Prefácio

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A vida é maravilhosa se não se tem medo dela.

Charles Chaplin

12 de setembro de 1967.

Mordi mais um pedaço do cookie sentido o sabor se espalhar pela minha boca, e não consegui segurar o gemido de satisfação ao fazer isso.

Aqui, definitivamente, continuava tendo o melhor cookie de todos.

Uma vez eu comi um cookie tão bom que comparei com esse, foi em Los Angeles, na viagem que fiz junto a Gil e Erick, seu namorado, mas não chegava nem perto, agora o comendo novamente eu tinha mais uma vez certeza.

E Erick... Ele era tudo que Gil dizia e até muito mais, quando voltei para minha casa não demorou muito para eu conhecer Erick, o rapaz era realmente adorável e conseguia estar à altura do meu melhor amigo, eram perfeitos um para o outro, Gil vive com Erick até hoje, claro que para a sociedade eles são apenas bons amigos, Erick Lascul é um homem muito importante na alta sociedade, não podia ter sua imagem. manchada, e infelizmente, ser gay era ter uma imagem ruim para a maioria das pessoas.

Eu me perguntava quando as coisas mudariam, ou se um dia chegariam a mudar, mas eu tinha fé que um dia as coisas seriam fáceis, poderia demorar mas chegariam, não podia ser tão pessimista em acreditar que sempre seria a mesma merda. Eu já havia terminado meu café, então ergui a mão para a garçonete, que logo trouxe outro que eu agradeci com um sorriso.

Eu estava com o caderno aberto na minha frente, ele estava cheio de palavras tristes e melancólicas, era isso que os outros gostavam de ler. Mas eu não escrevia somente para as pessoas gostarem, escolhi essa carreira sem nem perceber, escrevia o que eu sentia gostava de escrever pois em cada palavra que surgia em meu caderno de rascunhos, eu podia expressar o meu mais profundo ser. As coisas iam indo bem, desde que me formei no colégio, não demorou muito para que eu arriscasse alguns poemas, e as pessoas gostavam de ler o que eu escrevia, claro que se tive tanta visibilidade tão rapidamente é graças a Erick que me deu uma força tremenda, ser escritora no século XX não é fácil, principalmente quando você é iniciante e mulher, mas quando tem ajuda de um homem poderoso, as portas se abrem para você, talvez o Andrade que tem no meu nome também chame a atenção de algumas pessoas. Minha relação com meus pais tem melhorado muito, e isso em grande parte é devido ao fato de eu estar longe, morando na Inglaterra, meus pais me aceitam muito mais facilmente quando podem me idealizar, claro que no começo depois que voltei de Centralia eles me pressionaram muito para que eu tivesse um namorado, minha aproximação com Erick foi um sonho para eles, até que perceberam que não importava quão perfeito ele fosse gostávamos de coisas opostas, eles negam a verdade, acham que Howard realmente me curou, e me pergunto se um dia mudaram seus pensamentos, a resposta mais óbvia é que não.

Embora eu estivesse morando na Inglaterra a mais de um ano, hoje eu estava na minha cidade natal, sem meus pais saberem claro, eu os conhecia o suficiente para saber que muito contato resultava em brigas, muitas visitas minhas resultavam em cobranças, eles iriam querer mandar nas minhas escolhas, jeitos e preferências, por isso eu saí de casa pouco tempo após me formar no colégio, consegui um emprego em uma cafeteria até que conseguisse me manter com meus poemas. Erick e Gil moram na Inglaterra também, próximos a mim, e quanto a Sophia, bom, ela me procurou uma vez quando eu sai de Howard, eu nem quis ouvir oque ela queria falar, achei que já tínhamos encerrado as coisas quando ela foi me ver em Howard, mas ao que parece ela não achou isso, não tenho mais notícias dela desde então, e nem me importei em ter, ela sim era uma página virada, o motivo que me fez vir até aqui hoje outro... Motivo esse que estava duas horas atrasado.

Passei a língua pelos meus lábios, enquanto olhava meu relógio no pulso, algumas coisas haviam mudado, eu havia mudado um pouco, o meu cabelo estava curto, eu estava mais magra, a minha rotina era um pouco agitada e nem sempre eu me lembrava de almoçar ou comer coisas saudáveis, tinha aprendido a falar francês e ficar mais de dois minutos abaixo da água, havia feito uma pequena tatuagem escondida e tinha descobrido que a mistura de manteiga de amendoim e banana são muito agradáveis, havia tido algo com uma garota australiana mas isso só reafirmou o que eu já sabia, não tinha superado ela.

Dei tempo, o suficiente para algumas perguntas serem respondidas, agora só restava esperar, mas eu estava desde às três da tarde aqui mas ela não tinha chegado.

Essa seria a resista definitiva, eu disse para mim mesma, prometi para mim mesma, anos atrás, quando a saudade quase me impedia de respirar, que não era o fim, mas se ela não viesse, seria a resposta final, o ponto no final da frase.

Eu não sabia o que aconteceria se ela viesse, tampouco se não viesse, talvez eu continuasse por anos escrevendo poemas tristes enquanto me lembrava dos nossos momentos sem jamais superar ela, talvez Juliette fosse aquela pessoa da minha pessoa, se ela viesse, poderíamos nos conhecer a fundo, eu poderia descobrir coisas que não gostaria, poderíamos concluir que não somos uma para a outra, mas eu precisava que ela viesse para esclarecer todas elas. Eu já tinha tomado mais de 4 xícaras de café e minha glicose deveria estar na altura, e nada dela... Meu coração já estava afundando, tantos os dias em que chorei e meu único consolo foi esse dia, que voltaria a ver o sorriso dela, aqueles olhos castanhos profundos.... Minha garganta estava se fechando, minha maior vontade era de chorar enquanto eu terminava de escrever outro poema depressivo... Até que eu senti meu coração acelerar ao sentir aquele cheiro... Puta merda, era o cheiro dela, ergui meu olhar para cima, encontrei aquela figura baixa entrando pela porta do café Sweet sun, sorri largo ao ver Juliette parada ali, ela não tinha mudado nada... Embora ver ela sem seu hábito fosse muito surpreendente, vestia uma calça jeans e um sobretudo escuro, assim que me encontrou, ela sorriu na minha direção, e eu poderia morrer ali mesmo e sentiria que teria vivido bem, aquele sorriso, parecia mais bonito do que da última vez, Juliette coçou a nuca sem jeito e caminhou até mim, a cada passo que ela dava, meu coração acelerava ainda mais, ela se sentou na minha frente e ficamos alguns segundos nos olhando, sem falar nada. Eu sentia que não precisava falar nada, e Juliette parecia pensar o mesmo, até que a garçonete veio perguntar o que ela queria.

- Oh... Um café apenas - ouvi sua voz, nossa sonhei tanto com ela - Você está diferente.

- E você igual.

- Espero que isso seja algo bom.

- Está perfeita como sempre - era adorável o jeito como as bochechas dela continuavam corando quando ela recebia um elogio meu - Você ainda fica corada quando te elogiam...

- Aparentemente só quando você me elogia - sorri ainda mais satisfeita ao ouvir isso, gostava de ter produzir um efeito nela que ninguém mais conseguia - Me desculpe a demora... Não conheço a cidade e acabei me perdendo...

- Achei que não viria...

- A ideia de te ver novamente era muito tentadora para não vir.

- Estou muito feliz por ter vindo - nessa hora, a garçonete chegou e entregou o café para Juliette - Onde você está?

- Em um hotel no centro da cidade.

- Uhm, fiquei surpresa em não te ver com seu hábito.

- Ah, é... Isso é uma longa história - coçou a nuca novamente, ao perceber meu olhar curioso ela logo continuou - Acabei descobrindo que ele não combinava tão bem em mim como antes...

- Você fica linda de qualquer jeito - disse rapidamente, Juliette me olhou como quem diz "sério?" Me deixando confusa. Quando percebeu que eu continuava sem entender ela voltou a falar.

- Eu renunciei, Sarah. Alguns dias antes de vir até aqui - abri a boca chocada, nunca passou pela minha cabeça que ouviria isso - Eu já devia ter feito isso a muito tempo atrás, mas estava acostumada aquilo, tanto que demorei anos para perceber que nunca foi uma vocação, só pressão da minha mãe para ter respeito.

- Juliette... Nem sei o que dizer.

- Não precisa dizer nada... Percebi que devia sair da minha bolha... Viver. Acho que nunca fiz isso.

- Foi corajoso - ela sorriu sem mostrar os dentes e tomou um gole do café.

- Obrigada.

- É tão engraçado como parece que não se passaram anos, sinto que estamos de onde paramos.

- É, imaginei que seria algo diferente... Um estranhamento talvez, se passou tanto tempo né... Mas sinto que você ainda é a mesma Sarah que me entregou um papel com o endereço desse café em Centralia.

- Talvez eu seja.

- Sei que ainda sou a mesma Juliette.

- Podemos voltar para onde paramos?

- Podemos tentar - respondeu me olhando nos olhos.

- Algo me diz que conseguimos.

Madhouse (Sariette)Onde histórias criam vida. Descubra agora