A maré muda

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Vinte e cinco anos atrás


Ela sabia que estava para ganhar os quadrigêmeos quando a lua daquela noite brilhou mais do que o devido. Ela podia sentir no ar, na grama em que seus pés pisavam naquele momento.

Ela sabia.

Weiwei foi criada em uma cidade no extremo norte da China. Sua tribo era conectada com a terra e com os antepassados. Ela tinha plena consciência de que sua hora estava chegando.

Ela sabia e era isso.

Sabia que deixaria seu marido triste por sua partida, seu tempo chegava, mas porque não conseguia explicar ao Xiao Nai, ela nunca disse que aquele dia sempre esteve lá e que aconteceria de qualquer maneira, afinal por mais maravilhoso e perfeito que ele fosse, suas raízes exóticas jamais fariam sentido ao marido pragmático.

E estava tudo bem. Jin ficaria ao lado dele e com o tempo eles se amariam. Porque ela amava o marido e Jin o amava na mesma medida. Jin amaria seus filhos como ela, ele os cuidaria, ele os faria homens dignos.

Seus filhos eram seu milagre e seu presente ao marido e ao amigo.

O nascimento dos seus meninos estava escrito nas estrelas, estava traçado. Nenhum sacrifício tinha medida a altura, ela foi feliz e iria feliz para junto dos seus antepassados simplesmente porque tinha cumprido seu dever para com os dois homens, consigo mesma e com o mundo.

— Senhora Xiao – A empregada veio até ela e a olhou um pouco confusa – Uma senhora que atende pelo nome de Xamã está no portão dizendo que veio lhe ver. Senhor Xiao está no trabalho e essa casa de campo não é conhecida de ninguém... Eu devo...?

— Deixe-a entrar, eu a esperava essa noite.

A empregada assentiu ainda que confusa e Weiwei sorriu melancólica.

No fim ela viria, sua avó sempre disse e sua avó nunca errava.

Seus olhos se ergueram para a lua cheia e reluzente, para as estrelas brilhantes naquele céu pouco ofuscado pelas luzes artificiais e fechou os olhos sentindo a brisa refrescante.

Em breve estaria de volta as estrelas, com seus ancestrais, com seus antepassados.

— Filha – A voz da Xamã soou baixa e doce e Weiwei se voltou a ela, abriu os olhos e a viu depois de muitos anos e a mulher era a mesma, nada mudou, era como se o tempo nunca passasse para aquela pessoa. Ela soube o que pensava – como sempre – E sorriu paciente – O tempo é relativo, mas não se engane, os anos pesam meus ombros, contudo ainda tenho deveres e não posso partir desse mundo tão cedo. Como se sente?

— Feliz e triste, consciente e ainda assim fora de mim mesma. Eu cumpri meu destino, mas me pergunto se meus filhos encontrarão o caminho correto...

A xamã então veio para si e pegou suas mãos de forma gentil e lhe sorriu serena:

— A magia já está de volta a essa terra e ela se intensifica conforme o dragão se fortalece. Lembre-se, a magia é onipresente e seus filhos sempre a encontram quando a hora chega. As cinco estrelas do leste nascem amanhã e quando chegar a hora, eles compreenderão sua constelação e irão brilhar como está traçado pela grande deusa estrelada.

— A mãe da quinta criança... Ela está bem?

Weiwei se preocupava com a mulher que traria a vida seu quinto filho, a mulher que pertencia a sua tribo, mas nunca saberia até a hora de sua morte.

Era conhecido de sua tribo a lenda do nascimento dos cinco protetores e guardiões dentre aqueles dias e que um dia voltariam a suas raízes e aceitariam seu destino e sua tarefa. Quatro nasceriam de uma linhagem direta, o quinto de uma linhagem perdida. Com a volta da magia ao seu mundo, os cinco meninos descobririam eventualmente quem eram e o que significavam e assim começariam a atuar no mundo como as estrelas guias de um céu sem lua. Cinco irmãos e um só destino.

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