O milénio virou conhecendo uma geração que nasceu quando a Church of Satan já era
história e que passaou a infância vendo o diabo como personagens de desenho animado.
Depois da grande deflagração satânica de LaVey, a formalidade iniciática trazida pelo Templo
de Set e o Zeitgeist da Order of Nine Angles os satanistas, e o mundo, se encontraram em
uma situação completamente nova. Estas organizações continuaram a fazendo um trabalho
interessante, surgiram algumas outras e existem boatos de uma eminente reorganização da
Church of Satan. Mas esta época apresentou um contexto novo e o desenvolvimento do
satanismo prosseguiu de uma maneira diferente desde então.
Em especial houve a necessidade de se aprender a lidar com a nova realidade apresentada
pela ascensão da Internet e isso trouxe ameaças e oportunidades para o satanismo. A parte
boa é que desde então é possível para qualquer pessoa interessada ter acesso a textos,
livros e rituais que antigamente lhe custariam muito mais esforço, tempo e dinheiro. Quem
nasceu depois desta época não faz idéia de como era difícil encontrar informações antes dos
anos noventa. Graças a isso vivemos uma liberdade criativa muito maior e a evolução
acontece de forma múltipla e dinâmica.
Os sites de satanismos se multiplicaram, muitos sem qualquer ligação com os grupos já
mencionados. A consequência imediata é que houve uma mescla maior entre o satanismo e
outras escolas de pensamento, com destaque para a magia do caos. Com isso a postura com
relação aos rituais e prática mágica dos satanistas de então se tornaram muito mais
diversificadas. Os indivíduos que se destacaram nesta fase nova eram tão diferentes de seus
antecessores como diferentes entre si, podemos citar entre eles Michael W. Ford, E.A
Koetting, Matt Paradise e mesmo Donalt Tyson entre outros. Alguns destes se dizem
defensores do único satanismo verdadeiro, outros fogem do título de satanistas mas todos
são indiscutivelmente herdeiros de LaVey ou no mínimo crias diversas da Era Satânica.
A parte ruim desta facilidade de acesso ao conhecimento é que a internet e mais
recentemente as redes sociais criaram um ambiente onde é muito fácil existir algo que
chamo de 'satanistas não-praticantes'. Pessoas que cultivam uma imagem satânica mas que
são na verdade fracassados. Desde esta década tornou-se cada vez mais fácil encontrar
alguém que se diga satanista mas muito mais difícil encontrar um de verdade. Acredito que
isso aconteça porque sem um grupo real presencial, sem convívio, reuniões, contato social,
etc.. é muito mais fácil falar sobre satanismo do que vivê-lo.
Não está claro como essa geração vai resolver este problema. Talvez a própria tecnologia
forneça alguma solução. Talvez isso nem mesmo seja realmente um problema pois pode
servir como uma espécie de peneira para separar os indivíduos realmente notáveis da massa
que pensa que é elite. O modelo dos pequenos grupos satânicos que usem, mas não se
limitem a, o mundo digital ou o modelo da criptocracia satânica me parecem ser
promissores. Outra questão pendente e que uma hora ou outra terá que ser encarada por
alguém é a consequência da enxurrada de influências esotéricas no satanismo atual, que
sem dúvida fariam LaVey e mesmo Aquino levantar uma sobrancelha. A diversidade é
realmente interessante, mas metafísica demais e resultados de menos é um convite ao
devaneio. A falta de foco e o desejo de parecer místico demais pode levar os satanistas do
amanhã por terrenos pantanosos.Ou
Outro aspecto do satanismo anos noventa foi o que LaVey chamava de "Cultura do
Apocalipse." Se a geração que nasceu nos anos 50 cresceu sob a sombra de uma guerra
atômica e assimilou a possibilidade de uma iminente destruição do planeta. A geração dos
anos 60 uniu esta inevitabilidade com nossa destruição pelo descontrolado crescimento
populacional. Os anos 70 compreendeu o desastre ecológico para o qual caminhamos. Os
anos 80 conheceu uma nova ameaça global desta vez sob a forma de crises políticas globais.
Os anos 90 trouxeram a profileração da AIDS e a ameaça de outras pandemias. Os anos
2000 apresentaram ao mundo a ameaça terrorista e o fantasma do colapso financeiro
mundial. Ou seja, se hoje na década de 10's existe algo com que estamos acostumaos, este
algo é o Fim do Mundo.
Mas muitas pessoas ainda não conseguem aceitar isso: o mundo pode acabar a qualquer
instante, ou muito mais provável, você pode morrer hoje. Após serem decepcionadas pelas
fúteis promessas da cristandade algumas pessoas buscaram conforto no misticismo pagão ou
em livros de auto-ajuda. Mas os satanistas, especialmente desde os anos 90, queriam
simplesmente a liberdade de ser deixados em paz para criarem suas próprias realidades.
Disse LaVey já em idade avançada: “Esta é uma característica que eu divido com a nova
geração de satanistas que poderia ser melhor rotulada como a Cultura do Apocalipse. Não
que eles acreditem no apocalipse Bíblico, a última batalha entre o bem e o mal, mas justamente o contrário. Uma urgência, uma necessidade de pararmos de nos lamentar para
que se o mundo terminar a amanhã nó saberemos que vivemos o dia de hoje. Basicamente,
tocamos harpa enquanto Roma pega fogo."
Ao contrário do que pensavam os histéricos do Pânico Satânico da década de 80, os
satanistas não estavam preocupados em dominar o mundo. Eles queriam sim ser senhores
de seus próprios destinos. Não havia uma conspiração secreta, mas uma revolução invisível.
Especialmente LaVey jamais pensou que o satanismo se tornaria uma religião dominante,
mas tinha certeza de que ela infectaria e transformaria o mundo todo. E temos de concordar
com ele quando notamos que os grandes avanços na história da humanidade não foram
feitos no marchar dos milhares mas nos avanços dos poucos. O progresso é sempre feito por
uma elite. E se deve haver um esforço por parte de alguém da massa, o esforço deve ser o
de se elitizar para se encontrar com os seus e assim florescer.
É por isso que em seus últimos anos LaVey retomou o sistema de grottos, desta vez sem
qualquer interferência pesada e estimulando o contato próximo entre os membros locais, a
criação de círculos internos e uma independência maior quanto a sede na Califórnia. Um
exemplo muito bem sucedido deste novo modelo de grottos resultou na Associação
Portuguesa de Satanismo, que produziu um material de extrema qualidade nos anos
seguintes. LaVey entendeu que assim como foi com ele nos anos 60, a mais satânica de
todas as organizações é simplesmente o grupo de amigos. Observando o crescimento
acelerado de igrejas dissidentes e do crescente ecletismo LaVey notou que era preciso
mesmo impulsionar a criação de pequenos grupos de elites satânicas pensantes e
independentes por toda parte. Mais era tarde demais, ele já estava velho e cansado e os
satanistas já estavam fazendo isso por conta própria.
É significativo e simbólico que que LaVey tenha morrido nos anos 90. Pouco após sua morte
foi lançado o último livro ―Satan Speaks‖ que completaria o cânon laveyano do satanismo
moderno. Este livro é essencialmente diferente dos demais, aqui LaVey já estava consagrado
como satanista e podia se dar ao luxo de tratar de outros assuntos de seu interesse como
questão judaica, o poder da mídia, o porte de armas, a morte da moda e outras
particularidades. Anton vivia na pela a necessidade de individualização que cada satanista
deveria viver. Afinal de contas não faria muito sentido se uma religião baseada no individuo
acabasse criando um exército de pessoas esteticamente, e ideologicamente iguais. O livro é
aberto com um prefácio escrito por Marylin Manson.
Marylin Manson foi em seu tempo um exemplo perfeito deste novo momento do satanismo
onde o Indivíduo Destacado e a Cultura do Apocalipse se encontram. Quando LaVey morreu
em 1997 e sua igreja demorou para revelar alguém com uma liderança e criatividade a
altura e Manson preencheu este vácuo tornando-se o porta voz desta nova geração de satanistas, muito mais do que qualquer Magister de qualquer outra ordem. Marylin era ele
mesmo um membro e reverendo da Church of Satan mas nunca se prendeu a isso refletindo
a sua própria maneira este novo momento da historia do satanismo que oscilava entre o
sensacionalismo e o elitismo. Quanto a isso basta ver sua produção artística como "1996" e
demais músicas da época. O satanismo teve a sorte de transformar o pânico satânico em
entretenimento para as massas e assim poderia viver satanicamente com tranquilidade para
trabalhar pelo advento da Era de Satã ou para a próxima sessão de massagem.
As músicas de Mason foram apreciadas por milhares de pessoas acéfalas que não se davam
o trabalho de prestar atenção em suas letras e por algumas pessoas de maior sensatez que
justamente por entender suas letras aprenderam a não levar o espetáculo tão a sério.
Manson foi um homem do shown bussiness e claramente tratou seus entrevistadores de
acordo com a inteligência que demonstram ter. Exatamente como LaVey vendeu para as
massas a chance de se elevarem, ou de pelo menos terem um pouco de diversão. E
convenhamos se não teve a mesma profundidade literária de LaVey ao menos tem um
melhor talento musical. Novos tempos exigiam novas estratégias.
O tempo de Manson já passou e hoje em dia embora o Diabo não esteja mais tão na moda,
os satanistas conseguem viver suas vidas em paz. É verdade que ainda existem mesmo nas
Américas grupos fundamentalistas de diversas religiões que preferem viver suas vidas
segundo tradições orais de dois milênios atrás ou de mitos da era do bronze. Mas o satanista
não é contra a existência de grupos fundamentalistas, ele só não quer ser obrigado a fazer
parte deles. Cada um deve ser livre para viver da maneira que quiser, e isso está bem claro
na política de ―Total Environment‖ proposta por LaVey nos seus últimos anos.
De certa forma o ocidente já foi conquistado por Satã. Mas no cenário global observamos a
polarização do antigo monoteísmo com os valores ocidentais. Em termos de mundo, embora
hoje os países do ocidente sejam um ótimo lugar para o satanismo existe a sombra do
crescimento do neo-pentecostalismo que trás novamente a tona as implicações políticas de
uma maioria religiosa. Mas a maior ameaça nesse sentido vem do oriente.
Internacionalmente o choque das civilizações é algo que não pode ser ignorado. O Islamismo
é aceito liberalmente no ocidente enquanto engessa suas teocracias no oriente. Pouco depois
do final dos noventa, em 2001 essa tensão estourou de vez e até hoje não sabemos como e
quando isso vai acabar.
Em poucas palavras hoje temos duas alternativas: ou levamos sutilmente o inferno para o
resto do mundo ou teremos impostas novamente as antigas restrições das quais já tínhamos
nos livrado. Maomé nos aguarde, pois Moisés e Cristo já foram contaminados.
Toda essa situação nova foi bem própria da virada do milênio. As quatro características
principais deste cenário para resumir são: Um enfoque do satanismo na pratica individual, O impacto da Internet, a Cultura do Apocalipse e a polarização global do liberalismo ocidental
contra o modelo monoteísta encabeçado pelo islamismo. Como estes fatores vão se
desenvolver e influenciar o satanismo do futuro é algo difícil de prever, mas eles já tiveram
seu primeiro grande filhote, a Corrente 218, que será tratada no próximo capítulo.