Acontece.

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Estávamos sentados em uma das mesas no fundo da cafeteria observando a chuva cair pela janela. Nenhum de nós tinha coragem de dizer absolutamente nada. Você olhava com serenidade a chuva. Gostava dela. Dói lembrar que você me olhava assim, com serenidade, e se sentia em paz do meu lado. Mas você estava mudada. Seu olhar é diferente, e você não vê mais graça nas minhas piadas. Estávamos evitando o fim, e como num jogo de ping- pong, jogávamos um para o outro a decisão de ver tudo acabar.
- E aí, como tá tua vida?- você finalmente quebrou o silêncio, se ajeitando na cadeira.
- Legal...e a sua?
- Não sei, me sinto perdida...
- Você quer terminar?
- Entenda, não é bem assim...eu quero cuidar melhor de mim mesma...o problema não é você...
- Sem essa, você não precisa me dar explicações.
- Eu sinto muito, de verdade.
- Eu sei que sente.
Silêncio novamente.  Encarei a xícara que estava na minha frente e subi o olhar para o seu rosto. Você estava... rindo?
- Ficou feliz em me dar um pé-na-bunda?- debochei.
- An? Ah! não! Não falei assim- gargalhou- é só... Você se lembra de quando andávamos por aí no carro do seu pai?
- Claro que lembro. Várias memórias boas daquele banco de trás. - ri de canto. - mas o que tem de tão engraçado?
- Eu me lembro do dia em que você cantou e dançou uma música do Cazuza, que estava tocando no rádio. Você estava tão desafinado! Foi cômico.
- Você gostou da minha performance, pode falar.
- Você e suas proezas!- você ria alto.
- As ideias mais malucas sempre foram suas! - protestei - se lembra daquela madrugada em que saímos correndo até a beira do cais? E se a gente caísse?
- Foi legal sentar ali e sentir a brisa fresca. A gente tinha suado muito.
- Bons tempos. - falei por fim.
- Bons tempos. Jamais vou esquecer essas coisas nossas. Obrigada por tudo. Até algum dia.
E sem nenhum beijo, abraço ou aperto de mão, vi você se levantar e ir embora. Da cafeteria e da minha vida. Ontem estávamos indo de mãos dadas até a casa dos seus pais e hoje você está indo sozinha. E você estava tão em paz. Por que só dói em mim lembrar? É isso o que o amor vira quando chega ao fim?
Um homem que estava na mesa do lado, me olhava comovido. Talvez ele tenha ouvido tudo e está com pena.
- Isso é ruim, não? - disse me encarando.
- O que eu posso fazer?

Acontece.

  

Pirata- O livro Onde histórias criam vida. Descubra agora