Capítulo 2

16 4 34
                                    

MANUELA

Minhas unhas parecem cotoquinhos. As cutículas destruídas pela ansiedade quase chegam a sangrar e eu tento deixar o mais longe possível, o que nem sempre dá certo. As malas se amontoam ao redor, enquanto minha irmã me ajuda a carregar, passando entre a multidão de pessoas no aeroporto, enciumados de ver os novos bolsistas da Planalto passando. Nos dois anos anteriores, eu estive entre eles, sentindo (Deus me perdoe) a inveja que eles sentem. É tradição, desde antes da minha irmã não passar como bolsista, que todo final de janeiro a gente fosse acompanhar a viagem dos novos sortudos também. Mariana dizia que era uma superstição para que eu passasse no futuro, mas mamãe sempre briga com a gente quando ela usa esse termo. Ela diz que Deus não gosta que nós consideremos os planos dele como pura sorte.

O assistente da Planalto Central que conduz os novatos avisa que vamos embarcar em alguns minutos, assim que despacharem o resto das malas e começo a sentir um frio na barriga que machuca. Mariana segura minhas mãos com força. Ela sempre sabe o que eu sinto.

— Vou sentir sua falta guria! — diz minha irmã.

— Não sei o que eu vou fazer sem você! Acho que isso tá quase me fazendo largar tudo e voltar pra casa! — respondo, sem conseguir encarar a Mariana. É uma piada, mas sinto que se ela pedisse eu voltava mesmo.

— Não manda esse migué! — Ri Mari. — Me liga todo dia Manu, me conta tudo o que aconteceu!

— Eu vou, não sei se sobrevivo um dia naquele lugar sozinha!

— Você não vai estar sozinha. — Interrompe meu pai. — Deus vai estar contigo. Jesus vai guiar seus passos e sua família vai te dar apoio em tudo o que precisar!

Eu abraço meu pai, Seu André, pelo tronco com força. Ele tem cheiro de sabonete, como quem acabou de sair do banho.

— Seu pai tem razão. — Minha mãe comenta, baixinho. Ela fica desconfortável em multidões, com exceção da Congregação e não gosta muito de toda a tecnologia que tem ao nosso redor. — Agradece filha, agradece muito por essa oportunidade que te deram, precisa aproveitar! — Eu concordo com a cabeça e enfio meu rosto na curva do pescoço dela. Seguro as lágrimas. — Tu precisa se lembrar, Manuela, todo dia, que Deus está no comando de tudo e você precisa escutar os sinais que ele te dá. Cristo vai te mostrar o caminho e tu precisa ser grata, filha, sempre, por ele te amar! Ele tem um plano para você, bem grande.

— Eu sei mãe e vou aproveitar tudo o que puder! — Sorrio. — Te amo demais, já tô morrendo de saudade.

— Se cuida e se comporta filha, pelo amor do Senhor, não faz nada que vai se arrepender depois nessa escola! — Pede minha mãe. Essa é a frase que ela sempre fala para Mari quando ela sai com os amigos.

— A senhora parece que não conhece sua filha mãe! — Mariana comenta com uma risadinha, me abraçando por trás. — Essa menina é uma benção, só vai dar orgulho pra esse mundo, fazendo tecnologias novas e melhorando vidas...

— Deus te ouça! — Murmura meu pai, a voz cansada.

Para papai, eu ter entrado é o resultado de tudo o que ele precisou deixar para trás. Ele veio do interior de Bento Gonçalves, aqui no Rio Grande do Sul, onde morava com meus avós para trabalhar em Porto Alegre, como servente, uns anos antes da primeira tentativa de golpe, em 2023. Foi onde ele conheceu Jesus e depois a minha mãe.

Mamãe me abençoa uma última vez, e meu pai deseja todas as graças que tenho direito. Quando minha irmã me abraça, tem tanto carinho que preciso segurar as lágrimas com mais força. Ainda estou tremendo um pouquinho quando embarco, acompanhada das outras garotas do Rio Grande do Sul que também passaram na Planalto. Prendo meu cabelo com antes de entrar no avião. Ele está uma bagunça, porque não dormi direito.

Planalto CentralOnde histórias criam vida. Descubra agora