O início do meu fim

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- Geovana, você recorda do primogênito da família Andrade?  - questionou papai.

E foi exatamente com essa pergunta completamente sem nexo - pelo menos pra mim - que eu me vi jogada no que se tornou pouco a pouco o fim dos meus dias felizes.

- O pequeno que foi estudar na Inglaterra meses antes da Ellen nascer? - respondeu mamãe.

- Exatamente. Ele acaba de chegar a cidade, e quando o reencontrar, você vai ver por si mesma que ele já não lembra em nada o pequeno Maurício que foi um dia. Está um homem feito.

- Pudera! Já se passaram 15 anos e recordo que ele foi embora pouco tempo depois do seu aniversário de 12.

- Isso. Deixe-me então dizer que ele chegou para assumir os negócios da família, mas o velho Andrade não vai deixar isso acontecer tão fácil, mesmo estando a um passo da cova. - resmungou papai.

- Como assim, papai? - entrei na conversa mesmo não sabendo de quem exatamente eles falavam. 

- Ora, Ellen, não se fala em outra coisa na cidade. Andrade só vai passar a administração dos bens da família para o filho Maurício quando este contrair matrimônio. 

- Misericórdia! Eu  nunca aceitaria estar no lugar dele. - pensei comigo mesma, sem perceber todavia que falara essas palavras em uma voz quase audível. 

- O que disse, mocinha? - questionou papai com um olhar inquisidor que me gelou a espinha.

- An... ah... ora, meu pai, é isso. Não estamos mais na idade média para imposições desse tipo, os tempos mudaram, o século XIX não comporta mais atitudes assim. 

- De onde você tirou esses pensamentos senhorita Ellen Grace Tavares? - de repente esbravejou papai, fazendo com que mamãe estremecesse ao meu lado no sofá. 

- Calma, Gregório, ela não sabe o que diz, vive presa nesses livros e romances. .. - falou ela, olhando para mim como que implorando para que eu não falasse mais nada.

- Pois de agora em diante essa mocinha não lerá mais um livro sem que eu o tenha avaliado antes - papai levantou e saiu, dando por encerrado esse e qualquer outro assunto.

De minha parte eu ficara indignada, não só pela atitude tirana de papai ao se colocar no papel de sensor das minhas leituras, mas principalmente por causa da submissão a que mamãe se entregava sem qualquer questionamento. 

- Como você pode, dona Geovana? - perguntei a encarando, sem conter as lágrimas que contra a minha vontade começaram a molhar meus olhos.

- Não me condene, Ellen. Você não entende nada da vida, e para o seu próprio bem, escute e aceite o conselho que agora te dou: enquanto você estiver aqui, nunca desafie seu pai. E, quando se casar, nunca desafie ou desobedeça seu marido. A vida sempre foi e vai continuar sendo assim, com os homens à frente da família e escolhendo o melhor para nós.

Eu não imaginava, não podia imaginar naquele dia, que aquele comportamento passivo de mamãe acabaria por refletir na minha própria vida. Não, eu jamais conseguiria seguir tais conselhos, jamais viveria presa as rédeas de um coração que não fosse o meu. Se é para morrer em vida, como a mamãe, eu preferiria mil vezes a morte. Mas eu não podia argumentar mais nada com ela, não naquele momento. Enquanto eu refletia sobre tudo o que ouvira, mamãe deixou-me sozinha na sala.

Eu não tinha ideia do que me aguardava.

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