Apague o cigarro

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- Quando vai arranjar uma namorada? Esse apartamento é tão vazio. Precisa de um toque feminino.

E lá estava Alice novamente com aquela velha ladainha.

Albedo entendia que sua irmã só queria o seu bem e se preocupava com o fato dele morar sozinho. Mas, bem, morar sozinho era a melhor coisa que um ser humano poderia querer. Ninguém para o perturbar quando queria assitir suas séries favoritas ou ouvir suas músicas ( que na opinião da irmã, tinham letras questionáveis), ninguém para dividir nada, ninguém para criar brigas do nada ou implicar por ele ter deixado as roupas espalhadas pelo chão.
Mas acima de tudo, a glória de viver sozinho era a paz da qual ele podia usufruir.

Quando morava com os pais nunca teve um momento sozinho para ouvir seus pensamentos, e tudo só piorou quando sua sobrinha, Klee, nasceu. Não que ele não gostasse da pequena, porém convenhamos, acorda todas as madrugadas com berros incessantes de uma criança faminta deixaria qualquer um a beira da loucura.

E foi pensando em sua sanidade mental que Albedo comprou o pequeno, mas limpo e aconchegante, apartamento no centro da cidade. Não foi nada barato e após dois anos ainda não havia quitado-o, entretanto tinha um lugar só seu.

- Não preciso de uma namorada, Alice. Eu saí de casa justamente para não dividir nada com ninguém. Então porquê eu traria uma completa desconhecida para viver debaixo do meu teto?

- Por amor?
Ao ouvir isso, o corpo do jovem estremeceu e ele parou o pincel à caminho da tela que pintava.

"Amor"

Somente tolos acreditavam nesse sentimento. A necessidade de compartilhar sua vida e coisas novas com outra pessoa não lhe agradava e , graças a deus, nunca lhe ocorreu essa vontade.

Irritado por a irmã sempre bater nesta tecla, Albedo desistiu do trabalho e moveu o cavalete até a varanda, sendo acompanhado por Klee que , de início tentou andar, mas percebendo que não acompanharia o tio tão rápido, resolveu engatinhar às suas costas.

- Não existe amor, Alice. - após depositar o cavalete na varanda, o loiro se agachou para pegar a sobrinha no colo. Como a mãe dela tinha o atrapalhado e o feito perder a concentração na tela, ele pensou em brincar um pouco com Klee.

Enquanto a loirinha brincava com seu cabelo, babava sua camisa e balbuciava coisas incoerentes, Alice andava de um lado para o outro do apartamento recolhendo roupas e embalagens de comida pela casa e reclamava.

- Sua mãe é uma intrometida, Klee.- ouvindo o tio lhe falar, Klee ergueu a cabeça e deu um sorriso meio banguela, logo em seguida deu início a uma tosse seca e os olhos lagrimejavam.

- Mas o q...- foi aí que ele também sentiu o cheiro de cigarro. E vinha de muito perto.

Como estavam na varanda, Albedo chegou mais perto das grades de proteção, que ia até metade de seu peito por sua baixa estatura,  e se inclinou na direção da fumaça.
Na penumbra da noite, uma silhueta alta e esguia era banhada pelas luzes artificiais da cidade, com seu cigarro acesso nos lábios e uma postura cansada, porém elegante, à se debruçar sobre a pequena murada de sua varanda.

Albedo nunca foi de se pegar admirando a beleza de ninguém, ele mesmo não se considerava bonito, no mínimo arrumadinho, mas aquele homem era belo. Uma beleza exótica mas ao mesmo tempo...ele não sabia dizer, mas alguma coisa parecia estranha naquele homem, lhe faltava algo.

*Cof...cof..*
O jovem saiu de seu devaneio e lembrou do motivo de estar encarando o estranho para início de conversa. Pelos seus cálculos daquela distância daria para ser ouvido em alto e bom tom.

- Com licença!- estava certo, o estranho o olhou curioso e retirando o cigarro dos lábios, soprou a fumaça para longe de Albedo.

- Pois não?

- Sei que pode parecer um pouco rude de minha parte, mas ... Eu estou com uma criança em casa. Será que podia apagar o cigarro, por favor?

Albedo esperou uma enchurrada de xingamentos do homem, pois as pessoas da cidade não eram nada receptivas, entretanto, superando suas espectativas, o estranho de desculpou e apagou a ponta do cigarro no ferro frio da murada.

- Desculpe, não sabia que estava atrapalhando.

- Não. De forma alguma. Eu quem peço desculpas pela minha petulância.

Albedo ficou agitado. Será que teria ido longe demais? Era só ele ter saído da varanda e fechado as postas de vidro, não tinha necessidade de perturbar o homem.

- Não se preocupe. Tenho tentado parar faz algum tempo. É um péssimo hábito esse, sabe?.

"Me desculpe por lhe causar incômodo, mocinha."- o homem se dirigiu desta vez a Klee, que parara de tossir mas ainda esfregava os olhinhos irritados pela fumaça. A garotinha olhou para o homem e sorriu estendendo os braços. O que era muito estranho, pois Klee geralmente tinha medo de estranhos.

Com o ato da criança, o vizinho virou totalmente o rosto na direção da dupla de tio e sobrinha e riu. O som era como música aos ouvidos de Albedo e ele pôde perceber, com a ação alheia, um pedaço de gase a lhe cobrir o olho direto, em um tapa-olho improvisado.

Ao perceber que estava sendo encarado, o vizinho inclinou a cabeça para o lado e sorriu pequeno para o loiro. E neste exato momento...
"CLICK!"
Toda a energia do bairro acabou, fazendo o trio ficar sob a luz da lua cheia que despontava majestosa no céu noturno, agora já sem luzes artificiais para ofuscar seu brilho e de suas companheiras estrelas.

Albedo não conseguia parar de encarar aquela figura tão bela. Mas agora sob a luz da lua ele conseguiu identificar o que exatamente naquele homem o incomodava.
Ele parecia triste. Possuía uma beleza fria e triste como um quadro, de um anjo cujas asas haviam sido arrancadas, que tinha visto uma vez no museu.

O estranho acenou para os dois, recebendo mais uma risadinha de Klee e sumiu nas sombras de seu apartamento, deixando o jovem intrigado e com alguma coisa querendo ligar em sua mente.

- Quem é você?- Albedo pensou em voz alta, sabendo que não obteria resposta alguma.

Continua...

Amor à segunda vistaOnde histórias criam vida. Descubra agora