MARIA ÂNGELA
Estou a quase uma hora dentro do carro, com meus conectores de ouvido no último volume e sinto que vou morrer de tédio.
Não tem mais nada de interessante para ver em nenhuma rede social e o sinal de internet some completamente quando atravessamos a Chapada dos Veadeiros. Melhora quando chegamos perto do campus, com internet à satélite, mas no meio do cerrado, ainda que depois dos anos de melhoria na conectividade no país e das estações de trem da Planalto, não tem nada para fazer, além de tentar aprender a mexer minha perna biônica em ângulos estranhos e aleatórios, como faço com a de carne.
Outros carros passam na rodovia, mais rápidos do que o meu. Meu motorista e eu tentamos ver quem está dentro, se eu conheço o aluno... Aquela estrada vai só para dentro da Planalto Central, então tenho certeza que é uma pessoa que vou ter contato. Descubro dois novos pontos de sensibilidade na coxa de metal, perto do joelho e quase abro a porta e me jogo, só pela emoção.
Não consigo colocar esse plano em prática. Os prédios da Planalto Central finalmente surgem no horizonte e solto um gritinho de alívio que assusta meu motorista. A Planalto é imensa, como um gigante se erguendo no meio da chapada onde antes só tinha árvores e poeira. Como Brasília, foi construída no meio do nada, mas ainda uns quilômetros depois.
Gosto disso nessa escola. É como um microcosmos afastado de tudo, onde meu nome é conhecido em todos os corredores, por todas as pessoas.
São três prédios, lado a lado. O do centro é envidraçado do primeiro ao décimo segundo andar, por um tipo de vidro que não reflete a luz do Sol, funcionando como uma pequena usina solar elétrica vertical, aquecendo a água e gerando energia. Ou algo do tipo, nunca me importei em guardar tudo certinho quando fiz meu tour no primeiro ano. Aquele sistema impede o campus de virar uma ilha de calor, pioneiro no país e nasceu dentro dos projetos científicos da própria Planalto. Os outros dois prédios são de pedra e de um polímero metálico qualquer, que ajuda a regular a temperatura.
Os jardins, as quadras esportivas, as áreas comuns para alunos, os dormitórios... Como senti falta.
Tem uma fila imensa de carros na entrada do campus, já que, aparentemente, é muito difícil passar o código digital de identificação do aplicativo no leitor e abrir as catracas de vidro blindado. Maurício, meu motorista desde que eu tinha dez anos, parece tão impaciente quanto eu e resmunga até que conseguimos entrar na avenida particular da Planalto, atrás de uma fila de estudantes que também chegam das férias.
A avenida se estende por uns bons metros até a fonte com a estátua de Adelaide Pinheiro, a líder de um dos movimentos sociais da Revolução de 23, que foi assassinada com um tiro na testa no meio da manifestação e virou heroína nacional. É uma estátua bonita e no dia da morte dela, em setembro, a escola para tudo para uma homenagem.
Maurício estaciona diante das portas de vidro na entrada, foscas, mas que deixam visíveis alguns alunos adiantados passando no corredor. Coloco os óculos de Sol redondos e saio do carro, meus cabelos escuros e lisos balançando. O ar abafado de Goiás me faz respirar fundo, um biquinho no rosto e pego a mochila de coisas pessoais no banco do passageiro. Alguns alunos viram o rosto para me encarar com adoração, murmurando em seus grupinhos de amigos.
Meu motorista me ajuda a tirar as malas do bagageiro e se despede, dizendo que vai avisar meus pais que cheguei bem.
Empilho as malas para conseguir carregar tudo de uma vez e deslizo até as portas de vidro automáticas, a perna biônica estalando como sempre faz. Ar condicionado e paredes geladas de metal me fazem arrepiar.
O corredor principal, largo e cheio de portas de madeira branca e vidro, segue para o interior do prédio, mas os laterais levam aos prédios de pedra, outras salas de aula, as quadras e os dormitórios de todos os anos. Sigo pelo corredor para os quartos do segundo ano, ansiosa para ver qual vai ser o meu, que compartilho com Laís, minha melhor amiga. O número do quarto, a lista de matérias do ano, os comitês das festas, tudo estava no e-mail dos alunos uma semana depois do ano novo. Todos os alunos tem que estar no campus dez dias antes da volta às aulas oficial em fevereiro, para escolher suas optativas, fazer o exame físico, pegar o material e organizar os horários dos professores, mas a escola abre desde a metade de janeiro, para pais como os meus, que precisam se livrar dos filhos o mais cedo possível. Por motivos de negócios.
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Planalto Central
Teen FictionA Planalto Central é um colégio interno de elite no coração de Goiás, em meio ao cerrado. Dona do segundo vestibular mais concorrido do Brasil, organizada pelo Governo Federal e regida pela maior empresa de tecnologia do país, ganhou fama por formar...