XXV

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O verdadeiro oficio de cada um era apenas chegar até si mesmo. Depois, podia acabar poeta ou louco, profeta ou criminoso.

Hermann Heste

Eu havia almoçado em um piscar de olhos, avisei Pocah que usaria meu tempo restante para ir pegar um livro na biblioteca antes de ser obrigada a voltar para o quarto. Desde que cheguei a Centralia, não havia desejado receber a visita dos meus pais, não estava preparada para choros falsos e a repetição da mesma frase de sempre "foi para o seu bem" mas eles sempre vinham, felizmente eu não era obrigada a receber eles. Eu sabia como era difícil para Gil vir me ver, por isso ficava extremamente feliz quando recebia sua visita, ele sempre trazia algumas coisas para mim quando vinha, como alguns doces que sabia que eu gostava, livros e até mesmo cadernos, ele sabia que eu amava desenhar e como isso me ajudava quando as coisas estavam difíceis.

Ler e desenhar sempre foram um artifício meu para fugir da realidade quando as coisas estavam complicadas, ler me fazia entrar em uma realidade simples e mágica onde as coisas sempre davam certos para as pessoas boas e desenhar fazia meus nervos e humor voltarem ao normal, como se eu expulsasse seus demônios para as folhas, só assim conseguindo ficar sã.

Entrei na biblioteca, já sentindo minha mente se aliviar com somente o cheiro de livro, encontrei a irmã sorridente atrás da bancada que ela sempre ficava, assim que me viu, ela ergueu a mão me cumprimentando.

- Sarah! Como vão as coisas? - perguntou sorrindo, o sorriso dela era contagiante, tanto que foi impossível não retribuir.

- Estão bem... Na verdade, estão paradas! - ri fraco - E com você?

- Entediantes - fez uma careta e levantou uma pasta grossa amarelada - Levantamento de pacientes, não há coisa mais satisfatória!

- Imagino, posso levar um livro? - ela concordou, após escolher um livro, eu já estava pronta para sair, mas a voz da irmã Mary me impediu.

- Sarah? Queria conversar com você - ela estava séria, e até um pouco nervosa por assim dizer, mesmo estranhando e já me sentindo receosa eu fui até ela, ficando frente ao balcão - O que há entre você e a diretora Freire?

Arregalei os olhos imediatamente, e senti todo o meu sangue fugir do rosto, até mesmo minhas pernas ficaram moles e eu tive receio de acabar perdendo o equilíbrio e cair, quase que no automático uma resposta rápida saiu de meus lábios.

- Nada. Absolutamente nada.

- Não precisa mentir - ela não se convenceu como minha resposta, eu estava muito, muito encrencada, meu cérebro rapidamente tentou achar resposta de como ela havia descoberto meu envolvimento com a diretora e quais consequências isso traria para mim e para ela - Ela chegou em mim, pela segunda vez ontem, e me ordenou, de uma maneira bem direta, para que eu ficasse longe de você. Na verdade, até chegou a me ameaçar.

- Eu-eu... - minha boca estava entreaberta, tentando achar algo plausível para falar, irmã Mary sabia, a diretora a ameaçou para ficar longe de mim... Eram muitas coisas para assimilar.

- Só estou te contando isso porque confio em você, sei que não é nem louca nem doente aqui - eu devia estar a encarando feito uma retardada, essa situação estava paralisando meu cérebro - Tenho uma mente um pouquinho diferente das outras irmãs. Minhas crenças não pregam o ódio entre as pessoas, acredito que isso seja algo errado. Então, realmente não vejo motivos para que você esteja aqui, em um lugar repleto dos mais cruéis criminosos sociopatas e loucos, só por ser diferente.

- Como você...? - Perguntei, surpresa por ela saber o motivo responsável por eu estar aqui em Howard.

- Levantamento de pacientes - deu de ombros - Sei de tudo sobre todos os pacientes aqui. A questão é, quem você quer estar ou não, não devia desrespeitar a ninguém, mas... Você não sabe quem ela é.

- A diretora? - O.K isso estava indo para um rumo bem diferente do que imaginei. Irmã Mary concordou com a cabeça.

- Você não a conhece, não viu como ela me ameaçou para que eu ficasse longe de você... não preciso dizer que só por estar falando sobre isso com você estaria extremamente encrencada se ela soubesse, não é? Sarah, estou falando isso para lhe alertar, estou me colocando em risco aqui, se ela souber que eu sequer estou conversando com você... - negou com a cabeça, aflita - Para o seu próprio bem, se afaste dela, veja isso como um conselho de uma amiga que sabe muito mais sobre as pessoas aqui que você.

- Eu não entendo...

- Não se deixe enganar pelo rostinho de inocente e indefesa dela, você não é a primeira que caiu e provavelmente nem será a última - fechou os olhos respirando fundo - Queria poder te falar tudo... Mas não posso. Só fique longe dela - concordei de leve com a cabeça, ainda perdida com suas palavras - Vai, antes que algum enfermeiro venha atrás de você.

Sai da biblioteca sem saber que rumo tomar, as palavras da irmã Mary foram um soco certeiro no meio do meu peito. É certo, eu não conhecia. a diretora de Howard, mas ela poderia ser tão ruim assim? Não era a primeira pessoa que me alertava sobre ela, se que eu era a única que não estava vendo o perigo aqui? E se fosse, que perigo é?

Eu só tinha uma certeza, precisava me afastar urgentemente da diretora de Howard, para meu próprio bem.

Madhouse (Sariette)Onde histórias criam vida. Descubra agora