- Nunca mais me assuste desse jeito! - Mark reclamava com Jungkook, no final da tarde de quarta-feira.
O sol já estava se pondo enquanto Jungkook se encontrava escorado dentro da cabine telefônica da Sword e Cross, um pequeno cumbiculo bege no meio da área de recepção. Não chegava perto de oferecer privacidade, mais pelo menos não tinha ninguém passando por alí no momento. Seus braços ainda latejavam pelo trampo no cemitério no castingo do dia anterior e seu orgulho ainda estava afetado pela fuga de Taehyung, um segundo depois de terem sido puxados de baixo da estátua. Porém durante quinze minutos, Jungkook estava tentando com todas as forças tirar tudo aquilo da cabeça, e absorver cada palavra maravilhosamente frenética que seu melhor amigo disparava no curto tempo permitido. Era tão bom ouvir a voz melodiosa de Mark que Jungkook quase não ligou por estar recebendo um esculacho.
- A gente prometeu que não ficaria nem uma hora sem se falar - continuou Mark,
acusando-o. - Achei que alguém tinha comido você vivo! Ou talvez que tivesse sido jogado na solitário, numa daquelas camisas de força em que você precisa rasgar a manga com os dentes para conceguir se coçar. Pra mim, você podia de repente ter descido até os quintos do...
- Tá bom, mãe - disse Jungkook, rindo e se acomodando no velho papel de acalmar Mark. - Relaxa. - Por uma fração de segundos, ele se sentiu culpado por não usar seu direito a um telefonema ligando pra sua mãe. Mas Jungkook sabia que Mark ia arrancar os cabelos se descobrisse que ele não tinha aproveitado a primeira oportunidade para entrar em contato com ele. E, de um jeito estranho, a voz estérica de Mark sempre o trazia conforto. Era um dos motivos pelos quais eles se davam tão bem: A paranóia exagerada do melhor amigo na verdade tinha um efeito tranquilizador sobre Jungkook. Ele podia até imaginar Mark em seu dormitório na Dover, andando de um lado pro outro sobre o tapete cor laranja berrante, com gel adstringente espelhado pela zona T do rosto e algodões separando os dedos do pé com as unhas ainda molhadas de esmalte fúcsia.
- Nem vem com essa de mãe! - resmungou Mark. - Pode começar a rasgar os babados. Como são os outros alunos? São todos assustadores e ficam tomando diurético como nos filmes? E as aulas? Como é a comida?
Pelo telefone, Jungkook podia ouvir a Princesa e o Plebeu passando na TV de Mark. A cena favorita de Jungkook sempre foi aquela em que Audrey Hepburn acorda no quarto de Gregory Peck, ainda convencida de que a noite anterior foi só um sonho. Jungkook fechou os olhos e tentou imaginar a cena em sua mente. Imitando o sussurro sonolento de Audrey, citando a fala que Mark conhecia:
- Havia um homem, ele foi tão mau comigo. Foi maravilhoso.
- Tá legal princeso, é da sua vida que eu quero saber - provocou Mark.
Infelizmente, não tinha nada sobre a Sword e Cross que Jungkook podesse imaginar sendo descrito como maravilhoso. Pensando em Taehyung pela... hum... octogésima vez naquele dia, ele percebeu que o único paralelo entre sua vida e A princesa e o plebeu era que ele e Audrey gostavam de caras agressivos, rudes e sem interesse algum por eles. Jungkook descansou a cabeça nas paredes bege do cumbiculo. Alguém tinha arranhado as palavras AGUARDO A MINHA HORA. Sob circunstâncias normais, essa seria a hora em que Jungkook contaria a Mark tudo sobre Taehyung.
Só que, por algum motivo, ele não contou.
Qualquer coisa que tivesse vontade de contar sobre Taehyung não seria baseada em nada que tivesse realmente acontecido entre os dois. E Mark era muito a favor de caras que faziam esforço para mostrar que valiam a pena. Ele ia querer ouvir coisas sobre como ele abriu a porta para Jungkook tantas vezes, ou se ele tinha reparado como o francês dele era bom, quase sem sotaque. Mark não achava que havia algo de errado com caras escrevendo poemas de amor melosos que Jungkook nunca levaria a sério. Jungkook não teria muita coisa para contar sobre Taehyung. Na verdade, Mark ficaria muito mais interessado em ouvir histórias sobre alguém como Jimin.
- Bom, tem um garoto aqui - Jungkook sussurrou no telefone.
- Sabia! - Mark gritou. - Nome?
Taehyung. Taehyung. Jungkook pigarreou: - Jimin.
- Direto, sem complicações. Posso gostar. Conta desde o começo.
- Bom, nada aconteceu ainda.
- Ele acha você deslumbrante, blá-blá-blá. Eu disse que esse cabelo curto deixava você muito gato. Conte logo a parte boa.
- Bem... - Começou Jungkook. O barulho de passos no saguão o fez parar. Ele se inclinou para fora da cabine e esticou o pescoço para ver quem estava interrompendo os melhores quinze minutos que teve em três dias inteiros.
Jimin estava andando em sua direção.
Falando no diabo. Ele engoliu as palavras horrivelmente ridículas que estavam na ponta da língua: ele me deu uma paleta de guitarra. Ele ainda estava com aquilo no bolso.
A atitude de Jimin era casual, como se, por um lance de sorte, ele não tivesse escutado oque Jungkook estava falando. Ele parecia ser o único aluno na Sword e Cross que não tirava o uniforme da escola imediatamente depois de sair da aula. Mas o look preto ficava bem nele, enquanto fazia Jungkook parecer uma caixa de supermercado.
Jimin rodopiava o relógio de bolso de ouro que estava pendurado numa corrente comprida em volta do dedo indicador. Jungkook acompanhou o relógio balançando por um momento, quase hipnotizado, até Jimin abrir a tampa do relógio com um estalo. Primeiro ele baixou os olhos para o relógio, depois o encarou.
- Desculpe. - Seus lábios carnudos se franziram de confusão. - Achei que eu tinha sido encaixado no telefonema das sete horas. - Jimin deu de ombros. - Mas acho que anotei errado.
O coração de Jungkook se encolheu quando olhou seu próprio relógio. Ele e Mark mal tinham trocado quinze palavras - como seus quinze minutos já tinham acabado?
- Kook? Alô? - Mark parecia impaciente do outro lado da linha. - Você está esquisito. Tem alguma coisa que não está me contando? Já me trocou por algum amigo de reformatório que gosta de se cortar? E o garoto?
- Shhh - mandou Jungkook ao telefone. - Jimin, espere - chamou afastando o fone do rosto. Ele já estava atravessando a porta do cumbiculo. - Só um segundo, eu já estava - ele engoliu em seco - eu estava desligando.
Jimin deixou escorregar o relógio na frente de sua jaqueta preta e na direção de Jungkook. Ergueu as sombrancelhas e riu quando ouviu a voz de Mark saindo cada vez mais alta do receptor do telefone.
- Não ouse desligar na minha cara - protestava. - Você não contou nada. Nada!
- Não quero deixar ninguém irritado - brincou Jimin, apontando para o telefone que gritava. - Pode pegar o meu lugar, fica me devendo para uma outra vez.
- Não - respondeu Jungkook rapidamente. Por mais que quisesse continuar conversando com Mark, ele imaginava que Jimin provavelmente se sentia da mesma maneira sobre quem quer que o tivesse feito ir até ali. E, diferente de muita gente na escola, Jimin tinha sido muito gentil até agora. Ele não queria fazê-lo desistir de minutos de telefonema, especialmente agora, já que ele ficou nervoso demais para contar a Mark sobre ele.
- Mark - disse, suspirando, para o telefone. - Tenho que desligar. Ligo de novo assim que... - Mas a essa altura só havia um vago zumbido no seu ouvido. O telefone tinha sido programado para desligar a cada quinze minutos. Agora ele percebeu que tinha um pequeno conômetro marcando 0:00 em sua base. Eles nem tinham se despedido e agora teria que esperar mais uma semana inteira para ligar novamente. Na mente de Jungkook o tempo era como um abismo sem fim.
– Melhor amigo? – Jimin perguntou, entrando no cubículo ao lado de Jungkook. Suas sobrancelhas continuavam escuras continuavam arqueadas.
– Eu tenho três irmãs mais novas, eu posso praticamente cheirar a vibração de melhores amigos ao telefone. – Ele se inclinou para frente como se ele fosse cheirar Jungkook, o que o fez soltar um riso abafado... E depois congelar. A aproximação inesperada dele fez o coração do Jeon pular.
– Deixe-me ver – Jimin endireitou-se para trás e levantou o queixo. – Ele queria saber tudo sobre os bad boys de escolas reformatórias? – Não! – Jungkook sacudiu a cabeça para provar veementemente que caras não estavam na sua mente de qualquer forma... Até que ele percebeu que Jimin estava apenas brincando. Ele corou e fez uma piada de volta. – Eu quis dizer, não há nenhum solteiro que preste aqui. Jimin piscou.
– Precisamente o que deixa isso tão excitante. Você não acha?
Ele tinha um jeito de permanecer muito quieto, o que fazia Jungkook ficar do mesmo jeito, e tornava o tique-taque do relógio de bolso dentro do blazer dele parecer mais alto do que possivelmente poderia ser. Congelado próximo de Jimin, Jungkook de repente estremeceu quando alguma coisa preta se alastrou violentamente na sala. As sombras pareciam jogar amarelinha entre os painéis do teto de um jeito bem cauteloso, escurecendo um quadrado e depois o outro, e depois o outro. Maldição. Nunca seria bom estar sozinho com alguém – especialmente alguém que estivesse centrado nele como Jimin estava naquele momento – quando as sombras vinham. Ele podia sentir espasmos, tentando parecer calmo enquanto as sombras negras giravam em torno do ventilador de teto. Sozinho ele poderia ter resistido. Talvez. Mas as sombras também estavam fazendo os piores de seus terríveis barulhos, um som que Jungkook havia escutado quando ele viu um filhote de coruja cair de uma árvore e engasgar até a morte. Ele queria que Jimin apenas parasse de olhar para ele. Ele queria que alguma coisa acontecesse para chamar sua
atenção. Ele desejava... Kim Taehyung.
E então ele apareceu. Salvo pelo garoto maravilhoso usando jeans rasgados e uma camiseta branca surrada. Ele não parecia muito com a salvação – desleixado carregando sua pesada pilha de livros da biblioteca, olheiras profundas embaixo de seus olhos azuis. Taehyung parecia estar meio acabado. Seu cabelo loiro caía encima de seus olhos, e quando eles se fixaram em Jungkook e Jimin, o Jeon os viu se estreitarem com uma pontada de irritação. Ele estava tão ocupado tentando entender sobre o que havia feito para incomodar Taehyung dessa vez, que ele nem percebeu a coisa momentânea que aconteceu: um segundo depois que a porta se fechou atrás dele, as sombras deslizaram sobre a porta e foram para a noite. Era como se alguém houvesse tirado um vácuo e limpado toda a sujeira da sala.
Taehyung apenas assentiu em sua direção e não desacelerou enquanto ele passava.
Quando Jungkook olhou para Jimin, ele estava observando Taehyung. Ele se virou
para Jungkook e disse, mais alto do que o necessário.
– Eu esqueci de te dizer. Terá uma pequena festa no meu quarto essa noite depois da social. Eu amaria se você fosse.
Taehyung continuava escutando. Jungkook não fazia idéia do que era essa social que todo mundo comentava, mas ele tinha que se encontrar com Penn depois.
Eles iriam juntos.
Seus olhos estavam fixos nas costas da de Taehyung, e Jungkook sabia que tinha que responder a Jimin sobre sua festa, na verdade era uma coisa tão difícil de decidir, mas quando Taehyung se virou e olhou para ele com um olhar que ele jurava ser cheio de lamentos, o telefone atrás dele começou a tocar, e Jimin o pegou e disse:
– Eu tenho que atender, Jungkook. Você estará lá?
Quase imperceptivelmente, Taehyung assentiu.
– Sim – Jungkook disse para Jimin. – Sim.
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Fallen
Fiksi PenggemarHá algo estranhamente familiar em Kim Taehyung. Misterioso e evasivo, ele conquista a atenção de Jeon Jungkook desde o primeiro momento, no seu primeiro dia no internato da Sword & Cross. O rapaz é uma faísca de luz, em um lugar onde os telefones c...