Não Te Amo.

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- Conte-me mais sobre isso, João.
- Ah, eu nem sei por onde começar, Ana.
- Nós não estamos numa entrevista, estamos num consultório, em uma sessão de terapia. Nenhuma de suas frases precisa fazer sentido. Só precisa colocar o que está pensando pra fora.
- Hum....
- Você consegue, tente.
- Eu conheci um garoto...a um tempo atrás.
- E então?
- Na faculdade. A gente se conheceu na faculdade e saímos algumas vezes. Fomos à festas e a passeios juntos. A gente escutava música nas aulas vagas, no mesmo fone. Ele comprava sorvete pra mim sempre.
- E o que você mais gosta nele?
- Quando ele sorri pra mim e puxa assuntos aleatórios só pra tirar o tédio. Quando ele vai lá em casa e brinca com os meus gatos. Quando ele faz o almoço e eu lavo a louça.
- E vocês ainda estão se falando?
- Não...
- Posso perguntar o por quê?
- Nós estávamos em uma festa, a gente bebeu muito, muito mesmo. Ele foi chegando cada vez mais perto...e...
- E?
- Nós nos beijamos.
- E você gostou?
- Gostei. Gostei muito. Mas acabei estragando as coisas.
- Estragando?
- É. Eu estava tão bêbado que disse "eu te amo" pra ele.
- E ele?
- Ficou assustado, e se afastou. Passamos mais um tempo na festa e ele inventou uma desculpa pra ir embora.
- E você?
- Eu o quê?
- Você o ama?
- Não! Claro que não! Hahaha.
- Por quê está tão nervoso, João?
- Eu não o amo, Ana. Eu só bebi demais naquele dia. E ele não me ama. Se não não teria ido embora daquele jeito.
- Mas você procurou por ele depois do que aconteceu?
- Pra falar o quê? Eu nem sei como reagir a tudo isso. Só sei que sinto falta dele.
- Eu aposto que você o ama, João. Só não quer admitir pra si mesmo.
- Eu juro que eu não amo ele.
- Nosso tempo acabou. Te levo até a porta.
Se levantaram os dois e foram até a entrada da pequena sala.
- Até semana que vem, querido.
- Até Ana, tchau.
O garoto seguiu para fora da clínica parando no meio da calçada. Num gesto desesperado, procurou seu celular dentro da bolsa com pressa, e respirou aliviado quando o encontrou.
Fechou os olhos por uns instantes e respirou fundo: a decisão estava tomada. Colocaria fim naquela história.
O ponto fraco de João sempre fora o amor. Odiava se ver tão vulnerável para alguém, e odiava sentir saudades, ainda que jamais se permitiria assumir a si mesmo. Ele não entraria nessa. Ele não perderia esse jogo de novo.
Discou o número que já não tinha mais em sua agenda, mas o sabia de cor. Após três toques, ouviu a voz que fazia o coração palpitar acelerado.
- Alô?
- Escute, eu preciso te falar uma coisa..
- Ah, oi Jão! Pensei em te procurar depois daquele di...
- Eu não te amo!
- O quê?
- Eu não te amo! Eu juro!
- João, o que acontec....
- Eu bebi demais, eu não te amo, entendeu?
E sem dizer mais nada, o garoto desligou o celular e bloqueou o número ao qual tinha acabado de ligar.
- Eu juro eu não te amo, eu só bebi demais, amor.
Murmurou a si mesmo.
Sabia que poderia enganar facilmente a todos.
Mas poderia ele enganar- se a si mesmo?

Pirata- O livro Onde histórias criam vida. Descubra agora