XXXIX

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Louco não é o homem que perdeu a razão. Louco é o homem que perdeu tudo menos a razão.

G. K. Chesterton

Juliette

Engoli em seco ao ver ela fechar os olhos e abaixar a cabeça. Não, Sarah não seria capaz de estar cedendo... Ela não seria.

Quando recebi os pais de Sarah Andrade em Howard a algum bom tempo atrás, eu jamais imaginaria o que aconteceria, me lembro com clareza das nossas conversas, eles vieram algumas vezes aqui até terem certeza que seria um lugar realmente bom para Sarah, eu estava satisfeita, os Andrades eram pessoas de prestígio na sociedade desse país, ter uma paciente morgado que saísse curada de Howard traria muita credibilidade para essa instituição. Os pais dela me informaram que ela era alguém difícil, eu estava preparada para se fosse preciso, ter um pulso mais firme com ela, mas não demorou muito até ela achar um jeito de me desarmar.

Eu não sabia o que aquela garota tinha de diferente das outras pessoas, ela não foi a primeira a tentar ter algo comigo, eu tinha uma alta quantia no banco e várias propriedades no meu nome, isso chamava muitos homens interessados em conseguir me "desviar" da minha vocação, mas eu nunca me importei com isso, apesar de não ter decidido por livre e espontânea vontade seguir esse caminho, me parecia melhor que um casamento arranjado pela minha falecida mãe, depois da morte dela eu tinha aprendido a gostar disso, me acostumado... Mas ela não me deixou ao menos tentar me negar, quando me vi por mim, eu já estava abalada por ela, com todas minhas certezas por terra, ela conseguiu despertar um lado meu que eu nunca sequer soube que tinha... E por algum motivo eu gostava disso. Soube que ela era diferente desde o momento que a vi pela primeira vez.

"-...Mas acredito que não vou precisar mostrar isso para vocês. Howard não tem muitas regras, mas as que existem eu exijo que sejam estritamente cumpridas, ou passarão por punição, não vou falar sobre elas, pois se não seguirem as regras veram pessoalmente. Vocês acordam quando são chamados, voltam para os quartos quando são ordenados, não é aceito nenhum tipo de violência entre os pacientes, não é permitido levar nada para dentro do seus dormitórios, sempre serão revistados, serão divididos por alas, e não poderam sair de seus quartos nem se quiserem sem permissão, mas se houver bom comportamento poderam passar mais tempo nas salas de recreação ou fazendo algum trabalho na cozinha, com supervisão claro, acredito que seja somente isso - olhei ao redor, observando o rosto de todos os pacientes, um por um, parei em uma garota que estava no canto esquerdo, um pouco afastada dos outros, me olhando fixamente, ela engoliu em seco mas continuou sustentando o olhar, cabelos loiros e olhos verdes, não precisava pensar muito para concluir que ela era a filha dos Andrade, era muito parecida com a mãe e tinha os olhos do pai - Não importa qual foi o motivo de vocês estarem aqui, mas saibam que Howard irá fazer muito bem para vocês, os que se comportarem bem, claro - sorri novamente sem mostrar os dentes - Sejam bem vindos a Howard! - Lancei um último olhar para a garota, mas agora ela já olhava para o chão, pensativa"

Não demorou muito para a garota de olhos verdes começar a dar problemas, eu imaginei que teria dor de cabeça com ela, só não sabia quais seriam as intensidades delas. As coisas entre nós aconteceram rapidamente, em um dia eu estava orando e pedindo perdão por ter cedido a ela, e no outro eu já estava fazendo algo pior, algo deliciosamente pior, quando a beijei pela primeira vez, tive medo de ceder de novo caso ela tentasse me beijar novamente, mas quando estive nos braços dela... Completamente, soube que estava perdida, não poderia ficar sem aquilo novamente, os beijos dela eram como um maldito pecado viciante, eu sabia que era errado, aquilo ia contra tudo que eu acreditava, que sempre preguei, mas então ela me puxava novamente para ela, com aqueles olhos profundos, e eu esquecia de tudo, só queria mais e mais dela. Não foi certo, nada que aconteceu entre nós foi certo, foi perigoso, delicioso e intenso, mas cada vez que eu tentava sair, só me afundava mais, e quando me vi por mim, já estava morrendo de ciúmes dela, por ver ela perto de Mary, eu nunca havia sentido aquilo, aquele sentimento parecia queimar meu peito por dentro de tanta raiva, e ter Mary falando para mim, aflita, que Sarah vivia tentando a beijar me deixou ainda mais fora de mim e quando ela disse que queria acabar com o que tínhamos, foi como uma confirmação de tudo que eu temia, ela iria me deixar porque já tinha conseguido se divertir às minhas custas e agora tinha outro alvo. Doe mais ainda ser usada quando você sente algo pela pessoa, e eu sentia, e isso estava me matando, sentia raiva de mim por gostar dela tão facilmente, de me deixar cair em seus braços como uma maldita imbecil, e sentia ainda mais raiva dela por ter me usado sem nenhum pudor... Eu não sabia oque pensar, confiava em Mary cegamente, ela era minha melhor amiga, sempre esteve ao meu lado desde que eu vinha fazer visitas para Timothy aqui, me lembro de tardes que passava com meu padrinho e ela, mas eu queria acreditar em Sarah, quando olhava em seus olhos sentia que ela nutria algum sentimento por mim, eu era louca por ela, a odiava por ter esse efeito em mim, mas ao mesmo tempo amava quando ela me olhava com carinho, me elogiava e falava coisas que eu nunca ouvi, pelo menos nunca havia às ouvido acompanhada daquele olhar que só ela me dava, às vezes ela nem precisava falar nada, só me olhava e aquilo deixava meu coração acelerado.

Ela estava agachada na frente de Sarah, lhe olhando com aqueles seus olhos gélidos como se soubesse a resposta que Sarah daria, podia até ver a sombra de um sorriso em seu rosto. Sarah me olhou por alguns segundos, mas depois abaixou o olhar, senti meu coração afundar no meu peito, e minha garganta se fechar, meus olhos ardiam como o inferno, mas eu não iria chorar, me agarrei com todas as forças a uma esperança. Eu jamais iria querer que Sarah morresse por minha causa, mas se ela me traísse daquela forma, se unindo a Mary, ela iria acabar comigo, isso me mataria, não só fisicamente. Sarah fez um leve movimento com a cabeça olhando para Mary, e então não consegui me segurar, as lágrimas caíram.

- Sarah...

- Ela está certa Juliette, não posso escolher você ao invés da minha vida! Ela pode me tirar daqui - respondeu olhando para baixo.

- Então vai se unir a uma maldita assassina? Que estava te manipulando esse tempo todo? - disse desacreditada, a Sarah que eu conhecia jamais faria isso... Eu não poderia me enganar novamente, ela me olhou novamente, engoliu em seco e deu de ombros.

- Me desculpe... Mas eu não vou morrer aqui, não mereço passar todo o resto da minha vida aqui - desviou novamente o olhar, o sorriso no rosto de Mary só se alargou. Neguei com a cabeça, eu não sabia em quem acreditar, a pessoa que eu amava estava se unindo com alguém que eu nutria um enorme carinho e admiração para... Me matar.

- Você é uma covarde nojenta! Vocês duas são! - As encarei com ódio, eu havia sido usada durante esse tempo todo, pelas duas, era só uma peça no joguinho sujo delas - Confia nela, Sarah? Ela vai te matar assim que eu deixar de respirar, acha que vai deixar você viva para arruinar seus planos sujos?!

- Pare de tentar ir contra o inevitável minha querida, você irá morrer, e então... Todos vão descobrir como eu corajosamente acabei com sua vida para salvar a de Sarah - Sorriu diabolicamente na minha direção, então me fazendo entender o que ela faria - Todos vão saber quem estava por trás dos assassinatos de Howard... E ninguém desconfiava, não é?

- Você é doente... - neguei com a cabeça - Como nunca vi isso?

- Jamais teria capacidade para descobrir que era eu esse tempo todo... - umedeceu os lábios com a língua, se levantou só para tirar de dentro do hábito uma faca, com a mesma faca ela cortou a corda que estava prendendo Sarah, primeiro as dos pés, e depois as das mãos - E agora, irá para inferno, enquanto eu me divirto com seu brinquedinho. Ela era boa? - cuspi na sua direção, mas ela conseguiu desviar a tempo - Opa! Pode deixar, eu descubro por mim mesma - Sarah ainda estava sentada no chão, olhando dela para mim, perdida. Mary caminhou até Sarah, segurando seu rosto com força e a beijando, fechei meus olhos com força para não ver aquela cena, eu não veria isso, não iria ver Sarah beijando ela. Após alguns segundos pude ouvir o som das bocas se separando e o risinho nojento dela - É... Se o beijo é assim... - gemeu de uma maneira nojenta - Uau.

- Se você não trair ela, ela vai te trair, se Sarah é capaz de me enganar sem nenhum remorso, quem indica que não fará o mesmo com você? - abri meus olhos para me encarar com ódio, o que mais queria era estar livre para poder acabar com ela, embora não pudesse fazer muitas coisas, tanto pela dor na minha barriga, quanto por ela estar com uma faca.

- Você é fraca, ninguém gosta de fraqueza... Nem eu. Sarah, levanta - a garota de olhos verdes, ainda estava um pouco aérea, mas mesmo assim se levantou, ficando frente a frente com Mary que era da mesma altura que ela - Sele seu acordo comigo. Mate ela - apontou para mim, Sarah arregalou os olhos, olhando para mim por alguns segundos - Ou não consegue?

- Eu... - engoliu em seco, e depois olhou para Mary, que encarava ela seriamente.

- Só eu posso te tirar daqui, você sabe. Só preciso que prove que é boa o suficiente para estar ao meu lado - ela piscou rapidamente, respirando fundo e concordou - Boa menina - sorriu entregando a faca para Sarah, que ficou olhando para ela fixamente pensativa - Vá, um golpe só compra sua liberdade.

Sarah segurou firme a faca na mão esquerda, e se virou na minha direção, deu dois passos enquanto me olhava.

- Me recuso a acreditar que fará isso.

- Eu preciso...

- Vá para o inferno. Faça isso rápido, não vou implorar pela minha vida. Me mate e se torne um monstro igual a ela, só assim vão poder ficar juntas - disse a última parte com nojo. Mary apareceu atrás dela, segurando seu ombro direito, para encorajar ela.

- Vamos Sarah, quero ver os olhos dela opacos pela morte.

- A morte é uma das últimas coisas que tem que se preocupar.

Madhouse (Sariette)Onde histórias criam vida. Descubra agora