção, constantemente tirando os resquícios de felicidade da minha alma, a deixando vazia

Me sinto uma casca que está a apodrecer lentamente, e somente não me questiono se realmente tenho um coração, porque ele me lembra que está ali, com suas batida descomunais e aceleradas. não deveria ser assim. nada disso deveria ser assim

Desde aquele dia eu não fui mais o mesmo

Odeio me comparar a algo frágil por minha condição, mas se eu fosse um objeto, possivelmente seria um vaso. Eu seria um vaso de flores feito de porcelana, que foi deixado no canto da mesa e acabou se despedaçando no chão por conta dos fortes ventos que vieram pela janela aberta. ele pode até ser colado e parecer como se nada estivesse acontecido, mas se você colocar água, verá que ele continua quebrado

É assim que sempre me sinto, quebrado, uma vaso de flores inutilizável

O dia se foi e sequer percebi a lua chegar. Sempre preferi a noite do que o dia, era o horário que saia escondido de meu quarto para ir ao jardim e apreciava o céu estrelado, muitas vezes levava uma tela para pintá-lo. Me sentia tão feliz quando fazia isso, me pergunto quando foi que acabou

— Filho, está bem? — a voz de meu pai me faz sair de meus pensamentos. Percebo que agora sou o centro dos olhares de minha família

— Estou bem sim, só estava a pensar um pouco..— eles continuam a me olhar. Isso me deixa desconfortável — acho que já irei dormir, tenham uma boa noite — levanto da mesa, pego meu prato que antes havia comida e levo a cozinha, logo depois me dirijo a meu quarto

Quando chego em meu quarto tomado pela falta de iluminação, vou direto apreciar o conforto e a maciez de minha cama, aproveitando para afundar meu rosto no travesseiro com um cheiro gostoso de amaciante. Enchia meus pulmões de ar para logo soltá-lo calmamente. O silêncio era assustador, mas de uma certa forma reconfortante

Fechei os olhos me permitindo adormecer por poucos minutos. Por alguma razão me sinto cansado

Abro meus olhos e percebo que ainda é noite, não parece que se passou muito tempo. Olho para o relógio que se encontra no criado-mudo ao lado de minha cama, confirmo minha teoria quando vejo que se passou apenas duas horas

Sinto um choque térmico quando meus pés entram em contato com o chão frio, um arrepio passa por meu corpo. Finalmente me levanto, e descalço ando até a varanda esquecida aberta por mim, as cortinas balançavam com a brisa fria que entrava. Quando chego perto sou obrigado a arrumar meus fios de cabelos que insistem em serem desarrumados pelo vento

Olho para o céu, ele estava deslumbrante, a lua estava cheia e parecia brilhar mais que o normal, as estrelas pareciam pingos de tinta branca em uma tela escura. Meus olhos vão para dentro de meu quarto, e param nos materiais de pintura esquecidos em um quanto qualquer

Talvez não seja de todo mal

Vou para dentro já tendo uma ideia do que fazer. Pego uma tela não muito grande e uma bolsa com as matérias, calço uma pantufa e caminho vagarosamente para fora. Olho para os lados e tento escutar algum barulho, felizmente não ouço nada

Na pontinha dos pés passo pelo corredor e desço as escadas. As chaves da porta que leva ao jardim estão sempre na fechadura, então só a viro e ando para fora

E como imaginei, a visão do salgueiro junto com essa noite estrelada ficou encantador. Me sento na grama e vou colocando todos os materiais necessários ao meu redor. Um sentimento de nostalgia me invade o peito

Um pequeno sorriso se formou em meus lábios inconscientemente

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