Todas as imagens de gatinhos e fotos de café atingiam meus olhos e passavam diretamente pelo meu cérebro. Não importava o quanto eu tentasse me concentrar na tela daquele computador, minha mente sempre dava um jeito de voltar para todas as preocupações que surgiram depois da última vez que estive com minha avó. Agora toda a família estava preocupada com o que vovó andava fazendo. Por mais que ela escondesse, pensávamos que a morte de vovô estava a afetando mais do que ela pudesse admitir. Vovó não comia mais com tanta frequência e estava se desligando de nós gradualmente, mas depois de seu sumiço na floricultura suas ações pareceram se tornar mais reais para mim. Temi que ela estivesse se perdendo em sua própria tristeza.
Sami e eu ficamos procurando vovó por horas naquele sábado e apenas a encontramos quando voltamos para a região da floricultura e a vimos sair de dentro de um supermercado, com os olhos perdidos como se não soubesse onde estava ou não se recordasse de como voltar para casa. Lembrei-me imediatamente de como vovó gostava de ir ao mercado com meu avô, uma atividade tão simples que a agravada apenas por ser um dos únicos lugares que ele topava ir com ela. Devia ser horrível estar sem ele, completamente deslocada e perdida em seu próprio mundo. Acho que nunca havíamos falando tanto em sua cabeça, mas ela se limitou a dizer que não precisava de ninguém atrás dela e que andava muito bem sozinha. Vovó não entendia que apenas queríamos que ela vivesse o mais confortavelmente possível. Naquele dia, pensei que ela havia se machucado de alguma forma, vovó já tinha quebrado alguns ossos e se perdido em suas caminhadas, mas isso acontecia quando vovô estava sempre com ela, agora vovó estava sozinha.
― Sophia? – levantei-me atônita. – Tá tudo bem? – Augusto disse, com suas espessas sobrancelhas contraídas em uma expressão de preocupação.
― Tudo, sim... Só tô com a cabeça longe.
― Quer tomar um café? – assenti tentando parecer menos preocupada. Enquanto pegava a carteira em minha bolsa me deparei com o diário, após lê-lo no domingo, me perguntei se vovó havia se sentido solitária e desemparada como eu havia ficado na praia naquele dia, não queria que ela se sentisse sozinha sem seu marido. Descemos para a cafeteria, já que o café da cafeteira tinha gosto de plástico e açúcar. Esperei em uma das mesinhas enquanto Augusto pedia e pegava nossos pedidos. – O que tá acontecendo, Sophie? – dei um gole no café.
― Nada... Só uns problemas na família. Na verdade, acho que é mais coisa da minha cabeça. – ele deixou um sorriso empático tomar seu rosto.
― Ah, sim. Eu ente... Deve ser difícil. – senti uma pontada em meu coração com a forma que ele mudou sua frase. Augusto não sabia, na verdade, havia muito tempo que ele tinha cortado os laços com sua família, mas era notável que aquilo o afetava. Eu não sabia suas razões, toda a informação que eu tinha fora dada por outros funcionários. – O problema deve ser menor que você pensa, a gente costuma aumentar as coisas quando estamos preocupados. – eu gostava da maneira como Augusto tentava me consolar sem se intrometer.
― Meu Deus. – falei em voz alta, passei horas junto de Augusto no escritório e apenas naquele momento me lembrara que eu não tinha me encontrado na exposição no sábado. Não havia nenhum indício de que ele estava bravo comigo e agora que eu havia contado sobre minha avó ele provavelmente sabia porque eu não tinha ido.
― O que? – ponderei naquele momento, não sabia se deveria ser honesta ou inventar uma desculpa, mas eu sabia que deveria ser sincera com Augusto, ele não merecia ser enganado, por mais leve que a mentira fosse.
― Acabei esquecendo que a gente ia naquela exposição... com tudo que aconteceu... – ele negou com a cabeça.
― Eu entendo, Sophie. Não precisa se preocupar.
― Obrigada.
― Então, e se... Nós fôssemos ao café de gatos depois do trabalho. – levantei as sobrancelhas. – Já ouvi você dizendo que ama os bolos de lá.
― Quer me levar tanto assim pra sair? – brinquei.
― Quero. – ele disse completamente sério. – encarei-o, sem palavras. Augusto nunca havia mostrado nenhum interesse em mim antes e eu também nunca tinha pensado nele desse modo. – Se você estiver confortável e querer, é claro.
― É que você nunca agiu assim antes...
― Sophie, você é muito esperta pra várias coisas, mas não pra isso. – sua fala parece uma ofensa para mim e meu rosto se fechou instantaneamente. Augusto não demorou a notar.
― É brincadeira isso?
― Não, Sophie. Eu tô falando sério.
― Por que agora, então?
― Porque o tempo tá passando, eu já tenho quase trinta anos. Não quero mais esperar pra encontrar alguém
― Só por isso? – ele respirou fundo.
― Não... Como você nunca mostrou interesse de volta eu...
― E quando foi que você demonstrou? – então ele também fechou a cara, claramente irritado.
― Quantos funcionários eu chamo comer comigo?
― Mas você é legal com todo mundo.
― Ok. Então a partir de hoje vou deixar o mais claro que eu puder que gosto de você. Você quer ir jantar comigo ou não? – ouvi-lo falando com todas as palavras me deixava desconfortável.
― Não sei...
― Você sente alguma coisa por mim?
― Não. – ele apertou os lábios.
― Então, você estaria disposta a me dar uma chance, pelo menos? – por um momento, eu não sabia o que responder. Fazia muito tempo desde que eu havia saído com alguém e Augusto era realmente um bom partido. Eu também não queria ficar sozinha pelo resto da vida e, nem de longe, havia outros homens que eu conhecia fora do trabalho.
― Espera um minutinho? – falei dando um sorriso sem graça e fui para o banheiro.
Sentei-me na privada e peguei meu celular. Sami estava saindo da escola naquele horário, então ela responderia minhas mensagens.
OI
Meu chefe tá me chamando pra sair. Você acha que eu vou?
O Augusto?
Sim
CLARO, ELE PARECE SER SUPER LEGAL
Tá
Perai, eu tô decidindo por você?
Ignorei sua última mensagem e voltei para mesa.
― Tudo bem. Vamos.
O turno estava quase terminando, então decidimos deixar os outros funcionários irem embora para não criarmos nenhuma fofoca. Fomos com o meu carro, eu o deixaria na empresa para pegar o seu depois que tivéssemos comido. Mas antes de ir a qualquer lugar o avisei que precisaria ir à floricultura para pegar a orquídea, acabei não comprando nenhuma com sumiço de vovó e ela ficou reclamando de ter voltado para casa sem nenhuma flor. Fiquei receosa em levá-la novamente, então resolvi ir sozinha, agora, com Augusto. Eu já havia ligado na loja e a orquídea estava a minha espera. A atendente foi muito simpática, até me perguntou se eu havia encontrando minha avó, ela e seu namorado tinham ficado preocupados. Fui cativada pela gentileza e sabia que voltaria mais vezes.
Tenho que admitir que eu estava super empolgada, não pelo encontro, mas por ir até o café. Era bem fácil encontra-lo, já que seu nome, Catfé, estava escrito em enormes letras na entrada, com ênfase para o c com orelhinhas de gato. Eles tinham planos de adicionar uma área com alguns bichanos para que os clientes pudessem brincar a até mesmo adotar, mas ainda estava apenas no papel. Eu mal podia esperar para que o plano fosse posto em prática para que eu pudesse visitar gatos fofinhos. Meu catcake havia acabado de ser entregue quando notei que Sami estava me ligando. Assim que vi o seu número pensei que ela iria me perguntar se eu havia aceitado o encontro com Augusto, mas a história era bem diferente da que eu havia imaginado.
― Sophie, você pode vir pra casa da vovó agora? A gente precisa da sua ajuda.
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Memórias de Hoje
RomanceAo revisitar antigas lembranças de família, Sophia encontra seu velho diário e descobre suas complicadas memórias envolvendo Kadu, um garoto misterioso que conhecera em uma viagem para praia. Com seus 27 anos completos, a personagem se diverte com o...